Imigração Portuguesa no Brasil
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Luso-brasileiros
Pedro I do Brasil · Honório Hermeto Carneiro Leão · Bartolomeu de Gusmão · José Bonifácio de Andrada · Tomé de Sousa · Carmen Miranda · Fernando Henrique Cardoso · Antônio Carlos Magalhães · Adélia Pedrosa
Gugu Liberato · Roberto Leal
Fernanda Abreu · Thiago Lacerda · Daniela Mercury · Maitê Proença - Luiz Inácio Lula da Silva - Darcy Ribeiro - Francisco Buarque de Hollanda - José Aparecido de Oliveira - Getúlio Dorneles Vargas
População total
5 milhões de descendentes diretos, podendo assim adquirir nacionalidade portuguesa
Regiões com população significativa
Línguas
português
Religiões
Catolicismo (maioria)
Grupos étnicos relacionados
Portugueses, Brasileiros.
Imigração portuguesa no Brasil, ou emigração portuguesa para o Brasil, É o movimento populacional de portugueses para o Brasil. Os portugueses constituíram o segundo grupo que mais povoou o Brasil, atrás apenas dos negros africanos. Durante mais de três séculos de colonização, somada à imigração pós-independência, os portugueses deixaram profundas heranças para a cultura do Brasil e também para a etnicidade do povo brasileiro. Hoje, a maioria dos brasileiros têm alguma ancestralidade portuguesa.
Um luso-brasileiro é aquele que é brasileiro e possui ascendência portuguesa ou aquele que é português e possui ascendência brasileira. São também chamados de luso-brasileiros as pessoas que têm dupla cidadania, portuguesa e brasileira. Moram no Brasil aproximadamente 700 mil pessoas apenas com nacionalidade portuguesa visto que a dupla nacionalidade não é contabilizada.
Esta população imigrou para o Brasil, na sua maioria, entre 1930 e 1960. Hoje em dia, e cada vez mais, se nota um aumento significativo de portugueses que compram propriedades no Brasil, sobretudo no Nordeste brasileiro. Estes portugueses dedicam-se sobretudo ao turismo. Este é um fenômeno extremamente recente. A ligação dos imigrantes portugueses e descendentes com Portugal é mantida através das inúmeras "associações portuguesas no Brasil", ou outras instituições como os "gabinetes portugueses de leitura" (o carioca, o soteropolitano e o recifense) e o Liceu Literário. Organizações como a Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro, a Associação Atlética Portuguesa, o Clube de Regatas Vasco da Gama, mantiveram a comunidade portuguesa unida e contribuíram para a sociedade brasileira.
Portais de notícias online
como o "Mundo Lusíada" mantêm a comunidade portuguesa numa constante
ligação com Portugal. São também eleitos os portugueses representantes
do Brasil no Conselho das Comunidades Portuguesas Segundo o jornal, Folha de São Paulo,
a comunidade imigrante portuguesa é a maior do Brasil atualmente. Dos
aproximadamente 1,5 milhão de estrangeiros residentes no Brasil, 596 mil
são portugueses.
Histórico
“Portugal não tem outra região mais fértil, mais próxima, nem mais frequentada, bem como não encontram seus vassalos melhor e mais seguro refúgio do que no Brasil. O português atingido por qualquer infortúnio para lá emigra” |
|
Seguido ao descobrimento do Brasil,
em 1500, começaram a aportar na região os primeiros colonos
portugueses. Porém, foi só no século XVII que a emigração para o Brasil
se tornou significativa. Acompanhando a decadência do comércio na Ásia, as atenções da Coroa Portuguesa se voltaram para o Brasil. No século XVIII, com o desenvolvimento da mineração na economia colonial, chegaram à colônia centenas de milhares de colonos. Após a independência, na primeira metade do século XIX, a emigração portuguesa ficou estagnada. Cresceu na segunda metade do século, alcançando seu ápice na primeira metade do século XX, quando chegavam ao Brasil, anualmente, 25 mil portugueses.
Imigração restrita (1500-1700)
Antecedentes
A emigração portuguesa foi um fenômeno que se intensificou com a
expansão ultramarina que Portugal iniciou ainda no século XV. O processo
migratório se alargou com a tomada de Ceuta, em 1415. Com a apropriação de novos territórios por parte do governo português, os lusitanos rumaram para a África e para a Ásia, depois para as Américas
e para Castela (Espanha). No primeiro quartel do século XVI, a corrente
migratória lusa dirigia-se para as ilhas atlânticas e praças do Norte da África,
entre os séculos XV e XVI se expande para praças e fortalezas da costa
ocidental africana e chega ao Índico. Depois do primeiro quartel do
século XVI dirigiu-se cada vez mais para o Brasil e às costas
atlânticas.
O fluxo migratório português assumiu diversas facetas: simples
ocupações militares, povoamento de ilhas desertas, passando por
diferentes tipos de colonização e pelo surgimento de núcleos
populacionais portugueses em regiões já habitadas.
A descoberta do arquipélago da Madeira, na primeira metade do século
XV, aumentou o fluxo migratório. A isso foi seguida a ocupação do
arquipélago dos Açores, de Cabo Verde e de São Tomé,
bem como a estratégia defensiva das praças, fortalezas e entrepostos
comerciais na costa africana. Porém, a saída de pessoas do Reino só se
avolumou após a viagem de Vasco da Gama
e a descoberta do Brasil. Antes disso, estima-se que saíam de Portugal
para outras partes 500 pessoas anualmente, número bastante reduzido, que
não afetava o crescimento populacional português. Portanto, para o
século XV, não mais que 50 mil portugueses saíram do país, sendo que
Portugal tinha uma população de cerca de 1,2 milhão de pessoas.
No século XVI, o fenômeno migratório se tornou mais relevante. Entre o ano de 1500 e a União Ibérica,
a média anual de saídas cresceu para 3.500 indivíduos, um total de 280
mil partidas, subindo para 5.500 saídas anuais no período filipino,
entre 300 e 360 mil emigrados.
No Norte da África, até 1470, a população portuguesa não passava de
algumas centenas de indivíduos. Por outro lado, em 1540 já havia na
região 5 mil soldados e 25 mil residentes civis portugueses. Depois, o
número foi decrescendo. Com a descoberta das ilhas atlânticas, cada vez
mais lusos para elas se deslocaram. A colonização da Madeira, iniciada
por volta de 1425, atraiu colonos: trinta anos após o inicio, havia 3
mil pessoas no arquipélago. Em 1550, a população da Madeira já rondava a
casa de 200 mil pessoas, dos quais 3 mil eram escravos. Nas décadas de
60 e 70 do século XV Portugal viu-se obrigado a incentivar a ida de
colonos para os Açores, que apresentava dificuldades de ocupação. Embora
os primeiros colonos fossem em grande medida flamengos e bretões, as
ilhas registraram um crescimento populacional geral no século XVI com a
chegada de colonos portugueses. Por outro lado, as ilhas de Cabo Verde e
São Tomé, apesar de serem destinos de portugueses, contavam com maioria
da população composta por negros escravos.
No Oriente, os riscos da viagem e as dificuldades de estadia coibiam a
imigração. De qualquer maneira, em 1513, Afonso de Albuquerque estimou
em 2.500 o número de portugueses na Ásia, 4 mil três anos depois,
atingindo 6 ou 7 mil em 1540. Na década de 1570 já seriam 16 mil. Goa constitui o maior povoado português, com 5 mil indivíduos.
A partir do século XVI, com a descoberta do Brasil, o fluxo
migratório português cada vez mais se voltou para a colônia
sul-americana. A emigração, porém, não atingiu valores alarmantes até a
segunda metade do século XVII, quando cresceu ao ponto de forçar o
governo português a tomar medidas que visavam restringir as saídas de
pessoas de Portugal.
Durante a expansão ultramarina, os portugueses desenvolveram dois
modelos distintos de colonização: um baseado no povoamento e outro no
estabelecimento de feitorias. O primeiro foi usado nas ilhas atlânticas
que, despovoadas, foram consideradas juridicamente extensão do reino
continental, sendo colonizadas por imigrantes portugueses que nelas se
estabeleceram e desenvolveram produções econômicas. O segundo modelo de
colonização, por outro lado, foi usado nas costas da Ásia e da África.
Ali, os portugueses encontraram um ambiente ecológico pouco atrativo e
populações nativas demasiadamente densas para serem submetidas com
facilidade. Portanto, se limitaram a estabelecer feitorias ou postos comerciais fortificados no litoral, que serviam como base para a troca comercial com os nativos.
O Brasil tinha uma imagem mais ambígua, uma vez que, do ponto de
vista geográfico, se assemelhava às ilhas atlânticas, porém, assim como a
África e a Ásia, possuía uma população nativa. Dessa forma, nos
primeiros trinta anos de colonização, os portugueses desenvolveram no
Brasil o "sistema africano", com o estabelecimento de feitorias no
litoral para a retirada do pau-brasil. Todavia, com o estabelecimento das capitanias hereditárias, o sistema usado nas ilhas do Atlântico passou a ser adotado no Brasil, por meio da ocupação de fato do território.
No Brasil
Típico engenho de cana-de-açúcar. |
O Brasil foi descoberto pelos portugueses em 22 de abril de 1500.
Logo após o fato, os colonos passaram a se estabelecer na colônia,
porém, de forma pouco significativa. De início, aqui foram deixados
degredados (pessoas tidas como indesejáveis em Portugal,
que tinham como pena o degredo no Brasil). Esses primeiros colonos
foram abandonados à própria sorte e acabaram sendo acolhidos pelos
grupos indígenas que viviam no litoral. Os degredados chegaram a compor
de 10 a 20% da população da Bahia e Pernambuco (áreas mais ricas). Em contrapartida, nas regiões periféricas, como o Maranhão, os degredados eram entre 80 e 90% da população portuguesa.
Durante os séculos XVI e XVII,
a imigração de portugueses para o Brasil foi pouco significativa. A
Coroa Portuguesa preferia investir na sua expansão comercial no continente asiático e pouco valorizava as suas possessões nas Américas. Porém, durante o século XVI, piratas franceses e de outras nacionalidades começaram a rondar o território brasileiro e a fazer tráfico de pau-brasil dentro das terras lusitanas. Essa situação obrigou a Coroa Portuguesa a começar efetivamente a colonização do Brasil. Os primeiros colonos portugueses começaram a chegar ao Brasil em maior número após 1530. A colônia foi dividida em capitanias hereditárias e as terras foram divididas entre nobres
lusitanos. Para promover a colonização desses grandes lotes de terra, a
Coroa Portuguesa passou a incentivar a ida de colonos para o Brasil,
que recebiam sesmarias e tinham um prazo de tempo para desenvolver a produção.
A fixação de portugueses no Brasil só se tornou significativa na
segunda metade do século XVI. Em meados deste século, a colônia contaria
com uns 2 mil brancos e 4 mil escravos.
Por volta de 1583-1584, a população portuguesa na colônia crescera para
20 mil, em 1600 para 32 mil e em 1612 para 50 mil. O povoamento
português no Brasil se limitava quase que exclusivamente à faixa
litorânea e permaneceu escasso nos séculos XVI e XVII. Porém, levando em
conta que Portugal tinha uma população bastante pequena (um milhão e
meio de habitantes) e que o país também estava empenhado em povoar as
ilhas atlânticas e em se expandir da África à Ásia, não representava
pouco o número de portugueses já estabelecidos no Brasil naquela altura.
Embora a colônia tenha sido dividida inicialmente em quatorze capitanias,
a maioria não se desenvolveu e a população se concentrava em apenas
três (Bahia, Pernambuco e São Vicente (hoje São Paulo). O sucesso da
lavoura canavieira impulsionou a fixação de colonos portugueses. No
século XVII, a colonização se expandiu com algum esforço organizado para
colonizar o norte (Maranhão e Pará), em resposta a incursões
estrangeiras. Após a expulsão dos holandeses de Pernambuco (1624-1654) a
emigração foi retomada. Na década de 1680, partiriam de Portugal
anualmente uns 2 mil emigrantes com destino a Bahia, Pernambuco e Rio de
Janeiro. No final do século XVII, a população branca portuguesa já se
aproximava de 100 mil indivíduos. O Brasil já era, de longe, a maior
colônia portuguesa no mundo.
Capitania (vilas principais) | População branca (1570) | População branca (c.1585) |
---|---|---|
Itamaracá | 600 | 300 |
Pernambuco | 6.000 | 12.000 |
Bahia | 6.600 | 12.000 |
Ilhéus | 1.200 | 900 |
Porto Seguro | 1.320 | 600 |
Espírito Santo | 1.200 | 900 |
Rio de Janeiro | 840 | 900 |
São Vicente | 3.000 | 1.800 |
Totais | 20.760 | 29.400 |
Nesse período, vieram para o Brasil portugueses de todos os tipos:
ricos fazendeiros, aventureiros, mulheres órfãs, degredados, empresários
falidos e membros do clero. O foco da imigração foi a Região Nordeste do Brasil, já que as plantações de cana-de-açúcar
estavam em pleno desenvolvimento. Essa imigração colonizadora ficou
marcada pela masculinidade da população: as mulheres portuguesas
raramente imigravam, pois na Europa
o Brasil possuía a imagem de uma terra selvagem e perigosa, onde apenas
os homens poderiam sobreviver. No Nordeste brasileiro nasceu uma
sociedade açucareira rígida, formada pelo colono português e seus escravos africanos.
Para suprir a falta de mulheres portuguesas, a Coroa Portuguesa passou a
enviar para o Brasil mulheres órfãs que, ao invés de seguirem o caminho
religioso, iam se casar no Brasil. Todavia, os esforços não foram
suficientes e a miscigenação ocorreu em larga escala: as mulheres indígenas e africanas acabaram por substituir a falta das mulheres portuguesas.
Surge, então, o "branco da terra": filho do colono português com as índias locais. Mais tarde, surge a figura do mulato: filho do europeu com as africanas. Desembarcaram também na colônia judeus, muitos cristãos-novos e ciganos. Sob o domínio holandês centenas de judeus de Portugal e Espanha se instalaram, sobretudo, em Pernambuco, acrescentando à diversidade étnica do Brasil colonial.
Os degredados
Em Portugal, a pena do degredo era utilizada desde a Idade Média.
Os condenados por algum crime podiam ser mandados para lugares mal
povoados e zonas fronteiriças do País. Um destino muito visado era o Algarve. Porém, com as descobertas portuguesas a partir do século XV, muitos condenados passaram a ser mandados para a África, a Índia
e para o Brasil. Os degredados eram "desajustados sociais",
indesejáveis em Portugal, que eram banidos para possessões ultramarinas
por um tempo determinado ou, em muitos casos, indefinidamente. A pena de
degredo para o Brasil era considerada a pior penalidade que havia,
apenas superada pela pena de morte. No imaginário português, havia uma dicotomia entre ora considerar o Brasil uma espécie de paraíso terrestre e ora considerá-lo o inferno
na Terra. A natureza virgem da colônia contribuía para criar a imagem
do paraíso terrestre, principalmente entre o clero, que chegou a ver a
descoberta do Brasil como uma manifestação de Deus.
Porém, os relatos sobre a colônia também já assumiam uma perspectiva
negativa, alguns com descrições reais, outros fantasiosos, a medida que
se propagava que o Brasil era habitado por animais selvagens, mas também
por seres como monstros e dragões. Além da fauna e da flora exóticas e
perigosas, a imagem dos índios também era tingida de elementos preconceituosos, uma vez que sob os olhos dos europeus eles eram "selvagens" e a prática da antropofagia
entre os índios foi usada pelos europeus para denigri-los. Ademais, o
degredo para o Brasil significava, além de partir para uma terra
desconhecida e tida como perigosa, ter que enfrentar uma viagem oceânica
torturante e a separação da família.
Com toda essa visão negativa que recaía sobre o Brasil, era natural
que muitos portugueses temessem se transferir para a colônia. Povoar o
Brasil e, consequentemente, estabelecer o controle português na região,
foi uma tarefa muito difícil para a Coroa Portuguesa. Além do fato de
que Portugal tinha uma população muito pequena, eram poucos aqueles que
se atreviam a se aventurar numa terra vista como perigosa. Em virtude
disso, o degredo foi usado por Portugal como uma forma de povoar a
colônia. Na carta de Pero Vaz de Caminha
já havia o relato de degredados que no Brasil ficaram logo após o
descobrimento. Era conveniente para muitos degredados ficar no Brasil,
pois penetravam a colônia e se mantinham longe da rígida justiça
portuguesa. Na colônia se integravam, normalmente eram acolhidos pelos
índios e se uniam a mulheres indígenas. Nas décadas seguintes, Portugal
continuou mandando degredados para a colônia.
Parte da historiografia brasileira e também o senso comum
costumam afirmar que Portugal mandou para o Brasil a "escória" da
sociedade portuguesa: prostitutas, assassinos, ladrões. É corriqueiro
afirmar que grande parte das mazelas da sociedade brasileira são fruto
desse tipo de povoamento que juntou portugueses "degenerados", índios
"lascivos" e africanos "libidinosos", dando origem a uma sociedade
problemática. Além de ser uma afirmação falsa, essa tese está tingida de
preconceitos e de uma baixa estima dos próprios brasileiros em relação
aos seus antepassados.
Na realidade, os degregados eram pessoas que haviam sido condenadas pelos mais diversos crimes. Na sociedade portuguesa da Era Moderna, marcada pela religiosidade católica
e por um Estado absolutista, uma enormidade de condutas eram
tipificadas como crime. Porém, para os padrões atuais, essas condutas
não mais tipificariam um crime. É salientável que o conceito de crime
varia com o decorrer do tempo e com o contexto em que se encontra
determinada sociedade. Portanto, o que poderia ser considerado um crime
gravíssimo em uma sociedade pode ser uma conduta irrelevante para outra.
Assim, poderiam ser condenadas ao degredo pessoas setenciadas por homicídio, roubo e fraude. Mas também poderiam receber a mesma pena mulheres que fossem pegas fazendo fofoca.
A maioria dos condenados receberam a pena de degredo por terem condutas
que, atualmente, seriam consideradas crimes leves ou nem ao menos
seriam crime, como por pequenos furtos, promessas de casamento não
cumpridas, vício em jogo, lesa-majestade, seduções, adultérios, sodomia,
misticismo, judaísmo e blasfêmias, entre outros do gênero. Portanto, a
maioria dos degredados não fazia parte da tal "escória" portuguesa, que
muitos ainda acreditam que povoou o Brasil.
Tanto a Igreja como a Coroa Portuguesa acreditavam que, com o degredo, o condenado iria purgar sua alma
por meio do trabalho. Além de ser uma forma de eliminar esses elementos
indesejáveis da sociedade portuguesa e de fazê-los purgar a alma, o
degredo também foi usado como um estratagema
da Coroa Portuguesa de povoar o Brasil e condutas, que hoje poderiam
ser tidas como irrelevantes, eram penalizadas com o exílio.
Um caso ilustrativo aconteceu com um aspirante a padre de nome André
Vicente que, em 1632, foi condenado a três anos de degredo no Brasil por
limpar o nariz utilizando os panos do altar da igreja. Com o objetivo
de povoar a colônia, sempre que um navio deixava Portugal rumo ao
Brasil, havia ali uma quota de degredados.
Minorias étnicas
O Portugal quinhentista não configurava uma sociedade homogênea. Ao
lado da maioria cristã, havia importantes minorias muçulmanas, judaicas e
ciganas. Após a Reconquista Cristã, os mouros
de Portugal já se encontravam avançadamente aculturados e a sua
assimilação dentro da sociedade portuguesa aconteceu sem maiores
problemas. Por outro lado, os (e cristão-novos) e os ciganos
eram etnias que frequentemente foram hostilizadas e mesmo perseguidas
em Portugal. Essas duas etnias foram marginalizadas da sociedade
portuguesa e muitos deles foram para o Brasil, seja de forma forçada
(pelo degredo) ou voluntariamente.
Os judeus foram frequentemente hostilizados, proibidos de seguir sua
religião e costumes e forçados a se converter ao cristianismo. Muitos
deles eram acusados, por desafetos, de práticas judaizantes, ofensas à
Igreja Católica e de fazer pactos demoníacos.
Não era apenas a religiosidade mística, etnocêntrica e preconceituosa
que levava a essa situação. Interesses econômicos também, uma vez que os
judeus exerciam forte influência no comércio da Bahia e de Pernambuco.
Foi apenas em 1773, por decisão do Marquês de Pombal,
que se proibiu a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos e no
ano seguinte foi permitido o acesso de judeus e descendentes a cargos
públicos e honrarias.
Quanto aos ciganos, o governo português apresentava uma dualidade:
ora os forçava a ir para o Brasil, ora restringia a sua entrada na
colônia, mas sempre mantendo uma atitude hostil. Também foi pela ação do
Marquês de Pombal que foram proibidas as restrições contra essa etnia.
De qualquer maneira, durante todo o período colonial imperaram as
restrições aos judeus e ciganos, seja de caráter social ou oficial.
Ambos eram vistos como diferentes e ameaçadores, numa sociedade
extremamente etnocêntrica e intolerante à convivência com valores e
verdades heterogêneos.
Os convertidos ou cristãos-novos
Uma população numerosa de portugueses descendentes de judeus se estabeleceu no Brasil colonial. Durante vários séculos, judeus, cristãos e muçulmanos conviveram de forma pacífica na Península Ibérica. A Ibéria era um lugar único na Europa onde o hibridismo criou uma sociedade culturalmente rica. Os judeus chegaram à Península Ibérica antes do nascimento de Jesus Cristo e os islâmicos a invadiram no ano de 711, deflagrando uma maciça imigração proveniente do Norte da África, de mouros. Mesmo após os avanços da Reconquista Cristã no século XIII, a Espanha ainda tinha mais afinidade com a sociedade muçulmana do que com o resto da Europa. Mesmo os cristãos-velhos
(ibéricos sem ascendência judaica ou muçulmana) pareciam "exóticos" aos
olhos dos europeus do Norte, pois absorveram diversos aspectos tanto da
cultura judaica quanto da islâmica. Os séculos de convivência entre
esses povos foram quebrados no século XV e no século XVI, quando a Inquisição foi estabelecida na Espanha (1478) e em Portugal (1536). Os Reis Católicos (Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão)
tiveram um reinado conturbado. A Reconquista criou uma natureza
militarizada da sociedade espanhola e a violência na Espanha foi
exarcebada com a vitória das classes guerreiras durante esse período.
Depois que os cristãos conquistaram os territórios dos mouros, várias
guerras civis eclodiram na região da Espanha, ameaçando a estabilidade
da monarquia. Era necessário desviar toda essa agressividade a um
inimigo externo, criando um bode expiatório.
Dessa forma, toda a Espanha seria unida para combater um "inimigo"
único, criando uma unidade nacional tão desejada pelos Reis Católicos.
Em momentos conturbados, as sociedades humanas costumam se voltar contra
grupos ambíguos, tendo-os como perigosos e fazendo deles alvos de
ataques. No caso espanhol, o grupo escolhido para ser atacado foi o dos
judeus.
Os convertidos ou cristãos-novos
eram descendentes de judeus que haviam se estabelecido na Península
Ibérica há vários séculos. Muitos deles eram descendentes de judeus que
haviam se convertido ao catolicismo por livre e espontânea vontade. Muitos eram cristãos devotos e irrepreensíveis.
Alguns deles, porém, apesar de serem cristãos, mantinham alguns
aspectos culturais judaicos no seu dia-a-dia. Formavam, portanto, um
grupo ambíguo que não era visto pelos cristãos-velhos
como iguais a eles, tampouco eram aceitos pelos judeus. Portanto, não
foi difícil desmoralizá-los e transformá-los em alvo de agressividade.
Os cristãos-novos foram os primeiros a ser perseguidos pela Inquisição.
Depois de terem sido proibidos de assumir certos cargos, muitos foram
julgados pela Inquisição, foram presos, torturados, tiveram seus bens
confiscados e foram queimados vivos. Finalmente, em 1492, os judeus foram expulsos da Espanha e a violência da Inquisição se voltou contra os mouros, mais tarde contra os protestantes, franco-maçons, bruxas, iluministas, jansenistas, homossexuais, bígamos
e qualquer grupo que desviasse dos padrões impostos pela Igreja. Os
próprios católicos passaram a ser vítimas da Inquisição, pois criou-se
na Península Ibérica uma sociedade "paranoica e neurótica", onde as
pessoas eram vigiadas por seus vizinhos e qualquer comportamento
suspeito já ensejava uma denúncia. A Inquisição foi mais uma entidade
política do que religiosa, e era frequentemente usada pelas pessoas para
se conseguir poder e eliminar inimigos indesejáveis.
Nesse ambiente perigoso, judeus e convertidos migraram em massa da Espanha para Portugal entre 1480 e 1496. Porém, o rei Manuel I de Portugal
pretendia se casar com a filha dos Reis Católicos e, como condição para
aceitar o matrimônio, o monarca espanhol pediu ao português que também
expulsasse os judeus. Portanto, em 5 de dezembro de 1496, Portugal
também decretou a expulsão dos judeus, dando-lhes até outubro do ano
seguinte como prazo para sair. Todavia, estima-se que 10% da população
portuguesa fosse judia naquela altura, e o rei não podia se dar ao luxo
de perder toda aquela população e os benefícios econômicos que ela dava a
Portugal. Assim, o rei impediu a saída dos judeus de Portugal e decidiu que eles
deveriam ser convertidos à força ao cristianismo. Portugal, ao contrário
da Espanha, nunca teve o "problema mouro" para resolver. Após a
Reconquista, os islâmicos de Portugal já estavam bastante "iberizados" e
foram facilmente assimilados dentro da sociedade portuguesa. Na
Espanha, por sua vez, ainda havia uma grande população muçulmana não
assimilada, e ela foi a próxima vítima da Inquisição espanhola.
Portanto, a fúria da Inquisição portuguesa se voltou exclusivamente
contra os judeus e os convertidos. Durante os séculos seguintes, muitas
pessoas foram acusadas de cometer criptojudaísmo,
ou seja, de praticar o judaísmo em segredo. De fato, muitos
cristãos-novos, ao serem perseguidos como "judeus", apesar de muitos não
praticarem mais o judaísmo e de serem católicos devotos, acabaram
reacendendo o sentimento de ser judeu, dividindo membros da mesma
família. Assim, houve casos de irmãos cristãos que denunciavam irmãos
judeus para a Inquisição, e até mesmo de um filho cristão que denunciou a
mãe judia.Os inquisidores se debruçavam sobre a árvore genealógica
das pessoas para averiguar se certo indivíduo tinha algum antepassado
judeu. Surgiu aí o conceito de "limpeza de sangue" que atormentou a
sociedade ibérica. Muitos historiadores afirmam que o racismo
moderno nasceu na Península Ibérica a partir de então, com conceitos de
"sangue puro" e "sangue impuro". Houve casos de pessoas que foram
queimadas por possuírem um trisavô judeu, apesar de desconhecerem tal
origem. Isso deixou a sociedade em estado de paranoia, pois muitas
pessoas passaram a temer que houvesse algum judeu em sua árvore
genealógica.
A América Latina
se tornou um destino visado por esses judeus e cristãos-novos
perseguidos. Se na Península Ibérica eles foram transformados em "bodes
expiatórios", no Novo Mundo havia outras vítimas a ser perseguidas: os índios e os negros. Portanto, no Continente Americano,
onde a perseguição já começava a assumir um viéis racial, esses judeus e
convertidos, incluídos na categoria de "brancos", encontraram um
ambiente onde eles eram menos notados e onde a agressividade estava se
voltando contra outras vítimas. Assim, no México, em 1550, em torno de 20% da população europeia era formada por convertidos. No Peru, a proporção era de dois convertidos para um cristão-velho. Em Porto Rico, havia reclamações de que comerciantes judeus estavam "ocupando a ilha". Em Cuba,
oficiais reclamavam que costumes judaicos estavam sendo ensinados aos
índios. No Brasil, o número de cristãos-novos era tão grande que, devido
à ausência de outros portugueses alfabetizados,
muitos deles ocupavam cargos oficiais, apesar de haver uma proibição
real. Para o século XVI, estima-se que cristãos-novos compunham 14% da
população "branca" em Pernambuco. Entre 1579 e 1620, 32% dos donos de engenhos de cana-de-açúcar em Pernambuco eram de origem judaica.
Pesquisadores encontraram certas peculiaridades da cultura judaica
ainda sendo praticadas na Espanha, em Portugal e no Brasil em momentos
recentes. São aspectos culturais praticados por pessoas que se dizem
cristãs e que desconhecem qualquer vínculo com o judaísmo, o que mostra
como foi grande a influência judaica, mesmo após séculos de expulsões e
conversões forçadas.
Os ciganos
Outra etnia minoritária de Portugal que se fez presente no Brasil colonial foram os ciganos. Desde o século XVI muitos ciganos foram degredados para o Brasil. Inicialmente, pessoas de etnia cigana foram degredadas ao Brasil por crimes que cometiam em Portugal, sobretudo .
Mais tarde, eles passaram a ser mandados para o Brasil pelo simples
fato de serem dessa etnia. Os ciganos eram indesejáveis em Portugal, e a
Coroa os degredava para a colônia para diminuir sua presença
indesejável na Metrópole e transferir seu problema de integração para
lá. Em 1755, o grande número de ciganos em Salvador já preocupava e
causava incômodo nos oficiais da Câmara. Embora muitos defendessem a
expulsão dessas pessoas da região, a decisão tomada foi de “separar de
tal forma as famílias de ciganos, que não pudessem mais produzir uma
geração inútil, mal educada e perniciosíssima”, nas palavras do
procurador da Fazenda de Salvador à época. A intenção era de separar os
jovens dos adultos e mandar os de pouca idade para regiões afastadas,
onde pudessem contrair matrimônios mistos. Os ciganos já casados
deveriam ser mandados para Angola.
Os ciganos costumavam se concentrar em “ranchos”, e a política da
época consistia em tentar dispersá-los. No século XVIII, havia ciganos
espalhados por todo o Brasil. Em todos os lugares eram frequentemente
acusados dos mesmos crimes: roubo de cavalos e de escravos. Quanto às
mulheres, surgem na documentação da Inquisição
sobretudo como adivinhadoras. Tendiam a contrair matrimônio somente com
outros ciganos e com parentes colaterais, raramente tendo filhos
ilegítimos, naturais ou adulterinos. Muitos ciganos trabalhavam como
vendedores, outros eram senhores de escravos ou se ocupavam no tráfico
de escravos.
Relação com os índios
Durante o período das feitorias (1502-1534) a relação entre portugueses e índios foi, de forma geral, amistosa. Por meio do escambo,
os portugueses ofereciam aos nativos artefatos tecnológicos que
aumentaram enormemente a produção da economia tradicional indígena e, em
contrapartida, os índios se predispunham a trabalhar na derrubada e
transporte do pau-brasil
para carregar os navios portugueses. Essa parceria começou a se
deteriorar com o estabelecimento das capitanias hereditárias, vez que a
intenção da maioria dos donatários era de estabelecer plantações de
cana-de-açúcar fato que, inevitavelmente, colocou em xeque o direito dos
índios à terra.
Com o estabelecimento dos engenhos de cana, o senso de
territorialidade dos indígenas foi violado. Ademais, o plantio da cana
exigia uma grande força de trabalho, maior do que os colonos tinham
condição de suprir. A única alternativa, portanto, foi recorrer ao
trabalho indígena. Porém, como o tipo de trabalho para manter uma
plantação de cana era desconhecido dos índios e os horários rígidos eram
totalmente opostos à sua índole, as duas culturas entraram em conflito.
Os homens tupis estavam habituados a derrubar árvores, o que
facilitou sua adaptação no período das feitorias. Porém, a agricultura
era exclusiva das mulheres índias, e os homens se negavam a trabalhar na
terra. Na cultura indígena era ausente a ambição pelo bem material e os
colonos tinham pouco a oferecer em troca de seu trabalho. Em face a
essa recusa, os portugueses passaram a escravizar os índios para
trabalharem nas crescentes plantações e engenhos.
Os índios se tornaram o "grande obstáculo" à expansão portuguesa na
colônia. A resistência nativa foi violenta e revelou-se avassaladora na
metade da década de 1540. Os índios varreram a costa e destruíram as colônias da Bahia e de São
Tomé e devastaram severamente as do Espírito Santo e de Pernambuco. Porém, os indígenas estavam em desvantagem em relação aos portugueses,
que dominavam tecnologias bélicas mais avançadas. Enfim, as epidemias, a
escravatura e a ação religiosa jesuítica arruinaram a cultura das
sociedades indígenas dominadas e os sobreviventes tiveram que se
reintegrar numa sociedade colonial estruturada sob os moldes
portugueses. Tal fato, porém, resultou numa crescente população mestiça
de pais portugueses e mães indígenas, sobretudo nas regiões mais
isoladas da colônia, onde a população europeia feminina era muito
pequena.
A "pacificação" dos índios somente ocorreu no século XX com o marechal Cândido Mariano Rondon. Na Capitania de Minas Gerais somente foi possível iniciar uma
colonização mais intensiva depois da Guerra aos Botucudos ordenada por
D. João VI, que dizimou estes povos indígenas. Os jesuítas, sob o pretexto de "civilizar povos bárbaros", cristianizou muitos índios fazendo-os deixarem seus costumes (aculturação).
Imigração de transição (1700-1850)
No final do século XVII,
a imigração portuguesa no Brasil alcança cifras jamais vistas até
então. Os fatores para esse crescimento imigratório foram a descoberta
de ouro nas Minas Gerais,
o aprimoramento dos meios de transporte aquáticos e o fluxo de colonos
açorianos para o Sul. No início do século XVIII, a exploração das minas
de ouro tornou-se a principal economia da colônia. O desenvolvimento e
riqueza trazidos pelo ouro atraíram para o Brasil um grande contingente
de colonos portugueses em busca de riqueza. Nessa época, surge o mineiro, que era o colono português que enriqueceu no Brasil graças ao ouro e as pedras preciosas.
A partir do final do século XVII, o tráfego de portugueses para o Brasil pode ser mais coerentemente descrito como "emigração" do que como "colonização".
De fato, na história da emigração portuguesa, é muito difícil
distinguir quem poderia ser inscrito na categoria de "colonizadores"
daqueles cuja categoria de "emigrantes" seria mais apropriada. De um
ponto de vista lógico, emigrante é gênero e colonizador é espécie. Mais
profundamente, colonizador é o indivíduo que abandona sua pátria natal
com destino a uma colônia, em decorrência de uma iniciativa estatal ou
integrado em empresa de âmbito nacional por ela promovida. Emigrante,
por outro lado, é aquele que optou por abandonar seu país por motivos
pessoais, independentemente de solicitações oficiais e, até mesmo, em
oposição a estas (como foi no caso da corrida do ouro).
Seguindo essa linha de raciocínio, até o final do século XVII,
predominou no Brasil uma emigração colonizadora. A partir de então, com o
rush produzido pela descoberta das minas de ouro, tomou um caráter de emigração stricto sensu.
Porém, não houve a eliminação da emigração de caráter colonizador, uma
vez que colonizadores e simples emigrantes sempre coexistiram.
A corrida do ouro
O surto urbano que se deu na colônia graças à mineração fez crescer
as ofertas de emprego para os portugueses. Antes, os colonos eram quase
que exclusivamente rurais, dedicando-se ao cultivo da cana-de-açúcar,
mas agora surgiriam profissões como de pequenos comerciantes.
A maior parte da imigração foi de pessoas originárias do Minho. De início, a Coroa Portuguesa incentivou a ida de minhotos pobres para o Brasil, onde se fixaram principalmente na região de Minas Gerais e na Região Centro-Oeste do Brasil,
onde foram encontradas minas de ouro. Porém, a imigração tomou
proporções altíssimas, e a Coroa passou a controlar a ida de portugueses
para o Brasil. "Viu-se em breve tempo transplantado meio Portugal a
este empório", nas palavras de Simão Ferreira Machado em Triunfo Eucarístico, livro publicado em Lisboa em 1734.
Pela vinda em larga escala de colonos, a língua portuguesa tornou-se dominante no Brasil em meados do século XVIII, em substituição ao tupi-guarani, ou língua geral.
A notícia de que ouro havia sido achado correu a colônia. Em pouco
tempo, legiões de pessoas de diferentes partes da colônia abandonaram
suas terras e partiram para a região mineradora. A notícia também
atravessou o Atlântico e chegou a Portugal. Em pouco tempo, milhares de
portugueses atravessaram o oceano em busca de fortuna no Brasil. O surto
migratório que se deu de portugueses do Minho em direção às áreas
mineradoras da colônia foi tão intenso que Portugal teve que baixar três
leis proibindo a migração de pessoas do Noroeste português para o
Brasil, nos anos de 1709, 1711 e 1720. Em relação à lei editada em 1720,
autoridades portugueses afirmaram: "Tendo sido o mais povoado, o Minho
hoje é um estado no qual não há pessoas suficientes para cultivar a
terra ou prover para os habitantes".
A corrida do ouro praticamente despovoou vilas inteiras da região do
Douro e de Trás-os-Montes. Em 1703, o embaixador francês em Lisboa
informava ao Rei Luís XIV
que "O grande número de pessoas que vai à procura do ouro faz com que
reste menos (pessoas) para trabalhar no cultivo da terra". Milhares de
portugueses venderam tudo o que tinham para conseguir comprar uma vaga
em algum navio que partia para o Brasil. Funcionários da Coroa e
comerciantes radicados na África e na Ásia
abandonaram seus empregos e rumaram para o Brasil. Nesse período vieram
pessoas de todos os estratos sociais para o Brasil. Portugueses
miseráveis que viram essa como sendo a oportunidade de mudar de vida,
pessoas perseguidas pela justiça e pela Inquisição, assim como fidalgos a procura de fortuna e aventura. A maioria deles não tinha parentes ou amigos na colônia, tampouco recurso financeiro. Até 1693,
Minas Gerais tinha uma população não indígena quase inexistente.
Dezesseis anos depois, a população de brancos, mestiços e negros
envolvidos na mineração já chegava a 30 mil pessoas. Só de Portugal,
nesse período, saía uma média de oito a dez mil pessoas por ano em
direção ao Brasil, totalizando aproximadamente 600 mil pessoas no
decorrer de sessenta anos. Nunca antes na História da colônia houve uma
migração tão maciça.
Os colonos enfrentavam uma média de oitenta a noventa dias de viagem pelo oceano, até chegar a Salvador
ou a outra cidade costeira. De lá, tinham que penetrar o interior do
Brasil até conseguir chegar à região mineradora. O caminho até as minas
era dificílimo de ser transposto. Muitos morriam pelo caminho, de fome,
de doença, devorados por alguma fera ou envenenados por animais
peçonhentos. Aqueles que conseguiram chegar até as minas só se
preocupavam em extrair o ouro e fazer fortuna o mais rápido possível. Em decorrência, no período de 1697-1698 e 1700-1701 não havia disponibilidade de comida
na região. Os mantimentos que vinham de outras regiões da colônia não
eram suficientes para abastecer aquela crescente população. Assim, um boi que valia 10 gramas de ouro na Bahia
passou a valer 359 gramas na região mineradora. Um alqueire de milho
(equivalente a 36 litros) que em São Paulo custava 1,5 grama de ouro,
nas minas custava 143 gramas. Um pedaço de queijo ou uma galinha
tinham preço equivalente a 25 dias de trabalho. Desta forma, muitas
pessoas se viam cercadas de ouro, mas simplesmente não tinham o que
comer e acabavam morrendo de fome. O caos foi instalado e pessoas se
matavam umas às outras por um pedaço de comida. Com o passar dos anos, o
cultivo de alimentos foi estabelecido e a onda de fome foi superada.
Mas além da fome, os aventureiros tiveram que enfrentar epidemias de varíola e ataques de bandidos. Mais tarde, cresceu a animosidade entre os paulistas
(descobridores das minas) e os forasteiros, a maioria deles
portugueses, que brigavam pelo controle das lavras. Muitos conflitos daí
se originaram mas, por fim, os forasteiros acabaram vitoriosos e muitos
paulistas foram expulsos da região mineradora.
Durante esse período, cerca de mil toneladas de ouro foram retiradas
da região mineradora, sendo que do total, 800 toneladas foram
encaminhadas para a Europa. A exploração de pedras preciosas na colônia
sustentou Portugal por um longo período. A Coroa portuguesa gastou
grande parte do ouro brasileiro para viabilizar seu modo de vida luxuoso
e pomposo. O ouro brasileiro também serviu para reconstruir Lisboa após
o sismo de 1755. Mas pouco dele ficou em Portugal. A maior parte teve como destino final a Inglaterra,
pois Portugal dependia financeiramente dos ingleses. O ouro brasileiro
ajudou o nascente capitalismo europeu, pulverizando-se por toda a
Europa: só a França utilizou, no século XVIII, 86 toneladas do ouro
brasileiro para cunhar moedas.
A corrida do ouro também teve efeitos decisivos para o Brasil. De
apenas 300 mil habitantes, a colônia saltou para uma população de 3,6
milhões de pessoas em apenas cem anos, graças ao afluxo de colonos
portugueses e escravos africanos. O interior do Brasil foi povoado
graças a esse fenômeno.
A imigração de portugueses do Norte para Minas Gerais influenciou
profundamente as características sociais daquela capitania, como
escreveu o historiador Kenneth Maxwell:
"entre a minoria branca de Minas Gerais predominavam os valores e
costumes das províncias do norte português, especialmente do Minho,
Trás-os-Montes, Porto, Douro e as Beiras (...)."
Os colonos transplantaram para a região mineradora "um conjunto
particular de valores sociais e culturais que, no ambiente social e
cultural mineiro, apesar das diferenças superficiais, era muito
semelhante ao que haviam deixado para trás". O Norte de Portugal era uma
região com características sócio-econômicas que o distanciavam das
outras regiões portuguesas. No Norte de Portugal havia a predominância
de mulheres entre a população e uma grande porcentagem de casas
chefiadas por mulheres, o mesmo acontecia em Minas Gerais. No caso
português, as mulheres predominavam pois muitos homens emigravam para
outras regiões do reino ou para as colônias, sobretudo para o Brasil,
deixando as mulheres para trás, que ficavam incubidas muitas vezes de
gerir o lar. Em Minas Gerais, embora nas primeiras décadas de exploração
mineradora houve uma verdadeira escassez de mulheres, no final do
século XVIII elas já compunham a maioria da população livre mineira, a
maioria delas ex-escravas, de acordo com Donald Ramos (com base em
alguns testamentos por ele examinados), sendo em número bastante
superior às portuguesas entre a população livre mineira, pois estas
raramente emigravam. Curiosamente, as poucas portuguesas cujos matrimônios foram registrados na Paróquia de Antonio Dias, em Minas, eram sobretudo açorianas, e não nortenhas como a maioria dos homens. Em 1807, o escritor Ramalho Ortigão registrou que "Os Açores são a parte do país que exporta maior número de mulheres".
Também cristãos novos estiveram presentes na corrida do ouro.
Naturalidade dos testadores na Comarca do Rio das Velhas, Minas Gerais (século XVIII) | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Ilhas | Outros Reinos | Alentejo | Minho | Estremadura | Algarve | Trás-os-Montes | Beiras | Não identificado | ||
10,39% | 0,47% | 0,47% | 66,93% | 5,98% | 0,15% | 5,59% | 5,82% | 4,17% |
Tanto o Norte português quanto Minas Gerais apresentavam "predominância
demográfica de mulheres livres, uma grande proporção de famílias
chefiadas por mulheres, baixas taxas de casamento, idade de se casar
mais tardia que o esperado, uma tendência entre as mulheres solteiras de
estabelecerem em domicílios independentes, altas taxas de ilegitimidade
e abandono infantil e baixas proporções de famílias nucleares
sacramentadas pelo matrimônio". Essas características aproximavam a
capitania de Minas Gerais do Norte de Portugal que, por sua vez, se
distanciava do resto do país. Como observou o historiador Antônio Augusto de Lima Júnior,
"ao contrário do que se verificou em outras partes do Brasil, nas Minas
Gerais se constatou o fenômeno de uma integral transplantação do
espírito e da civilização portuguesa” pois, apesar da miscigenação
generalizada entre homens portugueses e mulheres africanas que se deu na
capitania mineira, os mestiços acabavam adotando a língua, os costumes,
a religião e a mentalidade do pai português.
Em Minas Gerais, no início de sua construção, a carestia de vida era
enorme. Antonil em "Cultura do Brasil por suas drogas e minas" conta que
especialmente difícil para os portugueses de Minas Gerais era o preço
elevado dos negros
usados na mineração do ouro. Antonil registrou em Minas Gerais preços
de escravos de mesma idade e qualidade como sendo o dobro dos preços
praticados em na Capitania de São Vicente e na Capitania de Itanhaém (Taubaté).
Colonização açoriana e madeirense
A localização das Ilhas dos Açores no Atlântico |
Outro fator importante na imigração portuguesa durante o século XVII e o século XVIII foi a imigração açoriana e madeirense para a Região Norte, a Região Nordeste e a Região Sul do Brasil.
Imigração para o Maranhão, o Pará e o Amapá
Havia preocupação em garantir o controle do território, daí a
política em promover a colonização, com casais, nas regiões de
fronteira. A ocupação do território era vista como fundamental. Em 1619,
cerca de 300 casais chegaram ao Maranhão, sendo que o número total de
pessoas girava em torno de mil pessoas, número significativo para a
época. Famílias açorianas também foram assentadas no Pará,
sendo exemplo disso as 50 famílias (por volta de 219 pessoas) que
embarcaram no dia 29 de março de 1677, no barco "Jesus, Maria e José",
em Horta, Ilha do Faial. A região do Maranhão é considerada a primeira a receber colonos ilhéus de forma organizada. Além dos casais iniciais, vindos com Estácio da Silveira
em 1619, outros se seguiram: em 1621 chegaram 40 casais com Antonio
Ferreira de Bettencourt e Jorge de Lemos Bettencourt; em 1625 chegaram
outros casais com Francisco Coelho de Carvalho; nos navios N. S. da
Palma e São Rafael, tendo como capitão Manoel do Vale, chegaram 50
casais em 1676; e nos navios N. S. da Penha de França e São Francisco
Xavier vieram mais colonos. Em 1620, Manoel Correa de Melo introduziu 200 casais no Pará. Em 1676, 50 açorianos com 234 pessoas de ambos os sexos desembarcaram em Belém, provenientes de Feiteira, na ilha do Faial.
Em 1751 a povoação de Macapá recebia ilhéus e recomendava-se ao capitão
do navio um trato especial com os povoadores, "a maior parte são
mulheres, crianças e velhos".
Imigração para o sul
Essa imigração de portugueses das ilhas para o litoral sulista foi
bem menos significativa numericamente do que a migração de minhotos e
outros portugueses do Norte para a região mineradora. Todavia, o impacto
demográfico que esses colonos das ilhas tiveram no litoral do Sul do
Brasil foi enorme. Entre 1748 e 1756, cerca de 6 mil ilhéus chegaram ao
litoral de Santa Catarina,
sendo que a população local era de apenas 5 mil pessoas. Santa Catarina
recebeu 4.612 pessoas em 1748, 1.666 em 1749, 860 em 1750 e 679 em
1753. Outros tantos rumaram para o Rio Grande do Sul. Esses colonos portugueses se fixaram ao longo do litoral, onde fundaram pequenas vilas e lugarejos, vivendo da produção de trigo e da pesca.
Essa imigração promovida pela Coroa foi uma estratégia de ocupação do
Sul da colônia, visando expandir o território para além dos limites
impostos pelo Tratado de Tordesilhas.
Mas, ao contrário do esperado, esses colonos não penetratam o interior,
e acabaram por se fixar ao longo do litoral. Diferente dos outros
portugueses no resto da colônia, que estavam engajados na produção
voltada para o comércio exterior, os ilhéus desenvolveram uma produção
agrícola em regime de pequenas propriedades, com o uso de mão-de-obra
familiar.
Para convencer esses ilhéus a imigrarem para o Brasil, o governo
português ofereceu, principalmente para casais açorianos e para um
número menor de madeirenses, diversas regalias: glebas de terras
demarcadas como propriedade para cada casal e, quando chegassem às
terras, receberiam mantimentos, espingarda e munição, instrumentos de
trabalho, sementes para cultivo, duas vacas e uma égua e sustento
alimentar para o primeiro ano. Tanto os Açores como a Madeira eram
regiões paupérrimas de Portugal, onde a população vivia afundada na
miséria.
Em 1751, o governador Manuel Saldanha da Gama escreve: "Nalguns portos
da Ilha, o povo só se alimentava de raízes, flor de giesta e frutos". Portanto, a transferência para o Brasil com tantas regalias pareceu uma
oportunidade tentadora e irrecusável. Porém, do ponto de vista
econômico, a colonização açoriana foi um fracasso. Isolados em pequenos
nichos populacionais ao longo do litoral, completamente despreparados
para desenvolver o trabalho agrícola em terra desconhecida e sem mercado
consumidor para seus produtos, só restou aos ilhéus desenvolver uma
lavoura de subsistência. Aprenderam os usos da terra com as populações
que já viviam na região antes de sua chegada, ajustando-se a um modo de
vida mais indígena que açoriano, substituindo sua alimentação original
por alimentos nativos, como a mandioca.
Atualmente, é difícil distinguir peculiaridades dos Açores nessas
regiões de colonização açoriana. Seu modo de vida é essencialmente o
mesmo das populações caipiras
encontradas em outras regiões do Brasil. Mesmo o artesanato da região é
essencialmente o mesmo do encontrado em outras partes do País.
Os descendentes desses açorianos e madeirenses radicados na Ilha de Santa Catarina
permaneceram por quase dois séculos de certa forma isolados do que
acontecia no resto do Brasil, vivendo basicamente da agricultura de
subsistência. Só a partir da década de 1970 que estradas foram abertas e asfaltadas, interligando essas vilas, que atualmente é uma região turística.
Ainda hoje, devido à influência açoriana, o jeito de falar das pessoas da região de Florianópolis é bastante peculiar quando comparado aos outros brasileiros.
O impacto da imigração açoriana para o Sul do Brasil foi tão forte
que em 1780 os açorianos respondiam por 55% de toda a população da
capitania do Rio Grande do Sul.
A fecundidade dos casais açorianos era enorme. Raro era o casal que não
contava mais de seis filhos. Alguns, como a de um Lopes, atingiram a
fabulosa cifra de vinte e um filhos; o de um Manuel Jacintho, a de
trinta filhos, sendo quinze de cada uma das mulheres com quem foi
casado.
Transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em março de 1808
No início do século XIX, em decorrência da invasão das tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte, transferiram-se para o Estado do Brasil, uma colônia do Império Português, a família real e a maioria da nobreza portuguesa. A maioria dos nobres e demais servos (aproximadamente 15 mil pessoas), chegaram ao Rio de Janeiro a 07 de março de 1808 e fixaram-se na mesma, entre 1808 e 1822.
Os portugueses na sociedade colonial
O colono português reproduziu no Brasil a sociedade estamental da
qual provinha, mas adaptando-se às novas condições. Para a colônia
trouxe seus valores, sua organização jurídica hierarquizada, suas regras
familiares, patrimoniais e obrigacionais. No Brasil havia a sensação da
liberdade oferecida pelo Novo Mundo, onde as estratificações sociais
seriam mais frouxas, a mobilidade mais fácil e a presença do Estado mais
tênue. Ao mesmo tempo, havia a moralidade repressora do catolicismo
ibérico. Para Gilberto Freyre,
o português se adaptou facilmente aos trópicos devido à dualidade de
ser Portugal um país "bicontinental" entre a Europa e a África, somada à
influência muçulmana, que o teria tornado mais propenso à miscigenação.
Essa explicação estava moldada de subjetivismo,
pois o fenômeno da miscigenação nas colônias não era algo exclusivo dos
portugueses, mas de todos os colonizadores europeus de modo geral ao se
defrontarem com a escassez de mulheres brancas. Na África do Sul os colonos ingleses também geraram uma ampla população mestiça (coloured),
uma vez inicialmente escassa a presença de mulheres europeias, mesmo
ausentes qualquer influência muçulmana na sua cultura ou uma suposta
"bipolaridade" continental inglesa. A adaptação do português na colônia e seu processo de miscigenação se
deve ao caráter aventureiro de uma migração a um lugar remoto e
desconhecido (o que desestimulava a migração familiar), a ambição do
enriquecimento rápido e o consequente retorno a Portugal e, como
consequência, a escassez de mulheres portuguesas na colônia.
Os portugueses ocupavam o topo da pirâmide social no período
colonial. Ser nascido em Portugal era a norma no século XVI e XVII da
elite, mas não algo obrigatório. Mais do que ser português nato, era
necessário comprovar a "pureza de sangue" (ausência de antepassados
judeus, mouros, índios e negros), até certo número de gerações, além de
estudos em Portugal, geralmente na Universidade de Coimbra.
A "nobreza" colonial era composta pelos senhores de engenho e pelos
"homens bons" das câmaras municipais. No segmento superior da sociedade
figuravam os proprietários rurais, os grandes comerciantes do litoral,
os mineradores enriquecidos e a alta burocracia. Os proprietários rurais
eram os senhores de engenho, proprietários de fazendas canavieiras,
pecuaristas nordestinos e gaúchos, latifundiários que se autoproclamavam
a "nobreza da terra", sobretudo os primeiros. Os grandes comerciantes
do litoral, discriminados pela aristocracia da terra, eram quase sempre
impedidos de exercer cargos públicos, só adquirindo um status elevado
após o período pombalino em Portugal. No século XVIII surgiu o novo
grupo social, composto pelos mineradores de ouro e diamantes,
responsáveis pela edificação das cidades barrocas de Minas Gerais.
Por fim, a alta burocracia colonial, composta de administradores
(governadores, secretários, juízes, ouvidores, desembargadores,
militares graduados, técnicos fazendários e autoridades eclesiáticas,
como bispos e arcebispos).
Também havia portugueses no setor intermediário da sociedade
colonial. Esse setor não chegava a compor uma classe média, como nos
países de economia industrial, mas uma classe heterogênea que conseguia
escapar da dicotomia "senhor-escravo". Na região açucareira, era
composta pelos lavradores de cana menos abastados e os assalariados do
engenho. Nas regiões pecuaristas, os vaqueiros que conseguiam criar gado
suficiente para estabelecer a sua própria criação. Em São Vicente (São
Paulo), o pequeno proprietário que, no contexto da pobreza daquela
região, possuía alguns recursos e se infiltrava até mesmo dentro da
aristocracia local. Sem dúvida foi a região mineradora a que mais
propiciou o crescimento desse setor intermediário, uma vez que o caráter
urbano daquela sociedade aumentava as oportunidades, como para
comerciantes e tropeiros.
Na base da pirâmide social estavam os homens livres pobres (brancos,
mamelucos, mulatos, libertos), os indígenas e os escravos (negros e
índios). Dentro desse grupo estavam os vaqueiros das áreas pecuaristas
(ao longo do rio São Francisco,
partes do Nordeste e do Sul), que exerciam sobretudo a lavoura de
subsistência. Também poderiam estar numa área de semimarginalidade: prostitutas,
vadios, capangas e marginais propriamente ditos. O grupo mais numeroso
era dos escravos, tanto africanos como indígenas, dos quais a sociedade
era extremamente dependente. O jesuíta André João Antonil
escreveu que os escravos eram "os pés e mãos dos senhores de engenho",
frase esta que poderia ser estendida aos outros setores da economia.
Havia um grande desprestígio pelo trabalho manual e uma generalizada
visão do escravo como um objeto, fazendo com que as pessoas, assim que
conseguissem juntar algum dinheiro, adquirissem um escravo. O prestígio
social era medido pelo número de escravos que determinada pessoa tinha.
Após a independência, paulatinamente foi crescendo a migração de
portugueses pobres para o Brasil, passando a dominar a fonte de saídas a
partir do final do século XIX e no século XX. Esses imigrantes
portugueses vinham para substituir os ex-escravos nos seus antigos
ofícios, sobretudo após 1850, quando o tráfico de escravos foi abolido no Brasil.
Imigração após a Independência
A imigração portuguesa para o Brasil, depois da independência, é
frequentemente ignorada pela historiografia. Até 1992, não havia sido
publicado nenhum trabalho sobre a imigração lusa ocorrida entre 1822 e
meados do século XIX. Porém, os portugueses continuaram a ir para o
Brasil por um longo tempo após a independência. Vários estudos são
publicados sobre os imigrantes italianos, alemães ou japoneses, mas os
portugueses são um grupo mais ignorado.
Após a independência do Brasil do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1822, e a consequente proclamação do Império do Brasil,
os portugueses residentes no novo país foram considerados brasileiros
originários, ou seja, não teriam que se naturalizar, já que nunca haviam
sido estrangeiros no Brasil. Esse dispositivo constou da constituição do Império do Brasil de 1824, mas havia sido proposto e aceito pela Assembleia Constituinte de 1823, antes de sua dissolução pelo imperador Dom Pedro I.
Mesmo durante as crises de antilusitanismo que ocorreram em diversos
momentos e regiões do país após a Independência, os portugueses nunca
deixaram de aportar no Brasil como imigrantes. Com o fim do tráfico de
escravos em 1850, acentuou-se a carência de mão-de-obra, principalmente
na região centro-sul (províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais), onde se verificava a expansão das plantações de café. O governo brasileiro começou um processo de substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho assalariado de imigrantes europeus.
Primeira metade do século XIX
Há poucos documentos referentes à imigração portuguesa para o Brasil
entre 1822 e 1850, o que levou muitos historiadores a ignorar esse
período menos documentado, o que não quer dizer que não houve um
substancial deslocamento de lusos no período posterior à independência.
Apesar da inconsistência dos dados, uma vez que, nessa época, muitos
imigrantes chegavam e não eram registrados, pode ser calculado que
26.785 portugueses entraram no Rio de Janeiro entre 1826 e 1850. O
representante do governo português no Rio, Idelfonso Leopoldo Bayard,
afirmou que a demanda por trabalhadores portugueses era tão grande que
qualquer imigrante encontrava emprego em menos de oito dias após a
chegada. Muitos dos que chegavam não portavam passaporte, normalmente
pessoas sem recurso que viajavam com algum tipo de subsídio de capitães
de navio, que lucravam com o transporte de imigrantes. Estes eram
aliciados como trabalhadores endividados, uma vez que qualquer um que
pudesse pagar o valor da passagem adquiria esse trabalhador, que lhe
ficava devendo até que conseguisse saldar a dívida. O representante da
Legação Portuguesa no Rio de Janeiro anotou que "em todos os navios
provenientes do Porto e dos Açores se exportam para aqui duzentas e mais
pessoas tanto dum como d'outro sexo com as quais se trafica a sua
chegada como se fossem africanos". Era a denominada "escravidão branca",
denunciada na época devido às condições péssimas a que eram submetidos
esses imigrantes.
Aliciados principalmente nas Ilhas dos Açores, esses trabalhadores
agrícolas eram mandados para fazendas de café para trabalhar sob o
sistema de parceria. Esse sistema foi usado no interior da província de
São Paulo, onde colonos suíços e alemães já estavam engajados como
trabalhadores. Porém, em 1857, uma rebelião contra a exploração nas
fazendas, ocorrida em Ibicaba, liderada pelo imigrante suíço-alemão
Thomas Davatz, repercutiu na Europa Central,
o que estimulou a adoção de medidas restritivas dos Estados Alemães e
da França contra a vinda de mais imigrantes para o Brasil. O governo
português, porém, era frequentemente acusado de tratar com "indiferença"
as notícias e reclamações de exploração de cidadãos portugueses em
fazendas de café. Os açorianos não foram escravizados no Brasil, mas o
convívio de assalariados com escravos tornou inevitável a associação
entre escravidão e as precárias condições a que eram submetidos esses
imigrantes.
A imigração portuguesa para o Brasil, na primeira metade do século
XIX, foi bastante reduzida, quando comparada àquela ocorrida no século
anterior, devido à expansão da economia mineradora, e à imigração em
massa que aconteceria após 1850. Porém, foi notável a presença de jovens
caixeiros, filhos segundos ou terceiros de lavradores mais abastados do
Minho, que eram mandados para a Bahia ou para o Rio de Janeiro,
empregando-se em casas comerciais de compatriotas, que controlavam o
comércio brasileiro. Esses caixeiros portugueses, que dificilmente se
assemelhavam ao elemento colonizador de outrora, acabaram sofrendo com o
discurso antilusitano que viria a crescer após a independência.
Segunda metade do século XIX
Em meados do século XIX, houve um crescimento demográfico em Portugal
e um número cada vez maior de camponeses não encontrava trabalho. Ao
mesmo tempo, os mitos de fortuna fácil no Brasil, resquícios do período
colonial, ainda persistiam nas regiões agrárias de Portugal, fatores que
estimularam uma crescente imigração. Nas décadas de 1830 e 1840, a
classe política em ascensão, composta por proprietários de fazendas de
café, não estimularam a imigração. Pelo contrário, o Império brasileiro
ainda apostou no trabalho escravo nas décadas seguintes. Em
consequência, a entrada de escravos africanos no Brasil atingiu seu
ápice, com médias anuais entre 40 e 50 mil indivíduos. Até o começo da
década de 1840, a vinda de imigrantes para o Brasil se limitou a
iniciativas pontuais de introdução de colonos nas províncias do Sul,
onde os portugueses foram excluídos; ao desembarque de agricultores
contratados para trabalharem nas fazendas de café em Minas Gerais, São
Paulo e Rio de Janeiro e à imigração espontânea de estrangeiros para
cidades portuários, onde os portugueses formavam o grupo estrangeiro
mais numeroso.
A Lei de Terras,
de 1850, teve grande influência nas características que iria assumir a
imigração portuguesa no Brasil. Essa lei determinou que a única forma de
acesso à terra seria por meio da compra e não da simples posse, como
ocorria desde os tempos coloniais. A consequência imediata foi que os
imigrantes recém-chegados passaram a ter grande dificuldade quanto ao
acesso à propriedade rural. A Lei de Terras constituiu um grande
obstáculo ao desenvolvimento da pequena propriedade agrícola no Brasil
do século XIX, impedindo a democratização do solo. A lei, portanto,
favoreceu a persistência do sistema do latifúndio,
ao invés da pequena propriedade. Em 1850, o tráfico de escravos também
foi abolido no Brasil, o que diminuiu drasticamente as ofertas de mão de
obra nas lavouras de café. Ao mesmo tempo, a imigração europeia estava
estagnada, pois o Brasil tinha dificuldades em atrair imigrantes, uma
vez que as péssimas condições que encontravam os estrangeiros no país
repercutiam nos portos de origem, desestimulando novas migrações. Em
1855, numa sessão de abertura do Parlamento do Império, o imperador D.
Pedro II chegou a dizer que o futuro do Brasil dependia "essencialmente
da colonização estrangeira". Porém, três anos depois, o imperador
admitia que "a colonização tem sofrido tropeços". Nos portos da Europa
assistia-se à partida em massa de europeus para os Estados Unidos,
país que facilitava o acesso à terra por parte dos estrangeiros,
enquanto a imigração para o Brasil minguava, sendo que os portugueses
eram os únicos imigrantes que chegavam em quantidades apreciáveis.
A Lei de Terras foi um marco, uma vez que empurrou o fluxo migratório
português em direção às cidades brasileiras. Mesmo aqueles camponeses
que chegavam com o intuito de se tornarem agricultores, logo após o
desembarque desistiam e partiam para as vilas e centros urbanos. Apesar
disso, o engajamento de açorianos e portugueses do continente para
trabalharem nas plantações de café continuou. O sistema de parceria se
arruinou, sobretudo após a rebelião dos colonos suíços e alemães na
década de 1850. Ele foi substituído pelo enganchamento, no qual o
imigrante se comprometia a trabalhar para o fazendeiro por um período de
tempo, em média de um a dois anos, em troca do valor da passagem de
navio paga por ele. Depois, estava livre para trabalhar no que quisesse.
Esse sistema, embora mais vantajoso que a parceria, também recebia
reclamações de equiparação ao elemento servil.
O enganchamento, originalmente usado na lavoura cafeeira, foi
exportado para as ocupações citadinas e se expandiu na fase de declínio
da escravatura. Assim, os portugueses passaram a exercer serviços
subalternos ou domésticos, antes exercidos pelos escravos de ganho,
embora também houvesse portugueses em posições de destaque e prestígio,
sendo muito diversas suas áreas de atuação. A partir da década de 1870,
se verifica uma crescente presença portuguesa além da histórica
imigração para o Rio de Janeiro. Núcleos portugueses passaram a se
formar em pequenas localidades no Oeste de São Paulo e no Sul de Minas
Gerais, em cidades e vilarejos que cresciam com a expansão da economia
do café, assim como nos centros urbanos no Norte, onde havia uma
importante comunidade de comerciantes lusos. No Sul do Brasil, que
assistia à expansão de colônias agrícolas a partir dos anos 1870, os
portugueses não se fizeram presentes, pois os núcleos coloniais quase
sempre eram destinados a alemães, italianos e a outros europeus.
A imigração portuguesa para o Brasil cresceu no fim do Império e
ganhou fôlego com a Abolição da Escravatura (1888). Neste ano entraram
no Brasil 132 mil estrangeiros, na maioria italianos, e foi o marco
inicial do período que grandes levas de imigrantes desembarcaram nos
portos brasileiros. A média anual de entradas de portugueses ficou em 20
mil indivíduos até 1898. O crescente fluxo migratório português foi um
reflexo da instabilidade política e econômica em Portugal. O destino
principal continuou a ser o Rio de Janeiro, seguido por São Paulo, que
enriquecia devido à produção cafeeira. Minas Gerais, que também
enriquecia com o café e Pará e Amazonas, que estavam no auge da
exploração da borracha, apareciam como destinos secundários, mas
importantes.
Entre 1888 e 1898 entraram no Brasil quase 1,4 milhão de imigrantes,
sendo os italianos os mais numerosos, com quase 800 mil indivíduos, ou
59,6% do total. Em seguida, apareciam os portugueses, com quase 242 mil
indivíduos, ou 18%. Com a entrada do século XX, os portugueses passaram
os italianos e se tornaram, novamente, o grupo imigrante que mais
desembarcou no Brasil.
Primeira metade do século XX
No começo do século XX, o Brasil continuou a receber grandes levas de
imigrantes, com destaque para três grupos: portugueses, italianos e
espanhóis. A imigração italiana, porém, sofreu uma grande queda, o que
abriu espaço para os portugueses. De fato, do início do século até a
eclosão da I Guerra Mundial,
a imigração portuguesa no Brasil alcançou seu ápice histórico. Nunca
antes em quatrocentos anos de História chegaram tantos portugueses ao
Brasil. Entre 1904 e 1915 entraram no Brasil 427.725 imigrantes
portugueses, sendo que 200 mil entraram somente nos três anos
antecedentes ao início da guerra. A superprodução do café em 1906 forçou
o governo brasileiro a comprar as safras excedentes e a queimá-las, o
que provocou a queda no valor do produto e a uma crise. Isso empurrou de
novo a imigração portuguesa para os centros urbanos, reforçando a sua
presença citadina.
Após a I Guerra Mundial, iniciou-se um novo período de forte atração
imigratória, com picos entre 1926 e 1929, quando foram registradas
entradas médias anuais de 38 mil portugueses no Brasil. Entre 1919 e
1930 entraram no Brasil 337.723 portugueses, 35,7% dos imigrantes, bem a
frente do segundo lugar, os italianos, com 116.211 imigrantes, ou
12,3%. A partir de 1930, o governo brasileiro passou a dar preferência
ao trabalhador nacional e iniciou diversas medidas para diminuir o fluxo
migratório. O governo de Getúlio Vargas
era marcadamente nacionalista. Em 12 de dezembro de 1930, um mês após
assumir o governo, Vargas suspendeu por um ano a concessão de vistos
para passageiros de terceira classe no Brasil, sendo que quase todos os
imigrantes eram passageiros dessa classe. A posterior lei de cotas foi a
medida mais dura para o controle de imigrantes.
Características
A partir da metade do século XIX,
a imigração portuguesa no Brasil tomou caráter quase que exclusivamente
urbano. O perfil do imigrante português também se alterou: antes, a
maioria era composta por homens solteiros. A partir do final do século
XIX, as mulheres portuguesas também chegaram ao Brasil em número
expressivo. As crianças menores de 14 anos eram 20% dos imigrantes. A
situação econômica também se alterou. Na época colonial, alguns
portugueses ricos e até nobres migraram ao Brasil (embora a maioria
fosse de camponeses desprovidos de recursos). No final do século XIX, os
que chegaram eram extremamente pobres e sem escolaridade, vindos de
aldeias do interior de Portugal.
Após a independência, os estados do Rio de Janeiro (sobretudo a
capital) e de São Paulo (sobretudo o interior, mas também a capital)
receberam a maioria dos imigrantes portugueses que foram para o Brasil.
Isto porque eram as regiões de economia mais dinâmica do País,
concentrando as ofertas de trabalho. Mas a imigração para esses dois
estados teve características particulares. Para o Rio, foi direcionada
uma imigração portuguesa espontânea, predominantemente masculina,
concentrada na capital do estado. Ali, os portugueses disputavam as
vagas de trabalho lado a lado com negros e pardos,
ou seja, se inseriam no mercado de trabalho de forma similar aos
brasileiros, recebendo salários aviltados e se submetendo a longas
jornadas de trabalho. Para o estado de São Paulo, por outro lado, foi
direcionada uma imigração portuguesa parcialmente subsidiada pelo
governo e mais familiar (com expressiva participação feminina).
Passaporte de um imigrante português de 1927 |
Uma expressiva parcela dessa população era oriunda de regiões interioranas do norte de Portugal, notadamente entre Beira Alta e Alto Trás-os-Montes e eram, em sua maioria, extremamente pobres, majoritariamente homens sozinhos, embora grupos familiares com grande número de mulheres e crianças não fossem raros. Ao chegarem ao Brasil, procuravam parentes ou se instalavam em pequenos cortiços. A maior parte desses imigrantes se dedicou ao comércio: pequenas vendas e padarias,
chegando ao ponto de dominarem essas duas atividades em várias regiões
do Brasil. Outros, tornaram-se operários nas nascentes indústrias
brasileiras.
No Rio de Janeiro
A imigração portuguesa após a independência teve como destino
especial a cidade do Rio de Janeiro. O censo brasileiro de 1920 mostrou
que, dos 433.577 portugueses residentes no Brasil, 172.338 residiam
nessa cidade, 39,74% do total. Incluindo todo o estado do Rio de
Janeiro, essa taxa subia para 46,3% dos lusitanos que viviam no Brasil. A
presença numérica portuguesa era altíssima, uma vez que constituíam 72%
de todos os estrangeiros residentes na capital.As pesquisas censitárias mais antigas também já atestavam a forte
presença portuguesa na região. No ano de 1890, imigrantes portugueses
compunham 20,36% da população da cidade do Rio de Janeiro (106.461
pessoas). Brasileiros filhos de pai ou mãe portugueses compunham 30,84%
da população carioca (161.203 pessoas). Ou seja, portugueses natos ou
seus filhos perfaziam, naquele ano, 51,2% dos habitantes do Rio, um
total de 267 664 pessoas.
Os imigrantes portugueses figuravam no estrato mais baixo da sociedade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, ao lado de negros e mulatos. Os portugueses e os negros habitavam o mesmo espaço geográfico, frequentemente dividindo o mesmo cortiço e compartilhavam da vivência na cidade.
Havia uma proximidade social, econômica e até cultural entre os dois
grupos. O processo de abolição da escravatura no Brasil e a consequente
falta de mão-de-obra compeliu o governo da época a estimular a vinda de
imigrantes europeus, que frequentemente enfrentavam, no Brasil, situação
semelhante de degradação social como aquela enfrentada pelos escravos.
No caso da imigração portuguesa para o Rio de Janeiro, ela se
intensificou quando o tráfico negreiro ainda estava em pleno
funcionamento. Tratava-se, sobretudo, de uma imigração de jovens
açorianos com idade entre 13 e 17 anos (a mesma média de idade dos
escravos trazidos da África). Na época, havia denúncias de que os navios negreiros também eram usados
para trazer esses jovens portugueses para o Brasil, que eram chamados
de engajados. Os jovens assinavam um contrato com o capitão do
navio no qual, em troca da passagem de navio, se comprometiam a
trabalhar para algum senhor no Brasil. O capitão do navio vendia o passe
desses portugueses para o senhor, no valor da passagem e, ao pagar, o
último adquiria esse trabalhador. Os engajados tinham que pagar a soma
do valor da passagem através de trabalho gratuito, cujo tempo era
estipulado pelo próprio senhor, muitas vezes chegando a três ou cinco
anos. Os imigrantes que se evadissem das terras antes do término do
contrato eram tidos como "fugidos". Todas essas características
aproximavam os imigrantes portugueses da condição social dos escravos no
Brasil.
As péssimas condições a que eram submetidos esses imigrantes
portugueses no Brasil se refletiam nas estatísticas. Entre 1850 e 1872, a
maioria dos adolescentes portugueses que desembarcavam no Rio de
Janeiro morriam três anos após a chegada ao Brasil, vítimas de febre amarela,
das más condições de moradia e das jornadas exaustivas de trabalho. Era
a denominada "escravidão branca", denunciada pela imprensa da época. A maioria dos imigrantes portugueses na cidade eram adolescentes e jovens do sexo masculino, analfabetos,
oriundos de zonas rurais de Portugal, completamente despreparados para
enfrentar a vida numa metrópole do porte do Rio de Janeiro. Os
portugueses habitavam as zonas mais precárias da cidade, tanto que no
censo realizado em 1856,
51,9% dos moradores de cortiços da Corte eram de nacionalidade
portuguesa. Os portugueses competiam com a população negra pelo mercado
de trabalho. De fato, estavam inseridos num processo de substituição da
mão-de-obra escrava, em um momento em que ela se tornava cada vez mais
escassa e cara. Quintandeiro, condutor de bonde, carregador, vendedor de
doces, ocupações estas antes associadas ao trabalho escravo, passaram a
ser exercidas pelos portugueses na virada do século XIX. Em um ambiente
de pobreza e despreparo, os portugueses despontavam como a
nacionalidade que mais praticava crimes na cidade do Rio de Janeiro, superando inclusive os próprios brasileiros no período de 1859 a 1864, com destaque para os roubos, assaltos, arrombamentos etc.
Já entre 1915 e 1918, 32% dos homens condenados por crimes na cidade
eram portugueses, número alto, haja vista que somente 15% da população
do Rio era portuguesa. Todavia, a inserção de imigrantes europeus no
mundo do crime no Brasil não era fato exclusivo dos portugueses. Em São
Paulo, no mesmo período, os italianos eram a nacionalidade que mais
praticava crimes.
No Rio de Janeiro, o imigrante português não distoava do resto da
população, do ponto de vista educacional, social ou econômico. Em 1906,
48% dos habitantes do Rio eram analfabetos, e 44,3% dos imigrantes
portugueses também o eram. Deu-se, portanto, rapidamente a assimilação
do elemento luso no Rio de Janeiro, sobretudo dentro das camadas mais
humildes da sociedade. Embora mantivessem sentimento de solidariedade,
por meio da criação de associações portuguesas, isso nunca obstou o
processo de assimilação dos portugueses no ambiente social brasileiro. Tampouco os sentimentos de antilusitanismo e xenofobia que às vezes emergiam contra os portugueses no Brasil, por meio de estereótipos negativos que lhes eram imputados.
Porém, não era só na pobreza que viviam os imigrantes portugueses no
Brasil. Havia uma antiga e bem-sucedida comunidade de trabalhadores
especializados oriundos de Portugal, que se dedicavam especialmente ao comércio.
Estes imigrantes passaram a dominar o comércio retalhista de todas as
grandes cidades brasileiras. Assim, uma pesquisa sobre estabelecimentos
comerciais no Brasil em 1856-1857 mostrou que os brasileiros eram
proprietários de apenas 44% dos estabelecimentos, e os portugueses de
35%.
Apesar de todos os problemas sócio-econômicos enfrentados pelos
imigrantes, o Brasil continuava a ser a terra de destino preferencial
dos portugueses mesmo após a independência. Embora existissem destinos
imigratórios mais tentadores, como os Estados Unidos e a Argentina,
que ofereciam melhores salários e melhores condições de trabalho do que
o Brasil, foi para este último que o fluxo migratório lusitano se
concentrou. Por falarem a mesma língua, pelos laços históricos e por
oferecer salários mais elevados e melhores perspectivas econômicas do
que Portugal, além de já haver uma comunidade comercial lusa bem
estabelecida. Assim, dos 1.306.501 portugueses que emigraram entre 1855 e
1914, 78% eram originários do continente. Deste total, 82% foram para o
Brasil, 2% para a Argentina e 15% para os Estados Unidos. O ápice se
deu entre 1891 e 1911, quando o Brasil atraiu 93% dos portugueses que
emigraram. Para concorrer com a Argentina e os Estados Unidos, o Brasil inovava ao
oferecer o pagamento da passagem de navio dos europeus. Embora os
portugueses também se beneficiassem dessa imigração subsidiada pelo
governo brasileiro, a maioria dos portugueses imigravam para o Brasil
por conta própria, sem esse auxílio governamental, ao contrário dos
italianos, por exemplo. O Brasil foi o principal destino da emigração
portuguesa até a década de 1960, quando outros países europeus, em especial a França, passaram a ser destinos preferenciais.
“O português pobre, ao desembarcar nos portos brasileiros, veste polaina de saragoça, (…) e calção, colete de baetão encarnado com seus corações e meia (…) geralmente desembarca dos navios com um pau às costas, duas réstias de cebolas, e outras tantas de alhos… e … uma trouxinha de pano de linho debaixo do braço. Eram minhotos que, para sobreviver, dormiam na rua e procuravam ajuda de instituições de caridade. ” | |
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Em São Paulo
Prédio da Casa de Portugal, associação de imigrantes portugueses da cidade de São Paulo. |
Até as últimas décadas do século XIX, a maioria dos imigrantes que se
dirigiam para a província de São Paulo eram portugueses. Com a lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico negreiro para o Brasil, os fazendeiros passam a procurar uma alternativa ao trabalho escravo, mesmo que ainda de modo tímido. Em 1855, segundo José Joaquim Machado de Oliveira, encarregado de obter as estatísticas da província
na época, havia pelo menos 625 colonos portugueses espalhados por 15
das 31 colônias de estrangeiros existentes nas fazendas paulistas do
período. Nestas colônias de parceria, a maioria vivia ao lado de outros
colonos (alemães, suíços etc.), porém havia algumas exclusivamente compostas por portugueses: Em Campinas, a Colônia dos Dores, com 37, e a da fazenda de Antonio Rodrigues Barboza, com 22; Em Taubaté, as colônias Independência e Paraizo, contando juntas 204 colonos; Em Araraquara, a colônia de Pouso Alegre do José, com 44 pessoas; e, por fim, em Rio Claro, a colônia da fazenda de Domingos José da Costa Alves, com 54.
No Censo de 1872, foram contados 6.399 portugueses na província de São Paulo, 21,6% do total (incluindo africanos livres e escravos). Contabilizando apenas os imigrantes que vieram ao país por livre
vontade, este número subia para 44,6% do total. Os municípios com maior
quantidade de portugueses eram São Paulo (999), Campinas (770), Bananal (683), Mogi Mirim (340), Limeira (323), Rio Claro (256), Guaratinguetá (186), Itapetininga (182), Sorocaba (170) e Amparo (163).Outros municípios com mais de uma centena de portugueses incluem Paraibuna, Jundiaí, Cruzeiro, Queluz, São Roque e Taubaté.
Em 1886, a Comissão Central de Estatística recenseou a população da
província. Entretanto, a parte do censo contendo o número de imigrantes
se acha parcial, pois vários municípios importantes, como Campinas, Sorocaba e Itu,
não preencheram as fichas sobre este tema ou o fizeram de modo
insatisfatório. Mesmo assim, percebe-se, pelos municípios que entregaram
seus dados, que a imigração portuguesa vinha aumentando, ao se comparar
com o censo de 1872: o número destes imigrantes havia aumentado para
pelo menos 10.046 indivíduos. Dos municípios que preencheram as fichas sobre a imigração, as maiores concentrações de portugueses estavam em São Paulo (3.502), Espírito Santo do Pinhal (475), São Carlos (464), Piracicaba (364), Guaratinguetá (331), Limeira (330) e Amparo (300). Municípios acima de 200 portugueses incluíam Areias, Araras, Descalvado, Botucatu e São Simão. Com pelo menos uma centena deles, ainda havia Pirassununga, Ribeirão Preto, Pindamonhangaba, Santana de Parnaíba, Itatiba, Caconde, Batatais e Taubaté.
Das últimas décadas do século XIX até 1900, os portugueses
representaram somente 10% das entradas de imigrantes no estado de São
Paulo. Após o Decreto Prinetti
de 1902, a imigração italiana caiu drasticamente, enquanto que a
portuguesa cresceu enormemente, sobretudo entre 1910 e 1914. Ao
contrário do Rio de Janeiro, para onde se dirigiu uma imigração
maciçamente masculina, em São Paulo havia grande número de mulheres
portuguesas, chegando as mulheres lusas a compor 40% da imigração total
na segunda década do século XX. Os portugueses preferiam se dirigir para
os centros urbanos, com destaque para as cidades de São Paulo e de
Santos. Ali, exerciam atividades comerciais e artesanais, além de
trabalhos assalariados na indústria e em obras públicas. Em 1920, havia, de acordo com o censo realizado no mesmo ano, 167.198
portugueses no estado de São Paulo, não contando os naturalizados
brasileiros. Os municípios com as maiores quantidades destes imigrantes eram a Capital (64.687), Santos (21.040), Campinas (4.267), São José do Rio Preto (3.507), Araraquara (2.915), Ribeirão Preto (2.706), Barretos (2.091) e Jaboticabal (2.020).
No Norte do Brasil
Os estados do Norte do Brasil, como o Amazonas e, sobretudo, o Pará,
também foram destinos visados pelos imigrantes portugueses a partir da
segunda metade do século XIX. Em 1920, viviam nesses dois estados quase
22 mil portugueses. Nesse ano, residiam no Pará 14.211 lusos, colocando
esse estado atrás somente do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas
Gerais em número de habitantes portugueses. Os portugueses que moravam na região amazônica se concentravam nos centros urbanos, sobretudo em Belém,
onde a comunidade portuguesa já era antiga. No censo de 1872, os
estrangeiros representavam 12% da população de Belém, sendo 80% deles
portugueses. No recenseamento de 1920, os imigrantes compunham 7,5% da
população da capital paraense, sendo que 68% eram de Portugal. Entre
1908 e 1920, dos casamentos registrados nas paróquias de Belém, em quase
20% deles pelo menos um dos cônjuges era português, o que mostra como
era significativa a presença lusitana naquele momento. Como a imigração
portuguesa era predominantemente masculina, havendo pouca presença
feminina, o processo de miscigenação aconteceu muito rápido, embora
houvesse maior exogamia entre os homens e endogamia
entre as mulheres. Assim, mais da metade dos homens lusos se casaram
com mulheres paraenses, enquanto que 80% das lusas se casaram com
conterrâneos. Porém, não se pode concluir que, caso houvesse maior
número de mulheres portuguesas, os casamentos mononacionais iriam
predominar, pois contrair casamento com as mulheres locais poderia ser
vantajoso, principalmente para os imigrantes recém-chegados, sobretudo
comerciantes.
Os portugueses em Belém se dedicavam sobretudo às atividades
comerciais (68%), embora se tratasse de uma categoria muito genérica,
que podia incluir comerciantes, empregados e auxiliares no comércio,
negociantes, ambulantes, caixeiros etc.
O mineiro e o brasileiro
Nos séculos XVIII e XIX, o Brasil exerceu verdadeiro fascínio sobre os portugueses. O Brasil tinha a imagem de ser o "eldorado", a terra onde era fácil uma pessoa enriquecer. Grande parte dessa ideia se deve à ação dos mineiros e dos brasileiros em Portugal. O mineiro, no século XVIII, era o português que emigrava para as regiões mineradores de Minas Gerais, fazia fortuna e depois voltava rico para Portugal. O brasileiro de torna-viagem ou, simplesmente, brasileiro, por sua vez, era o português que emigrava para o Brasil no século XIX e voltava enriquecido. As figuras do mineiro e depois do brasileiro faziam parte do imaginário português e foram amplamente retratados na literatura do País. A emigração em massa de portugueses que se deu, no século XVIII, para as regiões mineradoras da colônia
e, mais tarde, na virada do século XIX para o XX, em direção ao Rio de
Janeiro e a São Paulo se deve, em larga escala, a esse fascínio que os
ex-emigrantes criavam na população.
A maioria dos brasileiros não eram pobres antes de emigrar
para o Brasil. Os portugueses que emigraram para o Brasil até as últimas
décadas do século XIX não estavam entre os indivíduos das camadas mais
pobres da população portuguesa. Emigrar para o Brasil exigia despender
uma grande quantia de dinheiro, com passaporte,
passagem de navio e fiança militar. Portanto, tratava-se de uma
migração mais "seletiva", de indivíduos provenientes de famílias que
tinham recursos para financiar uma viagem daquele porte. Esses
imigrantes mais privilegiados é que tinham melhores condições de fazer
fortuna no Brasil e eram sobretudo estes que regressavam ricos para
Portugal, aguçando o imaginário popular. Muitas vezes gostavam de
mostrar sua riqueza, exibindo sua opulência pelas ruas das cidades.
Construíam grandes casas, algumas ainda podem ser vistas atualmente no
Norte de Portugal, muitas vezes com tom de verde e amarelo, as cores do Brasil.
Porém, a partir das últimas décadas do século XIX e no início do século
XX, o perfil do imigrante português mudou completamente. Os pobres
passaram a emigrar em massa para o Brasil, sem preparo e instrução,
muitas vezes beneficiados por uma imigração subsidiada pelo governo
brasileiro. Estes imigrantes chegavam pobres e, quase sempre,
permaneciam pobres, engrossando a população de miseráveis no Brasil e
procurando ajuda de instituições de caridade para sobreviver.
Não é exagero dizer que grande parte das transformações econômicas
que teve Portugal no final do século XIX e início do século XX se devem
graças à contribuição econômica desses "novos ricos" retornados do
Brasil. Além de admiração, os brasileiros também causavam sentimentos de repulsa, pois alguns o acusavam de voltarem ricos, mas de continuarem ignorantes.
A imagem que os brasileiros causavam na população portuguesa
servia para mascarar a realidade que a maioria dos imigrantes
portugueses enfrentavam no Brasil. Desde o século XVIII, era comum que
os pais portugueses enviassem algum de seus filhos para o Brasil com o
objetivo de fazer fortuna e voltar para Portugal, estimulados pela
presença dos ex-emigrantes que voltavam ricos. Porém, apenas aqueles
imigrantes que haviam conseguido se enriquecer faziam questão de
destacar a sua vitória e esbanjar a sua opulência. Os imigrantes que
haviam fracassado, por sua vez, tratavam de esconder o seu insucesso.
Envergonhados de retornarem pobres, deixavam-se ficar no Brasil e
muitas vezes nunca mais voltavam para Portugal. Portanto, no imaginário
coletivo português, permaneceu apenas a imagem do imigrante vitorioso,
enquanto que o imigrante "perdedor" era ignorado. Isso explica o fato de
que, embora muitos imigrantes portugueses no Brasil vivessem na
pobreza, a imagem de que o Brasil era o eldorado ainda vigorou por muito
tempo no imaginário dos portugueses por meio da ação dos brasileiros de torna-viagem.
Privilégios, lusofobia e estereótipos
Imigrante português no Rio de Janeiro. |
A imigração portuguesa para o Brasil após a independência apresentou
uma dualidade. Ao mesmo tempo que a lei brasileira concedia privilégios
jurídicos e políticos aos portugueses, eles também enfrentaram violentas
perseguições e agressividade por parte dos brasileiros.
Na Assembleia Constituinte de 1823, os portugueses residentes no Brasil
não foram considerados estrangeiros, desde que concordassem com a
independência. Na Era Vargas,
o privilégio concedido aos portugueses se evidenciou. A Constituição de
1934 limitou a entrada de estrangeiros de todas as nacionalidades no
Brasil, mas em 1938 essa lei foi suspensa apenas para os portugueses.
Durante a II Guerra Mundial, o então presidente Getúlio Vargas ordenou que as embaixadas brasileiras na Europa não concedem visto para os judeus, ao mesmo tempo que ele incentivava a entrada livre de portugueses no Brasil, para "garantir o fortalecimento étnico da nação". Após a Guerra, o antropólogo Gilberto Freyre
e um grupo de deputados defenderam que os portugueses não deveriam ser
considerados estrangeiros no Brasil. Ainda hoje, os portugueses têm
tratamento especial dado pela legislação brasileira. A (atual) Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 12, parágrafo 1º, reza que "Aos
portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade
em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao
brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição". Este dispositivo que dá privilégios a uma nacionalidade estrangeira é fato raro no mundo. Por exemplo, na legislação da Argentina não existe nenhum dispositivo que dê tratamento diferenciado aos espanhóis, tampouco a lei dos Estados Unidos beneficia os ingleses. Na América do Sul, apenas na Venezuela há algo semelhante.
Todavia, o tratamento privilegiado que a legislação brasileira deu e
ainda dá aos portugueses não necessariamente se refletia no tratamento
que os imigrantes receberam do povo brasileiro. A lusofobia
e o antilusitanismo estiveram presentes no Brasil, mesmo após a
independência. Em alguns momentos esses sentimentos explodiram e
desencadearam em verdadeira violência.
Após a independência, os imigrantes portugueses passaram a ser vistos
como representantes da dominação colonial. "Os portugueses eram
identificados como colonizadores, exploradores, que abusavam dos preços e
estavam ligados ao ódio racial".
Em 1819, às vésperas da independência, havia poucos portugueses no
Brasil. Os nascidos em Portugal perfaziam, no máximo, 40 mil pessoas,
menos de 1% da população do Brasil, concentrados no Rio de Janeiro e
noutras cidades portuárias. Apesar da sua pequena presença, os
portugueses figuravam em posições importantes e tinham preponderância no
grande comércio e nos setores administrativos do Estado. Com o processo
de independência, o antilusitanismo foi crescendo em várias partes do
Brasil e as agressões a portugueses começaram a se alastrar. Em carta de
1822, endereçada a José Bonifácio,
Felisberto Gomes Caldeira relatava "o estado de confusão em que se
achavam algumas províncias do Norte, onde crescera o ódio contra os
portugueses, sendo raro o dia em que algum não era assasinado ou
roubado, e não escapando mesmo os brasileiros simpáticos a Portugal". No
período que se seguiu à independência, vários conflitos envolvendo
brasileiros em oposição a portugueses foram registrados. Os comerciantes
portugueses configuraram o alvo preferido dessas agressões. Estes eram
frequentemente acusados de serem responsáveis pelas faltas de gêneros,
pelas subidas dos preços, além de serem hostilizados por só contratarem
caixeiros vindos diretamente de Portugal, supostamente tirando o emprego
dos brasileiros. No Maranhão, a Balaiada (1838-39) foi uma revolta dirigida sobretudo contra os comerciantes e proprietários portugueses. Em Pernambuco,
os lusos foram transformados em bode-expiatório pela elite local, numa
tentativa de canalizar contra os portugueses a forte hostilidade popular
que, caso contrário, poderia ser dirigida contra a elite branca local,
comprometendo a ordem social.
Porém, foi na província do Mato Grosso
que ocorreu o mais violento ataque generalizado contra portugueses no
Brasil. Em 30 de maio de 1834, em um episódio conhecido como "A Rusga"
ou como "A Noite do Mata Bicudo", devido ao chapéu de abas pontiagudas
que alguns lusos utilizavam, dezenas de portugueses foram assassinados
em diversas cidades da província. A motivação do massacre foram rumores
de que Portugal estava preparando ataques navais ao Brasil e que
contaria com a ajuda dos portugueses que viviam na região. Embora
fantasiosos, esses rumores desencadearam uma onda de chacinas, com
requintes de crueldade, por parte de patriotas exaltados da região, que
fizeram uma "verdadeira caçada" aos portugueses, nas palavras do
historiador Arthur César Ferreira Reis. Não se sabe quantos portugueses
foram massacrados nesse episódio, mas estima-se em algumas dezenas. O
discurso lusófobo esteve presente nos diversos movimentos ocorridos após
a independência, como na Cabanagem (1835-1837), na Sabinada (1837-1838) e na Revolução Praieira
(1848). No Rio de Janeiro, ataques a portugueses aconteciam com certa
frequência no início do século XX. Ataques contra portugueses
continuaram a ser registrados no Brasil até o fim da década de 1920.
No período colonial, houve conflitos em que os interesses de "reinós"
e "filhos da terra" emergiram. Esses numerosos atritos, que opuseram os
habitantes do Brasil à coroa portuguesa ou aos seus representantes não
deram origem a qualquer sentimento nacional ou à percepção de
antagonismos que opusessem portugueses a brasileiros. Não existia uma
efetiva consciência nacional, limitando-se a uma crítica social, como
fizera Gregório de Matos.
Com a independência, todavia, em nome de uma afirmação da nacionalidade
brasileira, a figura do português assume outras características. A
imagem estereotipada do imigrante português no Brasil, a partir do
século XIX, apresentou duas variáveis: a primeira, do imigrante rico,
sobretudo comerciante, que abusava dos preços e explorava os brasileiros
economicamente. A segunda era a figura do imigrante pobre, que exercia
ofícios urbanos antes destinados aos escravos, os quais o brasileiro,
"esperto" e "malandro", recusaria, o que era visto como uma concorrência
desleal no mercado de trabalho.
Com a ruptura política com Portugal, foi necessário buscar
antagonismos e oposições, remarcando a brasilidade, abrindo espaço para,
por exemplo, tentativas nativistas de assumir uma identidade indígena.
Foi assim que alguns brasileiros adotaram nomes indígenas ou deram a
seus filhos nomes não portugueses. Mais tarde, o indigenismo romântico
marcaria essa tentativa artificial de mudança. O português passou a ser,
em consequência, aquele contra quem se afirmou a identidade do novo
país. Primeiramente, os alvos foram os portugueses ricos, comerciantes e
banqueiros e os caixeiros que estes empregavam. A partir do final do
século XIX, com a imigração em massa de portugueses pobres, analfabetos e
desqualificados para os centros urbanos do Brasil, estes passaram a ser
mais visados e estereotipados.
Se para a legislação brasileira os portugueses eram considerados
praticamente como sendo "brasileiros", eles eram vistos como
"estrangeiros" pelo povo brasileiro. Por muito tempo, os portugueses
foram os únicos imigrantes a chegar em número significativo ao Brasil, e
ser estrangeiro era quase que sinônimo de ser português. A lusofobia
era fomentada, em grande parte, pela posição de destaque que os
lusitanos continuaram a ocupar no Brasil, mesmo após a independência.
Os portugueses concentravam-se nas cidades e grandes centros urbanos,
ao contrário de outros imigrantes que tendiam a ficar no campo. Muitos
portugueses eram proprietários de imóveis e pensões e dominavam o
comércio varejista no Brasil. Em consequência, tinham contato direto com
o público e eram vistos com desconfiança pela população. Eram acusados
de abusar dos preços, de cobrar aluguéis a preços exorbitantes, de
vender seus produtos a preço acima do valor de mercado, sempre suspeitos
de estarem pondo água no leite, areia no pão e práticas menos honestas.
A lusofobia no Brasil era um reflexo dessa suposta "exploração
econômica" que os imigrantes portugueses exerciam sobre os brasileiros.
Para muitos brasileiros, era inaceitável que os antigos colonizadores do
Brasil continuassem a dominar diversos setores da economia brasileira.
Ademais, muitos portugueses tinham participação no movimento operário e no anarquismo sindical, contribuindo para aumentar a intolerância. No final do século XIX, o movimento republicano dos jacobinos ganhou força no Brasil e era fortemente marcado pelo antilusitanismo, apontando a colonização portuguesa
e a comunidade portuguesa como sendo culpadas pelo atraso do Brasil. A
imprensa brasileira, principalmente do Rio de Janeiro, contribuía para
difundir estereótipos negativos sobre a comunidade portuguesa. O jornal O Jacobino,
que circulou no Rio no início do século XX, era abertamente lusófobo.
Os portugueses eram acusados de serem culpados por todas as mazelas do
Brasil e eram associados ao atraso da sociedade. O jornal instigava a
agressão e a expulsão dos portugueses do território brasileiro. As
piadas sobre portugueses e a fama de serem "ignorantes" cresceram
durante a República Velha, mas é provável que já existissem antes disso.
A imprensa brasileira do início do século XX contribuiu para criar
diversos estereótipos negativos sobre os portugueses, sendo que algumas
dessas imagens permanecem no imaginário brasileiro até hoje.
Imigração de declínio (1960-2000)
A partir década de 1930,
não apenas a imigração portuguesa no Brasil, mas todas de uma maneira
geral caíram, e isso se deve ao Brasil já não mais precisar de
imigrantes para abraçarem a agricultura e as fábricas, pois os nacionais
já supriam a demanda. Nesta década, o presidente brasileiro Getúlio Vargas
criou uma lei que controlava a entrada de imigrantes no Brasil ("Lei de
Cotas de Imigração"), à qual apenas os portugueses não estavam
sujeitos. As várias décadas que durou o salazarismo contribuíram para uma grande vinda de portugueses para o Brasil. Essa imigração durou até meados da década de 1960.
Após a II Guerra Mundial,
os portugueses foram os únicos que continuaram a chegar em grande
número ao Brasil. Entre 1945 e 1959 ainda chegaram ao Brasil, cerca de
250 mil portugueses.
A imigração portuguesa em números
Imigração portuguesa para o Brasil (1500-1991) Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) |
||||||||
Décadas | Número de imigrantes | |||||||
1500-1700 | 100.000 | |||||||
1701-1760 | 600.000 | |||||||
1808-1817 | 24.000 | |||||||
1827-1829 | 2.004 | |||||||
1837-1841 | 629 | |||||||
1856-1857 | 16.108 | |||||||
1881-1900 | 316.204 | |||||||
1901-1930 | 754.147 | |||||||
1931-1950 | 148.699 | |||||||
1951-1960 | 235.635 | |||||||
1961-1967 | 54.767 | |||||||
1981-1991 | 4.605 | |||||||
TOTAL | 2.256.798 |
A imigração portuguesa para o Brasil começou a se tornar mais
constante a partir da década de 1870. De 1872 até o final do século XIX,
entraram no Brasil quase 380 mil portugueses. A imigração, todavia,
alcançou seu auge entre 1910 e 1914, mas a I Guerra Mundial
fez o número de entradas cair, voltando a crescer a partir de 1920.
Entre 1900 e 1939, entraram no Brasil quase 920 mil portugueses. O
período mais importante foi entre 1910 e 1919, quando, em apenas nove
anos, desembarcaram nos portos brasileiros 318.481 portugueses.
O censo de 1920 contabilizou a presença de 433.577 portugueses no
Brasil, sendo que 291.198 eram homens (67%) e 142.379 eram mulheres
(33%).
Essa população ainda incorporou mais 318.481 portugueses que entraram
na década de 1920. Assim, a população portuguesa no Brasil alcançou seu
auge em 1929. Segundo a historiadora Maria Silvia Bassanezi, nesse ano
viviam no Brasil 646.282 portugueses, concentrados nos estados do Rio de
Janeiro e de São Paulo, mas com presença importante também em Minas
Gerais e no Pará.
População portuguesa no Brasil em 1929
Estado | População portuguesa |
---|---|
São Paulo | 281 418 |
Minas Gerais | 20 050 |
Rio de Janeiro | 303 861 |
Bahia | 3 679 |
Paraná | 1 998 |
Pernambuco | 5 289 |
Ceará | 325 |
Pará | 15 631 |
Maranhão | 587 |
Santa Catarina | 556 |
Goiás | 334 |
Paraíba | 144 |
Espírito Santo | 1 900 |
Amazonas | 8 376 |
Rio Grande do Norte | 89 |
Alagoas | 260 |
Piauí | 72 |
Mato Grosso | 1 572 |
Sergipe | 137 |
Total | 646 282 |
O censo de 1940 mostrou que a comunidade portuguesa no Brasil era
composta por 358.174 indivíduos. Em 1970, a comunidade cresceu novamente
e tinha 437.983 pessoas. A partir de então, foi declinando
progressivamente, baixando para 263.610 pessoas em 1991.
Novo fluxo
Com o quadro crônico em Portugal decorrente das crises econômica de 2008 e da dívida pública da Zona do Euro,
o Brasil tornou-se novamente atrativo para portugueses desempregados.
Em 2010, o número oficial de portugueses no Brasil somou a 30 mil, mas
estima-se que até 70 mil podem ter emigrado. No primeiro semestre de 2011, 50 mil iniciaram trâmites para adquirir um visto de residência no Brasil.
Regiões de origem dos imigrantes
A Região Norte de Portugal, de onde veio a maioria dos colonos e imigrantes portugueses para o Brasil. |
Historicamente, os portugueses que partiam para o Brasil eram majoritariamente oriundos da região norte de Portugal. No século XVI, quase metade dos portugueses processados pela Inquisição em Pernambuco e na Bahia eram originários do Minho e 15% de Lisboa. Em 1801, em São Paulo, 45% dos homens portugueses provinham do Minho, 20% dos Açores e 16% de Lisboa.Analisando a origem dos comerciantes portugueses radicados em Minas Gerais no século XVIII,
a historiadora Júnia Furtado constatou que 74,4% eram oriundos do Norte
português. Iraci del Nero, ao levantar dados sobre a população
portuguesa radicada em Vila Rica (atual Ouro Preto),
constatou que 68,1% provinha do Norte de Portugal. Analisando a
população inventariada em Minas entre 1750 e 1779, Carla Almeida
descobriu que 89% dos homens portugueses eram naturais das províncias do
norte e 11% provenientes da região central do país e nenhum do sul.
Além dos nortenhos, um fluxo notável de colonos provinham das ilhas
atlânticas da Madeira e dos Açores.
Mais de um século e meio depois, no início do século XX, a imigração
portuguesa para o Brasil continuava predominantemente oriunda do Norte português e adjacências, nomeadamente Trás-os-Montes, Minho, Douro Litoral, Beira Alta, Beira Litoral e Estremadura, com oscilações de predominância entre estas regiões ao longo do tempo.
Castelo de Guimarães |
O Noroeste português foi o que mais forneceu imigrantes para o Brasil, em especial o Minho (que corresponde aos actuais distritos de Braga e Viana do Castelo). O Sul de Portugal era dominado por latifúndios e grandes propriedades rurais. No Norte,
por sua vez, predominavam pequenas propriedades agrícolas. Portanto,
quem não adquiria um pedaço de terra estava fadado à pobreza. Sendo a
região do Minho a mais densamente povoada de Portugal, formou com o Brasil Colônia
- e sucessivamente com o Brasil Imperial e com a República - uma ampla
rede de migrações. Sucessivas gerações de portugueses nascidos no Minho
emigraram para o Brasil. Isso servia para se ter um equilíbrio entre a
escassez de recursos, o crescimento constante da população e a falta de
terras. Assim, famílias minhotas incentivavam a emigração períodica de
seus filhos para o Brasil como forma de não sobrecarregar a economia
baseada na pequena propriedade rural. Esses portugueses encaminhados
para o Brasil tinham um perfil típico: do sexo masculino, bastante
jovens, muitos deles quase crianças, enviados para o Brasil pelas mãos de algum parente ou padrinho.
Além de ajudar a economia local, a emigração desses jovens para o
Brasil também lhes era benéfica para os fazer escapar de "uma existência
limitada por padrões de vida numa sociedade empobrecida, mesquinha e
conservadora", nas palavras da historiadora Ana Silvia Scott.
Os dados sobre os imigrantes mostram que os trabalhadores agrícolas
sem terra formavam o grupo mais numeroso de imigrantes que partiam para o
Brasil, correspondendo a 50,3% e a 33,6% dos que chegaram nos anos de 1906 e 1913,
respectivamente. Também foi significativa a emigração de proprietários
rurais (10,6% em 1906), chegando a 31,7% em 1913. Também foi expressiva a
migração de artesões portugueses, correspondendo a 15,8% em 1906 e a
13,8% em 1913. Curioso é que foram poucos os imigrantes que eram
comerciantes antes de emigrar, somando apenas 1,7% em 1906 e 1,6% em
1913, embora depois que chegaram ao Brasil, muitos dos portugueses se
tornaram comerciantes.
Sexualidade e padrões de miscigenação
A imigração portuguesa para o Brasil é historicamente um fenômeno
eminentemente masculino. Desde o início da colonização, são pouquíssimas
as portuguesas que desembarcavam no Brasil. Em Portugal não havia
escolas para meninas, apenas recolhimentos que visavam o ensino de
afazeres domésticos. Na mentalidade portuguesa da Idade Moderna,
a instrução feminina era considerada algo supérfluo e mesmo perigoso.
Para eles, as mulheres só serviam como reprodutoras, como objeto de
posse e de poder. Ao chegarem ao Brasil, os colonos portugueses se depararam com uma população indígena livre dos conceitos impostos pela Igreja Católica. Para as mulheres indígenas, o sexo era algo natural, longe de possuir a conotação de sujeira e pecado que existia na mentalidade europeia. Na descrição do jesuíta José de Anchieta, as indígenas "não se negavam a ninguém".
Em um ambiente onde a Igreja ainda não tinha força, os colonos
portugueses passaram a exercer uma "sexualidade desenfreada", unindo-se a
várias mulheres indígenas ao mesmo tempo e gerando filhos mestiços. A
situação fora dos padrões europeus horrorizava os jesuítas. Em carta ao rei de Portugal, Manuel da Nóbrega
pedia ao monarca português que enviasse ao Brasil mulheres portuguesas,
“muitas e quaisquer delas” e acrescentava: "Vossa Alteza mande muitas
órfãs e se não houver muitas venham de mistura delas e quaisquer, porque
são tão desejadas as mulheres brancas cá, que quaisquer farão cá muito
bem a terra".
Para o jesuíta Manuel da Nóbrega, até as prostitutas
portuguesas eram bem-vindas no Brasil: "Se El-Rei determina povoar mais
esta terra, é necessário que venham muitas mulheres órfãs e de toda
qualidade até meretrizes, porque há aqui várias qualidades de homens; e
os bons e os ricos casarão com as órfãs; e deste modo se evitarão
pecados e aumentará a população no serviço de Deus" escreveu o religioso
para o rei de Portugal. Aliás, a transferência de prostitutas portuguesas para o Brasil é historicamente documentada. No século XVIII,
em São Paulo, "contanto que não sejam velhas e doentes e incapazes de
poder se casar" se falava em atrair meretrizes do Reino para a região.
Já no século XIX, autoridades lusas denunciavam o fluxo de mulheres
portuguesas no Brasil, que muitas vezes vinham enganadas com promessa de
trabalho e acabavam na prostituição.
Para Nóbrega, a falta de mulheres brancas na colônia é que acarretava
no comportamento sexual desregrado dos colonos. A Igreja tentava
"moralizar" os costumes dos colonos e o rei pretendia aumentar a
população "branca dominante". Além de enviar degredados
à colônia para explorarem produtos que poderiam dar lucro para
Portugal, o rei também enviou as tais mulheres portuguesas, que eram
órfãs, ladras, prostitutas, assassinas, alcoólatras, entre outras. As
que não fariam falta em Portugal.
Neste contexto, pouco importava a procedência da mulher portuguesa. Não
importava a condição social, moral ou econômica dela, pois bastava que
fosse "branca" e produzisse filhos "portugueses" na colônia para ser
considerada "superior" às mulheres índias e negras, no imaginário
colonial.
O concubinato vai ser a regra durante todo o período colonial, e o matrimônio a exceção. A historiadora Júnia Furtado diz que os casamentos em igrejas só vão predominar no Brasil a partir do século XIX. Antes disso, as uniões consensuais eram a forma mais praticada de uniões de casais.
Fato notável da sexualidade dos homens portugueses no Brasil colonial é
que estes davam preferência em se casar com mulheres portuguesas. Como
estas eram poucas, partiam para brasileiras de ascendência portuguesa.
Isto não quer dizer que os portugueses não se casavam com mulheres pardas
ou negras. Há vários registros de colonos portugueses que oficializavam
suas uniões com mulheres de origem africana, enfrentando o preconceito
da sociedade para assumir essa relação. Mas por razões culturais,
demográficas e econômicas, as uniões interétnicas eram majoritariamente
apenas consensuais, quando não eram apenas relações sexuais passageiras. A própria escravidão
colocava a mulher escrava de origem africana numa condição de submissão
em relação ao senhor, que muitas vezes a usava como objeto sexual.
Os dados sobre casamentos e uniões consensuais no Brasil colonial
mostram que os homens brancos tendiam a casar com mulheres de
ascendência portuguesa, enquanto que aqueles que apenas se uniam
consensualmente (a maioria dos casos) tendiam a fazê-lo com mulheres de
ascendência africana. Em um levantamento das uniões consensuais havidas
na Comarca do Rio das Velhas, em Minas Gerais, entre 1727 e 1756, os
números mostram que entre os concubinos, 92% eram homens brancos. Porém,
das concubinas, 52,1% eram africanas, 35,1% crioulas (negras
brasileiras) ou mestiças, e apenas 11,8% eram brancas. Havia, portanto,
um nítido predomínio de concubinato envolvendo um homem branco (92%) e
uma mulher negra ou mulata (87,2%). Todavia, os dados sobre casamentos mostram um outro quadro. Analisando
os matrimônios envolvendo homens portugueses em Borda do Campo (Minas
Gerais) entre 1750 e 1760, encontrou-se que apenas 13,4% das cônjuges
eram portuguesas. Todavia, as cônjuges brasileiras de sabida ascendência
portuguesa somavam 40% das noivas, dando um total de 50,3% as noivas de
origem portuguesa declarada. Estes dados mostram a tendência do colono
português de se unir consensualmente a uma mulher de origem africana, e a
se casar com mulher de origem portuguesa. Apesar da preferência em contrair matrimônio com mulheres portuguesas, a
exiguidade de compatriotas compeliam os portugueses a se casarem com
mulheres brasileiras, livres e brancas, ou com pardas e negras alforriadas,
tanto que no início do século XIX, em São Paulo, 97% dos homens
portugueses estavam casados com mulheres brasileiras. Defrontados com a
escassez de mulheres portuguesas na colônia, é presumível que muitos
portugueses optassem pelo celibato, pois em São Paulo, no mesmo período, 30% dos portugueses se encontravam nessa situação.
No Brasil colonial, os casamentos constituídos eram exclusivos de uma minoria. Nestes casos, havia a figura da sinhá
(esposa legítima) que era frequentemente obrigada a conviver com os
filhos ilegítimos do seu marido tidos com escravas. Para a maioria da
população, a sociedade brasileira era predominantemente matriarcal, especialmente nas classes subalternas, sendo a mulher solteira, negras, mulatas e brancas empobrecidas, as chefes de família.
Após a independência do Brasil no século XIX, a sociedade brasileira
já havia mudado parte de suas características. O concubinato, que antes
predominava, passa a dar lugar aos casamentos na igreja. Na definição da
historiadora Mary del Priore,
"no século XIX, a sexualidade se dividiu. De um lado, o sexo legítimo
da união legal. De outro, o sexo ilegítimo e clandestino das relações
adúlteras e da prostituição que se desenvolvem com o crescimento das
cidades". Isto não quer dizer que as uniões informais foram abolidas no Brasil,
pois continuavam a existir de forma significativa. Entre 1906 e 1910,
12,5% dos filhos de mulheres brasileiras em São Paulo eram ilegítimos
(comparado a 3,5% dos filhos de imigrantes portuguesas). A imigração portuguesa não perdeu seu caráter masculino nos séculos XIX
e XX. O Norte de Portugal na época era conhecido por ter o predomínio
de mulheres exercendo atividades agrícolas tradicionais, pois muitos dos
homens emigraram. As mulheres (e as crianças) portuguesas desembarcaram
em maior número no Brasil quando alguma crise aflingia Portugal, como
durante a epidemia de filoxera que destruiu temporariamente a indústria
do vinho do Porto em meados do século XIX. A regra, porém, era de 80% de homens entre os imigrantes e uma porcentagem mais elevada de adultos.
Em suas práticas matrimoniais, os imigrantes portugueses no Brasil
nos séculos XIX e XX mostraram-se particularmente inclinados para a endogamia,
quando comparados a outros imigrantes europeus. Dos 22.030 homens e
mulheres portugueses que casaram na cidade do Rio de Janeiro no período
de dez anos de 1907 a 1916, 51% dos homens casaram com mulheres
portuguesas — uma percentagem mais elevada do que a dos italianos ou dos
espanhóis (50% e 47% dos quais, respectivamente, casaram com mulheres
originárias do seu país). 84% das portuguesas casaram com homens
portugueses, em comparação com 64% das mulheres italianas e 52% das
mulheres espanholas que casaram com homens da sua nacionalidade. Essa
alta endogomia acontecia mesmo sendo o número de mulheres portuguesas
bem mais baixo do que o número de homens. Tal endogamia pode ser
explicada pela chegada constante de novos imigrantes, ou pela pobreza
inicial desses portugueses, gerando desprezo da população brasileira, o
que afastava as possibilidades de casamento entre os dois grupos. No
decorrer do século XX, essa endogamia caiu e o casamento envolvendo um
cônjuge português e o outro brasileiro cresceu gradualmente, passando
então a predominar.
As mulheres portuguesas no Brasil
ESCASSEZ DE MULHERES BRANCAS NO BRASIL
O
"traje à lavradeira" envergado nas grandes festas e romarias. Também conhecido por "traje rico de festa" era o que mais tempo ficava nos areias. Com este traje, as raparigas de Viana, ao seja do concelho de Viana do Castelo, tinham orgulho de mostrar o seu ouro. |
Nos primeiros séculos de colonização houve uma verdadeira escassez de
mulheres brancas na colônia. Isso se deve ao caráter migratório
aventureiro dos colonos portugueses, que buscavam enriquecimento rápido,
pensando num breve retorno a Portugal. Isso desestimulava um padrão
migratório familiar. Para diminuir a falta de mulheres brancas foram
levantadas duas soluções: o envio de mulheres condenadas a cumprir pena
de degredo no Brasil e de órfãs desprovidas de dote para a colônia. Uma
terceira opção seria o envio de “mulheres erradas” para o Brasil, ou
seja, de prostitutas portuguesas.
Quanto à presença de prostitutas portuguesas no Brasil, não há dados
numéricos disponíveis. Quanto às órfãs, na legislação portuguesa, era
uma pessoa que havia perdido o pai, pois a perda da mãe não acarretava
nessa situação. O número de órfãs disponíveis não era suficiente e isso
se refletia no pedido do jesuíta Manuel da Nóbrega para que o rei
enviasse qualquer tipo de mulher, mesmo as “erradas”. Para o jesuíta,
essas mulheres mudariam de vida por meio do casamento. A falta de
mulheres brancas empurrava os colonos para relações com mulheres
indígenas e africanas, ameaçando a “limpeza de sangue” tão almejada
naquela sociedade.
Um estudo mostrou que as órfãs do recolhimento do Castelo, em Lisboa,
eram mandadas para possessões ultramarinas onde havia escassez de
mulheres portuguesas (Índia e Brasil). Elas chegavam acompanhando o
governador-geral, ou seja, de três em três anos. Para o Brasil não
viajavam mais que duas ou três de cada vez, o que era claramente
insuficiente. Num registro de 21 mulheres que chegaram à Bahia, todas já
estavam casadas, e as idades variavam de 18 a 80 anos. Não chegavam
apenas portuguesas: uma era espanhola de Toledo, uma cigana da Galiza (Espanha) e outra mulher de Arzila, no Marrocos.
Sete delas eram de Lisboa e cinco do Alentejo. Não se sabe ao certo se
essas mulheres já chegavam casadas ao Brasil ou se contraíram matrimônio
na colônia. O que se sabe é que essas mulheres brancas eram disputadas
fervorosamente pelos homens, devido à sua escassez na colônia.
A contribuição das órfãs para o aumento da população brasileira foi,
sem dúvida, menor do que a contribuição das mulheres que chegavam
acompanhadas dos seus homens ao Brasil, sejam esposas ou concubinas. As
que chegavam sozinhas eram normalmente as degredadas, forçosamente
exiladas na colônia. As degredadas chegavam para cumprir penas aplicadas
pela justiça secular por crimes que haviam cometido, enquanto outras
eram vítimas da Inquisição, que também condenava os “culpados” com o
degredo. O século XVII foi marcado pela chegada constante de
“visionárias”, acusadas de feitiçaria, que eram sentenciadas ao exílio
na colônia. Nem todas permaneceram no Brasil, parte regressando a
Portugal após os cinco anos de pena de degredo.
A mulher no Brasil colonial vivia uma condição subalterna, herança de
tradições já cristalizadas. Tanto a legislação portuguesa quanto as
práticas sociais acentuaram o caráter subalterno da mulher. As mulheres
brancas viviam reclusas dentro de casa, raramente saíam à rua e, quando o
faziam, deviam cobrir o rosto com véus e os pés com a barra da saia. De
acordo com o padrão dominante, a mulher virtuosa apenas poderia sair de
casa em situações específicas: para ser batizada, frequentar missas,
casar e ser enterrada. Isso contribuía para os relatos sobre a mulher
portuguesa no Brasil colonial: precocemente envelhecida, gorda, cercada
de mucamas, tratada com sadismo e descontando sua fúria sobre as
escravas.
No século XVIII, em Salvador, Mariana e Vila Rica as mulheres
frequentavam a missa no final da madrugada para não serem vistas pelos
homens. Muitas eram mandadas para conventos e recolhimentos femininos, o
que causava desconforto nas autoridades, uma vez que a escassez de
mulheres brancas na colônia era ainda mais agravada pelo fato de muitas
tomarem o caminho religioso. O governador de Minas Gerais, Lourenço de
Almeida, reclamou em 1731: “Suponho que toda mulher no Brasil será
freira”.
De fato, um dos raros momentos em que as mulheres podiam comandar suas
casas se dava na viuzez: em muitos casos, enviuvando a mulher com filhos
menores, cabia a ela a direção da propriedade rural e o futuro da
família.
Por outro lado, as mulheres pobres, livres ou escravas, estavam muito
mais expostas na sociedade. Essas compunham a maioria da população
colonial, embora os estudos históricos tenham sempre focado na vida das
mulheres da elite.
As mulheres comuns eram domésticas, roceiras, costureiras, cozinheiras,
feiticeiras, lavadeiras, prostitutas etc. O Brasil colonial, mergulhado
em valores hierárquicos e patriarcais, delegava à mulher uma condição
inferior dentro da sociedade. À mulher rica era destinada a reclusão
dentro de casa e, à mulher pobre ou escrava, o trabalho pesado e os
abusos sexuais.
Após a independência, a mulher portuguesa que desembarcava no Brasil,
geralmente pobre, se empregava como criada nos serviços domésticos. O
censo de 1872 mostrou que 129.816 escravas estavam ocupadas no serviço
doméstico, portanto para as portuguesas apenas sobravam as casas onde se
dava preferência à contratação de criadas brancas. Frequentemente os
textos da época faziam referência implícita à prostituição de
portuguesas no Brasil.
O início do século XX foi um momento que representou uma reviravolta
nas características da imigração portuguesa ao Brasil, uma vez que as
mulheres passaram a representar uma parcela considerável dos imigrantes.
Dos portugueses que desembarcaram no porto de Santos entre 1908 e 1936,
as mulheres representavam 32% do total, indicando uma grande migração
familiar nesse período.
A legislação portuguesa dificultava a migração de pessoas do sexo
feminino, uma vez que exigia a emissão de passaporte e as mulheres
dependiam da autorização dos pais ou do marido para imigrar. Até a
década de 1890, o contingente feminino entre os imigrantes sempre foi
muito pequeno, vindo a crescer rapidamente a partir dessa década. Antes
disso, eram quase sempre os homens que emigravam, deixando muitas vezes
suas esposas em Portugal, que passavam a ser incumbidas de cuidar dos
filhos e de todo o trabalho produtivo. Os seus maridos frequentemente
constituíam uma nova família no Brasil, fazendo delas “viúvas de vivos”.
A partir da década de 1890, verifica-se uma mudança no comportamento
migratório português. As mulheres, que antes ficavam para trás, passaram
a acompanhar seus homens na viagem migratória. Assim, a migração
familiar e feminina portuguesa cresceu 41% entre 1891 e 1899 e 36% entre
1910 e 1919. Essas mulheres dividiam com seus maridos pequenos
negócios, como padarias, bares e quitandas, trabalhavam como operárias,
lavadeiras, costureiras, em áreas completamente diferentes das quais
exerciam em suas aldeias de origem, muitas vezes tendo que trabalhar em
jornada dupla para poder sobreviver e vencer os desafios no novo país de
acolhimento.
Identidade luso-brasileira
No período colonial
As relações dos brasileiros brancos com Portugal se mantiveram
bastante fortes durante o período colonial. Os brasileiros mantinham
vínculos mais estreitos com a metrópole e tinham menos motivos de
insatisfação que os criollos
da América Espanhola em relação à Espanha. A colonização portuguesa no
Brasil foi lenta e gradual, portanto, no fim do período colonial, a
oligarquia brasileira, em sua maioria, tinha origem portuguesa recente.
Embora algumas famílias da elite, sobretudo em Pernambuco e na Bahia,
remontavam as suas origens aos donatários do século XVI, grande parte
dos proeminentes proprietários de terra do Brasil do início do século
XIX eram brasileiros de primeira geração ou portugueses natos. O governo
colonial português não se mostrava tão opressivo e excludente como foi o
governo espanhol, uma vez que Portugal era uma potência mais fraca em
recursos financeiros, militares e humanos.
Isso abria as portas para que brasileiros natos tivessem a
oportunidade de ocupar postos no nível baixo e médio da burocracia e
alguns até chegaram a ser magistrados da coroa e governadores, não só no
Brasil como em outras partes do Império Português. Portugal, muito mais
do que a Espanha, governava suas colônias por intermédio das elites
locais e os vínculos familiares e pessoais entre os membros da elite
portuguesa e brasileira eram reforçados com a ida de brasileiros para
estudar na Universidade de Coimbra.
Portanto, a classe dominante do Brasil durante o período colonial
manteve laços estreitos com Portugal, haja vista que grande parte era
composta por portugueses natos ou filhos de portugueses, muitos dos
quais estudavam em universidades portuguesas e mantinham relações
econômicas diretas com a Metrópole. O antropólogo Darcy Ribeiro
ensina que o colono português, por mais que se identificasse com a nova
terra, gostava de se manter atado à sua origem portuguesa, pois esta
era a sua única "superioridade" inegável. O processo de miscigenação,
porém, fazia nascer uma identidade brasileira, pois mestiços, mulatos e mamelucos já não se identificavam com suas matrizes indígenas, africanas ou europeias, forçando-os a assumir uma identidade brasileira.
O caso dos açorianos no Sul
O historiador Sérgio Luiz Ferreira estudou o processo de
"abrasileiramento" dos descendentes de açorianos da freguesia de Santo
Antônia de Lisboa, localizada em Florianópolis, Santa Catarina, no Sul do Brasil. A região foi povoada por colonos oriundos dos Açores,
Portugal, entre os anos de 1747 e 1753. No período de 1780-1799, 75% da
população da freguesia tinha os avós nascidos nos Açores. Para o
período de 1800-1824, 33% dos habitantes ainda eram netos de açorianos.
Portanto, na segunda metade do século XVIII e no início do século XIX, a
população da freguesia poderia ser considerada açoriana.
Porém, no decorrer do século XIX, a população da freguesia foi se
afastando dessa matriz portuguesa e se "abrasileirando", ao ponto de, no
final do século XIX, seus habitantes já nem lembrarem que eram
descendentes de açorianos. No início do século XX, a população da Ilha
de Santa Catarina se considerava "sem origem", enquanto os descendentes
de imigrantes italianos e alemães
do interior do estado eram vistos como aqueles "com origem". A origem
portuguesa dessas pessoas, portanto, permaneceu apenas nos documentos
históricos, sendo que não permaneceu na memória da população. Aliás, o
autor ressalta que não saber a origem dos antepassados é uma
característica marcante da população brasileira.
Foi só na década de 1940, com o Primeiro Congresso de História
Catarinense, que a origem açoriana dessa população foi resgatada. Os
habitantes da Ilha de Santa Catarina
foram "ensinados" pela elite intelectual que eram descendentes de
portugueses oriundos dos Açores. Em decorrência, na segunda metade do
século XX, com esse processo de resgate da açorianidade, muitas
tradições que tinham origem açoriana foram nomeadas, enquanto outras que
nunca foram açorianas passaram a ser consideradas como se fossem, numa
verdadeira "invenção de tradições".
A questão da identidade açoriana, porém, só preocupava a elite, como
por exemplo frente ao "perigo alemão" representado pelos descendentes de
alemães do interior catarinense. O homem do litoral pouco importava com
a sua "identidade", uma vez que vivia isolado na costa onde não havia o
embate com o "outro". O incômodo realmente apenas surgiu na década de
1980, quando forasteiros passaram a comprar propriedades no litoral
catarinense e passaram a reprimir determinadas práticas culturais dos
habitantes da região, como a farra do boi. A partir de então, foi necessário buscar uma identidade que já não estava na memória.
A identidade açoriana é ainda débil nos próprios Açores, onde,
segundo pesquisa, a maioria da população se identifica primariamente com
sua freguesia ou município ou ilha de nascimento e não com a região dos
Açores como um todo. No caso dos habitantes do litoral catarinense, nos
últimos anos tem havido um processo de "açorinização" da Ilha de Santa
Catarina, por meio do resgate de tradições e elementos culturais e do
aumento do intercâmbio com o arquipélago português.
Imigrantes mais recentes
Os portugueses que chegaram ao Brasil mais "recentemente", no século XX, buscavam se aglutinar por meio do movimento associativo. Essas
associações serviam e ainda servem de referência cultural, apoio econômico e/ou assistência social. Distante do país natal e muitas vezes
abandonados pelo governo português, os imigrantes sentiam-se desamparados e vulneráveis às situações imprevisíveis que um novo país
poderiam oferecer. Portanto, um local para encontro com compatriotas se mostrava fundamental para mobilizar interesses compartilhados em relação
à cultura, trabalho, saúde, lazer e negócios.
A Beneficiência Portuguesa de Porto Alegre é um hospital brasileiro fundado por portugueses e luso-brasileiros, localizado na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. Tendo sido fundado na segunda metade do século XIX, principalmente como forma de homenagear e prantear Dona Maria II, Rainha de Portugal, que havia falecido. Para além disso, Dona Maria II era irmã do então imperador do Brasil, Dom Pedro II.
Neste clima emocional a imprensa começou a instigar a comunidade
portuguesa da cidade para que se criasse, a exemplo de outros locais,
uma entidade assistencialista própria, o que alguns anos depois se
realizaria.
Os imigrantes que chegavam se mantinham em contato com Portugal mas, com o tempo, foram se integrando ao Brasil. O contato com a terra natal
acabou por se perder à medida que se tornavam mais tênues os laços e a mobilidade interna aumentava. Assim, a partir da década de 1950, a perda
da identidade portuguesa foi aumentando e a integração no novo país foi se fortalecendo.
IMIGRANTES MAIS ANTIGOS
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos é a mais antiga instituição assistencial e hospitalar em funcionamento do Brasil, e foi fundada em 1543. |
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