António Costa, premiê de Portugal: “Queremos estimular o Mercosul”

O primeiro-ministro português elogia bloco sul-americano, que negocia com a UE

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António Costa, primeiro-ministro de Portugal.
O socialista António Costa acaba de cumprir 500 dias à frente do Governo de Portugal. Nesse período, acabou com os cortes salariais, aumentou o salário mínimo duas vezes e cumpriu as exigências de Bruxelas; tudo isso com o apoio parlamentar dos partidos antieuropeistas do Bloco da Esquerda e o PC, em uma aliança inédita no país. O segredo, segundo Costa, é falar com todos sem que ninguém perca sua identidade. O primeiro-ministro português apoiaria uma candidatura de Luis de Guindos ao Eurogrupo, critica o atual presidente, o holandês Jeroen Dijsselboem, por alimentar clichês e deseja que o Partido Socialista espanhol saia de seus anos de “indefinição”.

Pergunta. Sete países do Sul se reúnem em Madri em plena tempestade do Brexit. A saída do Reino Unido é um problema ou uma oportunidade para seu país e os países vizinhos?
Resposta. Acredito que o importante é que, no final, tenhamos a melhor relação com o Reino Unido. É importante que as negociações do Brexit se desenvolvam com grande amizade. No final, temos de ser os melhores aliados, os parceiros mais próximos e os amigos mais próximos. Temos de trabalhar com essa perspectiva. Também é uma oportunidade para receber em Portugal empresas do Reino Unido que querem ficar na União Europeia. Simbolicamente, acaba de abrir em Portugal a start-up Second Home, queremos ser a segunda casa dos britânicos.

P. O Brexit recompõe a geografia em favor do Sul?
R. Precisamos ter uma base na igualdade dos Estados, e reconstruir as relações. Preocupa-me a deriva dos países do Leste sobre os valores democráticos, que são a base da sociedade europeia. Preocupa-me que alguns países do Norte tenham aqueles preconceitos de Dijsselboem. A vida em comunidade depende da capacidade de nos conhecermos melhor. Por isso são importantes as reuniões dos países do Sul, com três dos países com maior peso europeu, como a França, a Itália e a Espanha. A chave para o futuro é a capacidade de identificar, entre os interesses contraditórios, a base comum para desenvolver o futuro europeu. O sucesso da união resultará do conjunto das contribuições de cada país.

P. O senhor foi o governante europeu mais crítico às palavras de Dijsselboem ao qualificá-las como “sexistas, racistas e xenófobas”. Ainda pensa que ele deveria renunciar?
R. É uma questão de tempo; aquele senhor está de passagem, o que vai ficar é a necessidade de fortalecer o euro, a política monetária comum.
P. Por que persistem esses clichês, até mesmo na classe dirigente europeia?
R. Acredito que esse seja o maior desafio na UE: eliminar as fraturas culturais que se abriram nesses anos de crise entre países do Leste e do Oeste, do Norte e do Sul. Temos de fazer um esforço para nos conhecermos melhor, porque só poderemos enfrentar o futuro juntos; por isso o presidente do Eurogrupo tem de ser alguém com capacidade de construir pontes e não um fator de divisão. Esse é o problema com Dijsselboem; não é o mau gosto de sua versão pessoal sexista e racista, o pior é que enfraquece uma função central da Europa, por isso precisamos ter um presidente que una a todos e não seja um fator de divisão.

P. O substituto poderia ser Luis de Guindos, o ministro espanhol de Economia?
R. Claro. Tem a visão global da Europa, a capacidade de construir pontes entre diferentes economias, entre diferentes famílias políticas, vem de um grande país, mas compreende os pequenos, vem da terceira economia que mais cresce, mas sabe dos sacrifícios passados... Se De Guindos estiver disponível, será nosso candidato.

P. Por que a diplomacia portuguesa conseguiu colocar um português na Secretaria-Geral da ONU agora e, antes, na presidência da Comissão Europeia?
R. Primeiro são os méritos pessoais, depois o fato de que Portugal é um país aberto, sabemos construir pontes, isso é muito valorizado quando a moda é construir muros.

P. Portugal é um modelo de diplomacia profissional, que não muda com os Governos.
Quando não há diferença nas alternativas do campo democrático, o eleitorado vai para os extremos
R. É uma excelente tradição que se estende não só aos diplomatas, mas também a todo o funcionalismo público. Em Portugal mudam os Governos, mas não os embaixadores.

P. No Brasil, a esquerdista Dilma Rousseff foi substituída pelo conservador Michel Temer. Houve tensão em suas relações?
R. As relações são muito boas. Portugal sempre tem boas relações com os países, independentemente da cor de seus Governos. O Brasil é um grande parceiro cultural e comercial de Portugal, sempre tivemos isso, mesmo com as ditaduras. Tivemos [boas relações] com Lula e as temos com Temer.

P. Não houve crise com a destituição de Dilma Rousseff?
R. Por quê? Eles respeitam as mudanças de Governo em Portugal e nós respeitamos as suas.

P. Portugal aproveita essa relação com o Brasil?
R. Temos um grande caminho a percorrer. Construímos com a TAP uma grande ponte aérea Brasil-Europa. Temos muito a fazer em economia, investimentos e comércio. Por isso queremos estimular o Mercosul, que é muito importante para nós e para a Espanha (o bloco negocia um acordo comercial com a UE).

P. O partido socialista que o senhor dirige é um dos poucos que estão no governo na Europa. O que aconteceu com a social-democracia?
R. Não são tão poucos; há os casos de Suécia, França, República Tcheca, Malta, e na Grécia Tsipras é cada dia mais social-democrata; mas de fato houve uma crise com a irrupção do neoliberalismo. A União Europeia é um modelo de sucesso construído por duas grandes famílias, a social-democrata e a democrata-cristã. O surgimento do neoliberalismo acabou com a democracia cristã, e contaminou os partidos socialistas, isso enfraqueceu a democracia, porque deixou os cidadãos sem alternativas políticas. É muito importante preservá-las, Portugal tem feito isso. Portugal tem duas alternativas claras, a nossa ou a da direita e isso é bom para a democracia. É muito importante.

P. Os populismos, os radicalismos nascem por falta de alternativas?
R. Há radicalismos na Europa, porque as pessoas estão com receio de vários fatores, como conseguir emprego, defender nosso modo de vida ou defender-nos do terrorismo. Temos de dar respostas às pessoas para lhes trazer confiança. Se os cidadãos nos veem discutir grandes tratados e não respondemos aos problemas concretos, criamos frustração e, depois, radicalização. Precisamos gerar alternativas entre as famílias políticas do quadro democrático. Quando não há diferença nas alternativas do campo democrático, o eleitorado vai para os extremos. Em Portugal provamos que é possível mudar de governo e de política dentro do marco europeu; aumentar o salário mínimo, acabar com os cortes, reduzir a tributação e, no final, conseguir o melhor resultado orçamentário em 42 anos de democracia, com déficit de 2,1%. Provamos que existe outro caminho, outra alternativa, e que dá melhores resultados.

P. Seu pacto é com forças antieuropeistas. Por quê?
R. A novidade em Portugal é que, pela primeira vez, o conjunto dos partidos de esquerda compreendeu que podia manter sua identidade diferenciada, manter posições diferentes sobre a Europa, mas também chegar a um acordo sobre o que fazer em conjunto para mudar a política. Esse foi o sucesso, a estabilidade política. O conjunto da esquerda cresce no país, sem concorrência entre nós, mas ganhando a confiança de cidadãos que antes se abstinham ou votavam na direita. É uma experiência interessante e de sucesso.

P. Passaria a receita para a Espanha?
R. Nunca me atreveria. Cada país é diferente. Nós falamos só de política, nada de distribuir cargos, porque nem o PC nem o Bloco quiseram entrar no Governo. Construímos um Governo minoritário com apoio majoritário, com apoio até dos Animalistas para o orçamento anual. Os partidos dizem em que vamos trabalhar juntos, no resto cada um mantém sua posição. A ideia não é transformar o PS em um partido de esquerda radical, ou o PC em socialista. Para termos sucesso, é preciso que cada um mantenha sua identidade. Para o PC não é um obstáculo cumprirmos as exigências de Bruxelas se aumentarmos o salário mínimo e pararmos os cortes no funcionalismo público. É um modelo que funciona, é difícil, mas assim é a vida política. A novidade é o sucesso nesse esforço dos partidos de esquerda.

P. O que o senhor acha da situação do partido socialista na Espanha?
R. Conheço os três candidatos, como companheiro desejo o melhor para eles; o importante é que o partido supere a situação de indefinição.

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