POR QUE O BRASIL COMEMORA O DIA DA VITÓRIA NA SEGUNDA GRANDE GUERRA MUNDIAL NO DIA 08 E A RÚSSIA NO DIA 09 DE MAIO?
Sputnik, 09/05/2020
Por
que o Brasil comemora o dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial no dia
8 e a Rússia no dia 9 de maio? Qual foi o momento decisivo do conflito,
o Dia D ou a Batalha de Stalingrado? A Sputnik explica as diferenças de
abordagem sobre a guerra no Brasil e na Rússia.
Neste
sábado, 9 de maio, a Rússia comemora os 75 anos da Vitória na Segunda
Guerra Mundial. Para os russos, o conflito começou em 1941, enquanto no
Brasil marcamos o início do conflito em 1939. Essa é só uma das
diferenças de como o Brasil e a Rússia contam a história da Segunda
Guerra Mundial.
A Sputnik Brasil conversou com Rodrigo Ianhez, historiador brasileiro
formado na Rússia, para entender essas diferenças e conhecer melhor a
interpretação russa da tragédia mais consequente do século XX.
Por que os russos consideram que a guerra começa em 1941?
Para começo de conversa, os russos consideram que a guerra teve
início em 1941, enquanto no Brasil consideramos que o conflito começa em
1939, com a invasão alemã da Polônia.
Ianhez, mestre em história pela Universidade Estatal de Moscou (MGU,
na sigla em russo), explica que 1941 é o ano da a invasão da União
Soviética pelos alemães, portanto, "os russos consideram 1941 o início da Grande Guerra Patriótica", que consiste na guerra contra a invasão e ocupação alemã.
No entanto, os russos "não negam ou ignoram a existência da Segunda
Guerra Mundial de 1939 a 1945", mas "consideram que dentro dela há um
conflito que se estende de 1941 a 1945, que se chama Grande Guerra
Patriótica".
"É um recorte histórico", explicou, lembrando que a determinação do
ano de 1939 como início do conflito também é um recorte: "Antes de 1939,
houve a anexação da Áustria e a divisão da Tchecoslováquia", eventos
que também poderiam marcar o início da Segunda Guerra Mundial,
argumentou.
Dia D vs Stalingrado: qual a batalha que virou o jogo?
No Brasil, normalmente a historiografia aponta o Dia D, quando tropas
britânicas e norte-americanas desembarcaram na Europa continental, como
o momento decisivo para a derrota da Alemanha nazista.
Apesar de "não negar a importância"
desse acontecimento, a historiografia russa aponta a "Batalha de
Stalingrado como momento-chave" para a queda de Hitler, conta Ianhez. A
vitória da URSS em Stalingrado marcou a primeira derrota da Alemanha na
guerra.
Stalingrado, cidade na região sul da Rússia, que hoje é chamada de
Volgogrado, viveu a maior batalha da história mundial "em quantidade de
soldados envolvidos", entre 17 de julho de 1942 e 2 de fevereiro de
1943.
"Stalingrado foi a primeira vez na história que um exército alemão foi capturado e a primeira vez que um marechal de campo alemão se rendeu, o marechal [Friedrich] Paulus", explicou.
O Dia D, por sua vez, ocorreu mais de um ano depois, em 6 de junho de
1944, quando a Alemanha já estava relativamente enfraquecida e o
Exército da URSS avançava rapidamente rumo a Berlim.
"O Dia D, no verão de 1944, ocorreu
enquanto a Rússia realizava a operação Bagration e estava retomando a
Ucrânia e já passando as fronteiras da antiga União Soviética", com a
Alemanha na defensiva.
O Dia D marca o momento no qual a Alemanha passou a lutar em dois fronts: no oriente, contra a Rússia, e no ocidente, contra os EUA, o Reino Unido e seus aliados.
A historiografia russa "se incomoda com a narrativa
americano-britânica de que o Dia D seria a virada" por considerar que
seus aliados EUA e Reino Unido demoraram para abrir o front ocidental
contra a Alemanha, "deixando os soviéticos lutando sozinhos" contra os
nazistas "no front oriental".
Centro da cidade de Stalingrado após a batalha contra os nazistas, durante a Grande Guerra pela Pátria, em 1943
Essa demora das potências ocidentais em desembarcar na Europa "custou a vida de muitos soldados soviéticos", lembrou Ianhez.
Por que o dia da Vitória é comemorado em datas diferentes?
Outra diferença entre a abordagem brasileira e russa sobre a Segunda
Guerra Mundial é a data de comemoração do Dia da Vitória: no Brasil é
comemorado no dia 8 e na Rússia no dia 9 de maio.
Ianhez conta que "os soviéticos tinham
combinado com as forças aliadas que a assinatura da capitulação da
Alemanha seria feita no dia 9 de maio. No fim, acabou sendo feita no dia
8".
A antecipação não causou nenhum inconveniente entre as partes, uma
vez que "se considerarmos o fuso horário, já era dia 9 em Moscou".
Pelo contrário, a diferença das datas se mostrou bastante
conveniente, uma vez que líderes ocidentais podem comemorar o fim da
guerra em seu país natal no dia 8 e depois voar a Moscou para acompanhar
os desfiles do Dia da Vitória, no dia 9.
Qual a polêmica sobre a capitulação do Japão?
Não é só a data do fim da guerra que é diferente no Brasil e na
Rússia. A capitulação do Japão, alguns meses depois, em setembro, também
está sujeita à diferentes interpretações.
"A historiografia ocidental sublinha
como o principal motivo da rendição do Japão o ataque nuclear [realizado
pelos EUA] em Hiroshima e Nagasaki. Enquanto a historiografia russa
coloca como principal motivo a retomada da Manchúria pelo Exército
soviético", explicou Ianhez.
A Manchúria, território chinês ocupado pelo Japão durante a guerra, era "o principal centro de poder de Tóquio no continente".
"A partir do momento que a URSS entrou
na guerra contra o Japão e tomou a Manchúria, os japoneses perderam as
chances de continuar no conflito", disse o historiador.
A Manchúria era um território considerado difícil de ser conquistado:
"Só os chineses estavam combatendo naquela área, em condições
relativamente precárias." A URSS, por outro lado, "tinha o maior
Exército mobilizado da história mundial, com dez milhões de homens",
relatou o historiador.
Partisans em missão de reconhecimento, durante a Grande Guerra pela Pátria, em 1941
A historiografia russa defende que, "se a URSS não tivesse tomado a
Manchúria, a guerra contra o Japão poderia ter se prolongado por muitos
anos", disse.
O papel soviético na vitória sobre o Japão, muitas vezes ignorado, em função do impacto das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, pode ganhar novo relevo neste ano de 2020.
"Com o cancelamento do grande desfile do Dia da Vitória em Moscou, em
função da COVID-19, existe a possibilidade de as comemorações serem
realizadas em setembro, na data da vitória sobre o Japão" pela primeira
vez na história, contou Ianhez.
Monumentos históricos
Essas diferenças entre as abordagens historiográficas são normais e,
inclusive, contribuem para o debate entre especialistas. No entanto,
algo muito diferente é o revisionismo histórico que busca modificar
fatos para atingir objetivos políticos. Nesta seara, a Rússia tem
algumas demandas à comunidade internacional, apontou o historiador
Ianhez.
"A principal demanda dos russos, no
nível oficial, é a preservação e o respeito aos memoriais soviéticos que
se localizam na Europa", disse. "Alguns países, especialmente aqueles
que durante a Guerra Fria pertenceram ao bloco socialista não
garantem a preservação desses monumentos."
A retirada de monumentos e memoriais em homenagem aos soldados soviéticos que morreram no campo de batalha gera atrito entre Moscou e países como a Polônia, a República Tcheca e países bálticos.
Combatente soviético estabelece contato com o front, no primeiro ano da Grande Guerra pela Pátria, em 1941
Já ocorrem casos de vandalismo contra os monumentos soviéticos,
inclusive contra monumentos funerários, e essa é uma questão muito
sensível para os russos", explicou.
Por outro lado, "o país que mais leva a sério, respeita e mantém os
monumentos soviéticos é a Alemanha, aonde todos os memoriais estão
preservados".
Monumento soviético erguido em Treptower Park, em Berlim, fotografado em 14 de março de 2020
No centro da capital alemã, o Memorial Tiergarten homenageia os 80
mil soldados soviéticos que morreram na Batalha de Berlim, e o parque
Treptower abriga cemitério no qual estão sepultados cinco mil soldados
do Exército Vermelho.
Reconhecimento do papel da Rússia
O reconhecimento do papel da Rússia na vitória sobre o nazismo é
essencial para "compreendermos a Segunda Guerra Mundial, que é o momento
mais trágico do século XX", cujas "consequências são sentidas até hoje
na geopolítica mundial".
"É também necessário reconhecermos a
tragédia humana. A URSS perdeu entre 18 e 30 milhões de pessoas durante a
guerra. Todas as famílias soviéticas perderam pelo menos um membro no
front", nota.
Para conhecer melhor o papel da União Soviética na guerra contra o nazismo, Ianhez recomenda o livro "Moscou 1941",
escrito pelo então embaixador britânico na Rússia, Rodric Braithwaite,
que relata "como as pessoas simples na URSS encararam" a batalha pela
defesa da capital.
Piloto
soviética Nadezhda Vasilyevna Popova, especialista em bombardeios
noturnos, posa ao lado de bimotor, durante a Grande Guerra pela Pátria
Para reconhecer "a dimensão humana do conflito", o historiador
recomenda o livro da escritora bielorrussa laureada com o Prêmio Nobel,
Svetlana Aleksievich "A guerra não tem rosto de mulher", que ressalta o papel das mulheres que lutaram na guerra, dentro e fora do front.
Para quem gosta de cinema, Ianhez recomenda "o melhor filme de guerra que eu já vi – 'Vá e Veja'", do diretor Elem Klimov, que retrata "a barbárie que foi o front oriental".
No dia 9 de maio, a Rússia, país aliado do Brasil durante a Segunda
Guerra Mundial, comemora os 75 anos da Vitória sobre o nazismo. A
Sputnik Brasil traz uma série de reportagens especiais para marcar a data e revisitar os momentos marcantes do conflito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário