PADRE ANTÓNIO VIEIRA

António Vieira

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Padre António Vieira
 
Retrato do Padre António
Vieira, de autor desconhe-
cido do início do século XVIII.

Nascimento

6 de fevereiro de 1608
Lisboa
Morte 18 de julho de 1697 (89 anos)
Salvador
Nacionalidade Portuguesa
Ocupação Religioso, escritor e orador

Antônio Vieira (luso - brasileiro) (Lisboa, 6 de fevereiro de 1608 — Salvador (Bahia), 18 de julho de 1697) foi um religioso, filósofo, escritor e orador português da Companhia de Jesus.
Uma das mais influentes personagens do século XVII em termos de política e oratória, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização e fazendo a sua evangelização. Era por eles chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi).
António Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição.
Na literatura, seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e português. As universidades frequentemente exigem sua leitura.
Biografia

Nascido em lar humilde, na Rua do Cónego, perto da Sé, em Lisboa, foi o primogénito de quatro filhos de Cristóvão Vieira Ravasco, de origem alentejana cuja mãe era filha de uma mulata ou africana, e de Maria de Azevedo, lisboeta, portanto, mãe do padre.
Cristóvão, seu pai, serviu na Marinha Portuguesa e foi, por dois anos, escrivão da Inquisição. Mudou-se para o Brasil em 1614, para assumir cargo de escrivão em Salvador, na Bahia.
 António Vieira, nascido a 06/02/1608, chegou à Bahia em 1614, junto com a família, pois seu pai, nesse ano, fora transferido como escrivão para o Tribunal    da Relação da Bahia. António Vieira, portanto, chegou com 06 anos de idade. Ainda nesse ano, iniciou os primeiros estudos no Colégio dos Jesuítas de Salvador, onde, principiando com dificuldades, veio a tornar-se um brilhante aluno. Ingressou na Companhia de Jesus como noviço em maio de 1623.
Em 1624, quando na invasão holandesa de Salvador, refugiou-se no interior da capitania, onde se iniciou na sua vocação missionária. Um ano depois tomou os votos de castidade, pobreza e obediência, abandonando o noviciado. Prosseguiu os seus estudos em Teologia, tendo estudado ainda Lógica, Metafísica e Matemática, obtendo o mestrado em Artes. Foi professor de Retórica em Olinda, ordenando-se sacerdote em 1634. Nesta época já era conhecido pelos seus primeiros sermões, tendo fama de notável pregador.
Quando a segunda invasão holandesa ao Nordeste do Brasil (1630-1654), defendeu que Portugal entregasse a região aos Países Baixos, pois gastava dez vezes mais com sua manutenção e defesa do que o que obtinha em contrapartida, além do fato de que os Países Baixos eram um inimigo militarmente muito superior à época. Quando eclodiu uma disputa entre Dominicanos (membros da Inquisição) e Jesuítas (catequistas), Vieira, defensor dos judeus, caiu em desgraça, enfraquecido pela derrota de sua posição quanto à questão da guerra.
Em Portugal

Após a Restauração da Independência (1640), em 1641 regressou a Lisboa iniciando uma carreira diplomática, pois integrava a missão que ia ao Reino prestar obediência ao novo monarca. Sobressaindo pela vivacidade de espírito e como orador, conquistou a amizade e a confiança de João IV de Portugal, sendo por ele nomeado embaixador e posteriormente pregador régio. Ainda como diplomata, foi enviado em 1646 aos Países Baixos para negociar a devolução do Nordeste do Brasil, e, no ano seguinte, à França. Caloroso adepto de obter para a Coroa a ajuda financeira dos cristãos-novos, entrou em conflito com o Santo Ofício, mas viu fundada a Companhia Geral do Comércio do Brasil.
No Brasil, outra vez

Em Portugal, havia quem não gostasse de suas pregações em favor dos judeus. Após tempos conturbados acabou voltando ao Brasil, de 1652 a 1661, missionário no Maranhão e no Grão-Pará, sempre defendendo a liberdade dos índios.
Diz o Padre Serafim Leite em Novas Cartas Jesuíticas, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1940, página 12, que Vieira tem "para o norte do Brasil, de formação tardia, só no século XVII, papel idêntico ao dos primeiros jesuítas no centro e no sul», na «defesa dos índios e crítica de costumes". "Manuel da Nóbrega e António Vieira são, efectivamente, os mais altos representantes, no Brasil, do criticismo colonial. Viam justo - e clamavam!"
Naufrágio nos Açores


Em 1654, pouco depois de proferir o célebre "Sermão de Santo António aos Peixes" em São Luís, no estado do Maranhão, o padre António Vieira partiu para Lisboa, junto com dois companheiros, a bordo de um navio da Companhia de Comércio, carregado de açúcar. Tinha como missão defender junto ao monarca os direitos dos indígenas escravizados, contra a cobiça dos colonos portugueses. Após cerca de dois meses de viagem, já à vista da ilha do Corvo, a Oeste dos Açores, abateu-se sobre a embarcação uma violenta tempestade. Mesmo recolhidas as velas, à exceção do traquete, correndo o navio à capa, uma rajada mais forte arrancou esta vela, fazendo a embarcação adernar a estibordo. Em pleno mar revolto, na iminência do naufrágio, o padre concedeu a todos absolvição geral, bradando aos ventos:
"Anjos da guarda das almas do Maranhão, lembrai-vos que vai este navio buscar o remédio e salvação delas. Fazei agora o que podeis e deveis, não a nós, que o não merecemos, mas àquelas tão desamparadas almas, que tendes a vosso cargo; olhai que aqui se perdem connosco."
Após essa exortação, obteve de todos a bordo um voto a Nossa Senhora de que lhe rezariam um terço todos os dias, caso escapassem à morte iminente. Ainda por um quarto de hora o navio permaneceu adernado até que os mastros se partiram. Com o peso da carga, estivada até às escotilhas, o navio voltou à posição normal, permanecendo à deriva, ao sabor dos elementos.
Nesse transe uma outra embarcação foi avistada, mas sem que prestasse qualquer auxílio. Ao cair da noite a mesma retornou, mas tratava-se de um corsário neerlandês, que recolheu os náufragos a bordo e pilhou a embarcação à deriva, que acabou por ser afundada. Nove dias mais tarde, quarenta e um portugueses, despojados de seus pertences pessoais, foram desembarcados na Graciosa, outra ilha dos açores, onde o padre António Vieira, com o auxílio dos religiosos da Companhia de Jesus, procurou providenciar-lhes roupas, calçado e dinheiro durante os dois meses que permaneceram na ilha. Dali, também, creditou Jerónimo Nunes da Costa para que este fosse a Amesterdão resgatar os papéis e livros que lhe haviam sido tomados pelos corsários, o que se acredita tenha sido cumprido uma vez que dispomos hoje de cerca de duzentos sermões (este naufrágio é relatado no vigésimo-sexto) e cerca de 500 cartas do religioso, muitas das quais anteriores ao naufrágio.
O grupo passou em seguida à Ilha Terceira, onde Vieira obteve o aprestamento de uma embarcação para que os seus companheiros de infortúnio pudessem seguir para Lisboa. Instalado no Colégio dos Jesuítas em Angra, ele aqui permaneceu mais algum tempo, tendo instituído a devoção do terço, que pela primeira vez foi cantado na Ermida da Boa Nova. Entre os sermões que pregou em diversos locais da ilha, destacou-se o que proferiu na Igreja da Sé, na Festa do Rosário, celebrada anualmente a 7 de outubro, com aquele templo repleto.
Uma semana mais tarde, Vieira passou à Ilha de São Miguel, onde proferiu o sermão de Santa Teresa, um dos mais destacados de sua autoria. Dali partiu para Lisboa, a bordo de um navio inglês, a 24 de outubro. Após atravessar nova tempestade, o religioso chegou finalmente ao destino, a sua Lisboa em novembro de 1654.

Em Portugal, outra vez

Em Portugal, António Vieira tornou-se confessor da “regente”, D. Luísa de Gusmão que foi a primeira rainha de Portugal da quarta dinastia. Com a ascensão ao trono de D. Afonso VI, Vieira não encontrou mais apoio das Cortes.
Abraçou a profecia Sebastiana e por isso entrou em novo conflito com a Inquisição que o acusou de heresia com base numa carta de 1659 ao bispo do Japão na qual expunha sua teoria do quinto império seguido a qual Portugal estaria predestinado a ser cabeça de um grande império do futuro.

EM ROMA

   

 Em Roma, ficou 6 anos, encontrou o Papa à beira da morte, mas deslumbrou a Cúria com seus discursos e sermões. Com apoios poderosos, renovou a luta contra a Inquisição, cuja actuação considerava nefasta para o equilíbrio da sociedade portuguesa. Obteve um breve pontifício que o tornava apenas dependente do Tribunal romano. A mesma extraordinária capacidade oratória que seduzira, primeiro, o governo geral do Brasil, a corte de Dom João IV, e que depois, iria convencer o Papa e garantir assim a anulação das suas penas e condenações.

Entre 1675 e 1681, a actividade da Inquisição esteve suspensa por determinação papal em Portugal e no império, uma determinação que encontrou o seu maior fundamento nos relatórios sobre os múltiplos abusos de poder que o jesuíta deixou em Roma, nas mãos do Sumo Pontífice. Desta forma conseguia dois feitos raros e históricos, por um lado conseguia parar pela primeira vez durante sete anos a actividade do Santo Oficio (Inquisição) em Portugal e, feito não menor, lograva escapulir da perigosa malha que inquisidores derramavam sobre si.
Em Portugal 

Regressou a Lisboa seguro de não ser mais importunado. Quando, em 1671, uma nova expulsão dos judeus foi promovida, novamente os defendeu. Mas o Príncipe Regente passara a protector do Santo Ofício e recebeu-o friamente. Em 1675, absolvido pela Inquisição, voltou para Lisboa por ordem de D. Pedro, mas afastou-se dos negócios públicos.
 
No Brasil, pela última vez

Decidiu voltar outra vez para o Brasil, em 1681. Dedicou-se à tarefa de continuar a coligir os seus escritos, visando à edição completa em 16 volumes dos seus Sermões, iniciada em 1679, e à conclusão da Clavis Prophetarum. Possuía cerca de 500 Cartas que foram publicadas em 3 volumes. As suas obras começaram a ser publicadas na Europa, onde foram elogiadas até pela Inquisição.
Já velho e doente, teve que espalhar circulares sobre a sua saúde para poder manter em dia a sua vasta correspondência. Em 1694, já não conseguia escrever pelo seu próprio punho. Em 10 de junho começou a agonia, perdeu a voz, silenciaram-se seus discursos. Morre na Bahia a 18 de julho de 1697, com 89 anos.
Obra

Deixou uma obra complexa que exprime as suas opiniões políticas, não sendo propriamente um escritor, mas sim um orador. Além dos Sermões redigiu o Clavis Prophetarum, livro de profecias que nunca concluiu. Entre os inúmeros sermões, alguns dos mais célebres: o "Sermão da Quinta Dominga da Quaresma", o "Sermão da Sexagésima", o "Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda", o "Sermão do Bom Ladrão","Sermão de Santo António aos Peixes" entre outros.
Vieira deixou para trás cerca de 700 cartas e 200 sermões.
Lendas

Existem muitas lendas sobre o padre António Vieira, incluindo a que afirma que, na juventude, a sua genialidade lhe fora concedida por Nossa Senhora, e a que, uma vez, um anjo lhe indicou o caminho de volta à escola quando estava perdido.
Obras
Primeira página de "Historia do Futuro", de uma edição de 1718.
Antônio Vieira escreveu mais de 200 sermões, 700 cartas, além de tratados proféticos, relações etc. Seguem abaixo alguns de seus sermões:
  • Sermão da Sexagésima
  • Sermão de São José (1642) ligação externa
  • Maria Rosa Mística
  • Sermão de Santo António aos Peixes
  • Sermão de Nossa Senhora do Rosário
  • Sermão da Quinta Dominga da Quaresma
  • Sermão do Mandato
  • Sermão Segundo do Mandato
  • Sermão de Santa Catarina Virgem e Mártir
  • Sermão Histórico e Panegírico
  • Sermão da Glória de Maria, Mãe de Deus
  • Sermão da Primeira Dominga do Advento (1650)
  • Sermão da Primeira Dominga do Advento (1655)
  • Sermão de São Pedro
  • Sermão da Primeira Oitava de Páscoa
  • Sermão nas Exéquias de D. Maria de Ataíde
  • Sermão de São Roque
  • Sermão de Todos os Santos
  • Sermão de Santa Teresa e do Santíssimo Sacramento
  • Sermão de Santa Teresa
  • Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma (1651)
  • Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma (1644)
  • Sermão de Santa Catarina (1663)
  • Sermão do Mandato (1643)
  • Sermão do Espirito Santo
  • Sermão de Nossa Senhora do Ó (1640)
  • Quarta parte, licenças e privilégio real
  • Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda
  • Sermão da Segunda Dominga da Quaresma (1651)
  • Maria Rosa Mística Excelências, Poderes e Maravilhas do seu Rosário
  • Sermão das Cadeias de São Pedro em Roma pregado na Igreja de S. Pedro. No qual sermão é obrigado, por estatuto, o pregador a tratar da Providência, ano de 1674
  • Sermão do Bom Ladrão
  • Sermão da Dominga XIX depois do Pentecoste (1639)
  • Sermão XII (1639)
  • Sermão XIII
  • Sermão de Dia de Ramos (1656)
  • Quarta Parte em Lisboa na Oficina de Miguel Deslandes
  • Sermão do Quarto Sábado da Quaresma (1640)
  • Sermão XIV (1633)
  • Sermão Nossa Senhora do Rosário com o Santíssimo Sacramento
  • Sermão XI Com o Santíssimo Sacramento Exposto
  • Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654)
  • Sermão nas Exéquias de D. Maria da Ataíde (1649)
  • Sermão de São Roque (1652)
  • Sermão Segundo do Mandato (II)
  • Sermão do Mandato (1655)
  • Sermão da Epifania (1662)
  • Sermão da primeira Oitava da Páscoa (1656)
  • História do Futuro
  • Esperanças de Portugal
  • Defesa do livro intitulado Quinto Império
Cronologia
  • 1608 – Nasce a 6 de fevereiro em Lisboa, na freguesia da Sé, António Vieira, filho primogénito de Cristóvão Vieira Ravasco e de Maria de Azevedo.
  • 1614 – Desembarca com a família em Salvador da Bahia, onde frequentará as aulas do Colégio dos Jesuítas.
  • 1624 - Em Maio, as forças holandesas ocupam a cidade do Salvador.
  • 1626 – Com 18 anos de idade, o noviço António Vieira é encarregue de redigir a Carta Annua ao Geral dos Jesuítas, relatório anual da Companhia de Jesus no Brasil. Constitui o seu primeiro escrito.
  • 1627 – Transfere-se para o Colégio dos Jesuítas de Olinda, onde passa a ministrar aulas de Retórica.
  • 1633 – Prega o primeiro sermão público, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, em Salvador.
  • 1634 – É ordenado sacerdote, a 10 de dezembro, celebrando a 13 do mesmo mês a sua primeira missa.
  • 1638 – É nomeado Lente em Teologia.
  • 1640 – Prega o "Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda", na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, em Salvador.
  • 1641 – Vieira viaja para Lisboa, onde residirá até 1646.
  • 1642–1644 – Prega pela primeira vez na Capela Real, em Lisboa, o "Sermão dos Bons Anos". Em atenção ao brilhantismo das suas prédicas recebe, em 1644, o título de Pregador de Sua Majestade e alguns dos seus sermões são publicados separadamente. É, igualmente, nomeado Tribuno da Restauração.
  • 1645 – Prega o "Sermão do Mandato", na Capela Real, em Lisboa.
  • 1646–1652 – Profissão solene na Igreja de São Roque, em Lisboa. Pregador e conselheiro de D. João IV, é por este enviado como embaixador em diversas missões diplomáticas aos Países Baixos e à França, negociando Pernambuco, a paz europeia, o financiamento da guerra contra Castela e a futura Companhia Geral do Comércio do Brasil. É o período de grande actividade diplomática e política de Vieira, que se desloca por grande parte da Europa, representando e defendendo os interesses portugueses. Faz, ainda, parte da embaixada portuguesa nas negociações da Paz de Münster, cujo objectivo era pôr fim à Guerra dos Trinta Anos. Em Ruão e Amsterdão encontra-se e negoceia com representantes da comunidade judaica portuguesa aí refugiada, o que lhe valeria, desde então, a hostilidade do Santo Ofício.
  • 1652 – Em novembro parte de volta para a América Portuguesa, a fim de se dedicar às missões junto dos indígenas do estado do Maranhão, dos quais assumirá corajosamente a defesa, contra os interesses esclavagistas dos colonos.
  • 1654 – Prega o "Sermão de Santo António aos Peixes", na véspera de embarcar para Lisboa, onde, em breve visita, pedirá providências favoráveis aos índios e às missões jesuítas no estado do Maranhão.
  • 1655 – Antes de retornar às missões do Estado do Maranhão, em Abril, prega na Capela Real, em Lisboa, durante a Quaresma: abre com o "Sermão da Sexagésima" e fecha com o "Sermão do Bom Ladrão".
  • 1657 – Prega o "Sermão do Espírito Santo", no Maranhão.
  • 1659 – Visita cinco aldeias da etnia Nheengaíba. No regresso a Belém do Pará, encontrando-se doente em Cametá, redige o seu primeiro tratado futurológico "Esperanças de Portugal, V Império do Mundo".
  • 1661 – Em resultado do seu combate à escravidão dos índios, Vieira e os seus companheiros jesuítas são expulsos do Estado do Maranhão e embarcados para Lisboa.
  • 1662 – Prega o importante "Sermão da Epifania" diante da rainha-regente.
  • 1663–1667 – É desterrado para Coimbra e começam os interrogatórios da Inquisição, que o persegue devido às suas ideias milenaristas e messiânicas inspiradas no profetismo de António Gonçalves Annes Bandarra ("Quinto Império") e, também, por causa das suas alegadas simpatias pela "gente da nação", os judeus. Em 1666, a Inquisição ordena que seja retirado da cela de religioso, a que estava confinado, e colocado em cárcere de custódia. Apesar de praticamente desprovido de livros para consultas, redige duas Representações da Defesa e, em segredo, parte do livro "História do Futuro" e da "Apologia". Em 1667 é proferida a sentença: "… seja privado para sempre da voz activa e passiva e do poder de pregar…"
  • 1668 – É amnistiado a 12 de junho.
  • 1669 – Prega o "Sermão do Cego", na Capela Real, em Lisboa. Parte para Roma em busca de revisão da sua sentença, onde permanece seis anos, pregando, em italiano, aos cardeais da Cúria romana e à exilada rainha Cristina da Suécia.
  • 1675 – Regressa a Lisboa munido de um Breve do Papa Clemente X, isentando-o "por toda a vida de qualquer jurisdição, poder e autoridade dos inquisidores presentes e futuros de Portugal", mas permanecendo sujeito à autoridade da Cúria romana.
  • 1679 – Declina o convite da rainha Cristina da Suécia para ser seu confessor.
  • 1681 – Regressa à América Portuguesa, a Salvador, na Bahia, em Janeiro, e passa a residir na Quinta do Tanque, casa de campo do Colégio dos Jesuítas, onde prepara a publicação dos seus Sermões e redige a "Clavis Prophetarum".
  • 1686 – Vieira é um dos poucos a não ser afectado pela epidemia de "mal da bicha" (febre amarela). Devido a essa calamidade, a Câmara de Salvador faz votos a São Francisco Xavier, proclamando-o Padroeiro da Cidade do Salvador, em 10 de maio.
  • 1688 – É nomeado Visitador-Geral da Província do Brasil (até 1691).
  • 1690 – Promove a Missão entre os índios Cariri da Bahia, financiando-a com o lucro da venda dos seus livros.
  • 1694 – Emite parecer a favor da liberdade dos índios, contra as administrações particulares na Capitania de São Paulo.
  • 1695 – Envia carta-circular de despedida à nobreza de Portugal e amigos, por não poder escrever a todos.
  • 1696 – É transferido da Quinta do Tanque para o Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus.
  • 1697 – Termina a revisão do tomo XII dos Sermões; dita a sua última carta ao Geral da Companhia de Jesus, Tirso Gonzalez, a 12 de julho. Falece a 18 de julho, no Colégio, aos 89 anos. Os ofícios fúnebres realizam-se na Igreja da Sé, oficiados pelos Cónegos. É sepultado na Igreja do Colégio.

Bibliografia

  • José Pedro Paiva. Padre Antonio Vieira, 1608-1697: bibliografia, Biblioteca Nacional, Lisboa 1999 ISBN 972-565-268-1
  • João Lúcio de Azevedo. História de Antônio Vieira. São Paulo: Alameda, 2008, 2v.
  • José Van Den Besselaar. António Vieira: o homem, a obra, as ideias. Lisboa: ICALP, 1981 (Colecção Biblioteca Breve - Volume 58)
  • Thomas Cohen. The fire of tongues. Stanford, EUA: Stanford University Press, 1998.
  • Margarida Vieira Mendes. A oratória barroca de Vieira. 2ª ed., Lisboa: Caminho, 2003.
  • Alcir Pecora. Teatro do sacramento. 2ª ed., São Paulo/Campinas: Edusp/Ed. Unicamp, 2008.
  • Revista Semear. Revista da Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses , n. 2, 1998.


PADRE ANTÓNIO VIEIRA
Escritor, pregador: 1608 - 1697
Orlando Neves


Retrato do Padre António Vieira, por Arnold van Westerhout, sec. XVII
NESTE MUNDO HÁ MUITAS MISÉRIAS QUE NÃO SÃO IGNORÂNCIAS, E NÃO HÁ IGNORÂNCIA QUE NÃO SEJA MISÉRIA...NESTE MUNDO HÁ MUITAS MISÉRIAS QUE NÃO SÃO IGNORÂNCIAS, E NÃO HÁ IGNORÂNCIA QUE NÃO SEJA MISÉRIA...


QUANDO TUDO ACONTECEU...
1608: A 6 de Fevereiro, nasce em Lisboa António Vieira. – 1614: Aos 6 anos parte para o Brasil, com família; seu pai fora nomeado escrivão da Relação na Baía. – 1623: Aluno do Colégio dos Jesuítas na Baía, sente vocação religiosa. – 1624: Os holandeses ocupam a cidade; os jesuítas, com Vieira, refugiam-se numa aldeia do sertão. – 1633: Prega pela primeira vez. – 1635: É ordenado sacerdote, é Mestre em Artes e exerce a função de pregador. 1638: Pronuncia nos anos seguintes alguns dos seus mais notáveis Sermões. – 1641: Parte para Portugal na embaixada de fidelidade ao novo rei; é preso em Peniche no desembarque; torna-se amigo e confidente de D. João IV. – 1642: Prega na Capela Real; publica um sermão avulso. – 1643: Na "Proposta a El-Rei D. João IV "declara-se favorável aos cristãos novos e apresenta um plano de recuperação económica. – 1644: Nomeado pregador régio. – 1646: Inicia actividade diplomática indo à Holanda. – 1647: Vai a França e fala com Mazarino. – 1648: Emite um parecer sobre a compra de Pernambuco aos holandeses; defende a criação da província do Alentejo. – 1649: É ameaçado de expulsão da Ordem dos Jesuítas, mas D. João IV opõe-se. – 1650: Vai a Roma, para contratar o casamento de D. Teodósio. – 1652: Parte para o Brasil como missionário no Maranhão. – 1654: Sermão de Santo António aos peixes; embarca para Lisboa a fim de obter novas leis favoráveis aos índios. - 1655: Prega na capital, entre outros, o Sermão da Sexagésima; regressa ao Maranhão com as novas leis. – 1659: Escreve Esperanças de Portugal - V Império do mundo. – 1661: É expulso, com os outros jesuítas, do Maranhão, pelos colonos. – 1662: Golpe palaciano que entrega o governo a D. Afonso VI; desterro no Porto. – 1663: Desterro para Coimbra; depõe no Santo Ofício sobre a sua obra Esperanças de Portugal. – 1664: Escreve a História do Futuro; adoece gravemente. – 1665: É preso pela Inquisição, depois mantido em custódia. – 1666: Entrega a sua defesa ao Tribunal; é interrogado inúmeras vezes. – 1667: É lida a sentença que o priva da liberdade de pregar; D. Afonso VI é afastado do trono. – 1668: É mantido em custódia em Lisboa; pazes com Castela; é amnistiado, mas impedido de falar ou escrever sobre certas matérias. - 1669 - Chega a Roma, prega vários Sermões que lhe dão grande notoriedade na Corte Pontifícia e na da Rainha Cristina; combate os métodos da Inquisição em Portugal; defende novamente os cristãos novos. – 1675: Breve do Papa que louva Vieira e o isenta da Inquisição; regressa a Lisboa. – 1679: Sai o primeiro volume dos Sermões; recusa o convite da Rainha Cristina para seu confessor. – 1681: Volta à Baía e aos trabalhos de evangelização. – 1683: Intervém activamente na defesa de seu irmão, Bernardo. – 1688: É nomeado Visitador Geral dos Jesuítas no Brasil. – 1691: Resigna ao cargo por força da idade e da falta de saúde. – 1697: Morre na Baía, a 18 de Julho, com 89 anos.
  

CRISTINA E OS PREGADORESVieira a pregar - Autor anónimo, sec. XVII

 "Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heraclito chorava, porque todas lhe pareciam misérias: logo maior razão tinha Heraclito de chorar, que Demócrito de rir; porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria".
Cristina sente vontade de aplaudir a tirada oratória que acaba de escutar. Não o faz porque quer manter o tom algo solene da reunião que ela própria provocou.
António Vieira prossegue o discurso, inflamado e lógico. Ouve-o atentamente, um colega jesuíta, o padre Jerónimo Catâneo. Poucos minutos antes, este defendera o riso de Demócrito perante os males do mundo - agora, Vieira, defende o pranto e as lágrimas de Heraclito perante os mesmos males.
Ambos tinham sido desafiados por Cristina Alexandra - um advogaria o riso, outro o choro.
O salão está repleto de personalidades convocadas pela ex-rainha da Suécia para ouvirem os dois renomados oradores sagrados.
Estamos em 1674. Há cerca de 20 anos, Cristina vive em Roma depois de ter abdicado do trono sueco e de se converter ao catolicismo. O seu palácio é um pólo de atracção de artistas, intelectuais e religiosos. Tal como acontecera em Estocolmo, a rainha, dotada de grande inteligência e cultura, a que se junta uma personalidade misteriosa e controversa, continua em Roma a rodear-se das figuras mais célebres da Europa, uma das quais fora Descartes falecido, em 1650, durante a sua estada na corte nórdica. A mesma rainha que, em 1641, acolheu uma embaixada de D. João IV que tratou de modo afável, reconhecendo o rei que em 1640 subira ao trono, depois de afastar os Filipes de Espanha. ( O povo português mantém, ainda hoje, uma expressão popular, "dar vivas à Cristina" que encontra a sua origem no entusiasmo com que recebeu o beneplácito da rainha ao novo rei ).
António Vieira está na cidade desde 1669 e a sua fama de pregador chega aos ouvidos de Cristina da Suécia. Na época, António Vieira prega em italiano, a rainha escuta alguns dos seus sermões e convida-o para seu pregador.
António Vieira recusa o convite. Porque, diz, é pregador do seu rei. E porque o que o trouxe a Roma não está completado, apesar dos cinco anos que leva de permanência. Mas, no ano seguinte, consegue, junto da Curia Romana, o seu objectivo. De imediato, volta a Portugal.

O PRIMEIRO NAUFRÁGIO


 

António Vieira aporta à Baía. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? 

 O pequeno António refugia-se nos braços da mãe. Vai agoniado. A caravela que transporta a sua família em direcção a S. Salvador da Baía no Brasil, balouça descontrolada na violência tempestuosa do mar. A bordo, como era comum na época, as condições são péssimas. Mal se dorme, tal a quantidade de parasitas de todo o género de que o barco está infestado. Mesmo na coberta os ratos disputam ruidosas correrias, enfiando-se nos espaços mais ínfimos. A água doce já está imprópria para consumo, sai verde e com cheiro nauseabundo. O peixe em salmoura e as carnes salgadas com que todos se alimentam estão prestes a apodrecer. Quase diariamente, a caravela é abalada pela movimentação dos marinheiros e das velas, tentando escapar à perseguição dos piratas holandeses. Não há a menor privacidade - passageiros e tripulação amontoam-se nos exíguos espaços disponíveis. E a viagem é longa, aproximadamente dois meses.
Já à vista da costa brasileira a embarcação estremece fortemente da popa à proa, tudo se parte no seu interior, o cavername parece ir despedaçar-se. É uma noite negra, povoada de faíscas e trovões, o mar revolta-se, os passageiros choram e gritam, acendem-se lanternas no negrume, o capitão dá ordens tonitruantes, nos porões os homens procuram detectar algum rombo. A caravela está encalhada nos baixios arenosos e vai adornando para estibordo. Pensa-se no pior.
Na manhã seguinte, o pequeno António solta-se da mãe. Quer ver tudo, saber como se safará a caravela. O dia amanhece com o sol em brasa, vêem--se, em frente, as florestas brasileiras, banhadas de luz dourada. Um batel puxado por remadores, consegue desencalhar o barco. Enfunadas as velas, dirige-se para o Sul e nos fins de Janeiro de 1615 aporta à Baía.
É aí que vai desembarcar a família Ravasco. O pai, Cristóvão Ravasco, a mãe Maria de Azevedo e os dois filhos, António de seis anos e o irmão mais novo, Bernardo. Tinham saído de Lisboa a 16 de Dezembro de 1614.
O futuro Padre António Vieira jamais esquecerá esta viagem penosa. Ora no sentido Portugal-Brasil, ora no de Brasil-Portugal, fá-la-á mais vezes e, praticamente em todas elas, sofrerá um naufrágio.

A VOCAÇÃO

Padre António Vieira evangelizando os índios brasileiros (Arquivo Ultramarino de Lisboa)
 A 6 de Fevereiro de 1608 nasce António Vieira, na freguesia da Sé, em Lisboa. O pai, de origem modesta, provavelmente com ascendência africana, é destacado como funcionário para a Relação da Baía. Melhorava de vida e fugia à opressão filipina. António é baptizado na Sé, segundo parece na mesma pia baptismal em que o fora Fernando Bulhões, o famoso Santo António de Lisboa, por quem o futuro pregador jesuíta sempre manifestará grande admiração e devoção.
Logo à chegada à Baía, António é atacado de uma doença tropical e fica às portas da morte. Por milagre de Santo António ou da Senhora das Maravilhas, venerada na Sé da Baía, salva-se.
Na cidade e em todo o Brasil tem fama o Colégio da Companhia de Jesus. É nele que Cristóvão Ravasco inscreve o filho. Submetido à dura disciplina jesuíta, António não teve os pequenos prazeres da infância. Os educadores, de breviário e palmatória nas mãos, impuseram-lhe um tempo sombrio, acrescentado das constantes orações e do estudo forçado em silêncio absoluto.
Mas, no percurso de casa para o colégio, o jovem vai contactando com a realidade efervescente de uma cidade em plena expansão. É assim que vê os índios escravos, em plena rua, carregando e descarregando fardos, sob o chicote dos capatazes.
Não foi, de início, aluno brilhante. De compleição frágil, pálido, magro, grandes olhos, nariz fino, não se sente talhado para intensos esforços escolares. É, porém, de temperamento enérgico, tenaz. E, subitamente, por volta dos catorze anos, os jesuítas começam a descobrir-lhe a inteligência, a inesperada queda para escrever bem português, a facilidade com que domina o latim. Revela-se, igualmente um crente fervoroso, jejua todos os dias, reza, comunga, mas não se excede em fanatismos - conhece, todavia, em grau elevado as Escrituras, sobretudo as partes referentes aos Profetas que lhe suscitam enorme atracção.
Aos quinze anos, segundo ele próprio escreve, após ouvir um Sermão em que o pregador evoca as penas do inferno, sente-se tocado pela vocação. Quer professar, ser jesuíta. Opõe-se o pai, com veemência. Mas a 5 de Maio de 1623 foge de casa e pede asilo aos padres da Companhia de Jesus. Cristóvão Ravasco resiste quanto pode - mas não pode contrariar a autoridade e força dos jesuítas. Cede.
António Vieira redobra o seu interesse pelos estudos, passa a ser o melhor aluno em todas as disciplinas. Aos dezasseis anos encarregam-no de redigir em latim o relatório anual da província jesuíta que deverá ser enviado ao Geral da Companhia. Aos dezoito anos é nomeado professor de retórica no Colégio de Olinda.
Mas não são estes os sonhos do jovem. Mais do que para a reflexão, sente-se tocado pelo desejo de acção: quer ser pregador, missionário, apóstolo, converter os incrédulos, combater o erro e trazer para a fé católica os índios do interior.
Em princípios de 1624 os holandeses atacam a Baía, tomam-na, saqueiam a cidade, violam as mulheres indígenas. Os brancos fogem para o sertão. Os jesuítas fazem o mesmo.
E eis António Vieira numa aldeia, em contacto directo com os índios, aprendendo-lhes as línguas, conhecendo-lhes os costumes, admirando o modo de vida, colocando-se a seu lado para os defender de todos os vilipêndios, torturas e humilhações. Está onde sempre desejou.
Ver-se-á que esta vocação juvenil se manterá por toda a vida. Mas, durante dezenas de anos, o apelo da acção, da intervenção no mundo, sofrerá uma radical mudança de rumo.

ÊXITOS E FRACASSOS NA POLÍTICA


D. João IV restaura a independência de Portugal. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo?


Mercado de escravos no Recife - original de Zacharias Wagener, Thier Buch (meados do século XVII)
António Vieira propõe que Portugal "compre" Pernambuco. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? 

Uma assuada tremenda do povo de Peniche espera a caravela que traz António Vieira a Portugal. Tem 33 anos quando regressa à terra natal. É um homem razoavelmente alto, magro e pálido, flexível e nervoso, cabelo, olhos e barba escuros, fronte ampla, lábio grosso, que irradia segurança e afabilidade. Porque está de novo na metrópole, 27 anos depois de ter embarcado para o Brasil? Porque é recebido em Peniche por um autêntico motim? Esteve prestes a ser ferido pela multidão colérica. Consegue, todavia, refugiar-se na Casa da Companhia. De resto, a aportagem a Peniche foi um desvio de rota da embarcação, assaltada por uma tempestade que a obriga a afastar-se do Tejo.
António Vieira é, nesse ano, de 1641, um prestigiado jesuíta, pregador popular no Brasil, missionário apaixonado e amado pelos índios da aldeia do Espírito Santo. Disse a primeira missa em 1635, é irmão professo da sua Ordem, mestre de Teologia no Colégio de S. Salvador, lutador contra os sucessivos ataques dos holandeses às possessões portuguesas no Brasil, célebre por um sermão proferido na Baía, contra Deus, que abandonara os católicos para se pôr ao lado dos hereges neerlandeses - uma das suas mais extraordinárias orações (Sermão pela vitória das nossas armas contra a Holanda).
A 15 de Fevereiro de 1641 chega à Baía uma caravela que traz a espantosa notícia: a 1 de Dezembro do ano anterior a dinastia filipina fora apeada, D. João IV era o monarca de um Portugal restaurado. O então vice-rei do Brasil, D. Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão, acolhe a informação com entusiasmo, adere ao novo rei, coloca a colónia sob a autoridade do Restaurador. Não sabe, ainda, o marquês que, em Portugal, dois dos seus filhos se posicionam contra D. João IV, passam para o lado espanhol, a sua própria mãe é aprisionada no Castelo de Arraiolos. Um outro filho do vice-rei está no Brasil, ao lado do pai. Conhecida a adesão em todo o território ao novo regime, o marquês decide enviar a Lisboa esse filho para garantir ao rei a fidelidade. A comitiva de D. Fernando Mascarenhas é constituída pelos dois jesuítas mais considerados: Simão de Vasconcelos e António Vieira.
Quando a caravela, desconjuntada pelo temporal, arriba a Peniche, a população apenas sabe que nela viaja um filho do vice-rei. Tomando-o como conivente com os irmãos recebe-o em tumulto e só a autoridade do conde de Atouguia, comandante da praça e um dos conjurados de 1640, evita que D. Fernando e os dois jesuítas sejam linchados pela turba enfurecida.
Dois dias depois, António Vieira está em Lisboa.
Por essa altura, a actividade diplomática de Portugal no exterior não cessa. D. João IV envia embaixadores pela Europa para obter reconhecimento e apoios na guerra que trava contra os espanhóis.
Vieira que, a pouco a pouco, se torna íntimo do rei, francamente cativado pela personalidade do jesuíta, profere alguns sermões que lhe granjeiam em Lisboa a mesma fama que alcançara no Brasil.
Em 1642, D. João IV alarmado pelas enormes despesas da guerra, decide lançar novos impostos. Levanta-se enorme querela: as classes populares exigem que a nobreza e o clero contribuam em igual proporção. A discussão era acalorada e o problema parecia não se resolver. Lembra-se o rei da capacidade oratória de Vieira. Convida-o a proferir um sermão em que o padre abordasse a questão dos tributos. António profere uma notável prédica, um dos sermões de Santo António, na Igreja das Chagas de Lisboa. Nele desenvolve uma brilhante teoria sobre os impostos e apazigua o conflito.
Desse momento em diante, o filho de Cristóvão Ravasco estará por detrás das decisões reais. A sua vasta cultura permite-lhe opinar sobre tudo.
Andava a guerra com Espanha por maus caminhos, envolta em contradições estratégicas. Aí temos António Vieira, a rogo do rei, a emitir um parecer puramente militar: a doutrina sensata para conduzir as operações devia ser a guerra defensiva "porque primeiro se deve assegurar a conservação do próprio, e depois, se for conveniente, se poderá conquistar o alheio". Para ele uma guerra ofensiva seria desastrosa. Assim se fez e talvez se deva a este conselho a vitória nas hostilidades.
Vieira quer repor Portugal na sua antiga grandeza. O rei nomeia-o pregador régio. O jesuíta torna-se o seu homem de confiança.
Não tardará muito que o padre gize para Portugal um plano de recuperação económica. Era urgente o desenvolvimento do comércio. Há que isentar de impostos os bens móveis dos comerciantes; há que fundar um banco comercial e duas companhias comerciais, tal como já tinham feito os holandeses; há que abrir o comércio às nações neutrais ou amigas; há que agraciar os comerciantes com títulos de nobreza, entre outras medidas, avançadas para o tempo português.
Mas a principal proposta, que lhe vai valer ódios, era a de se abolirem as distinções entre cristãos velhos e cristãos novos e de atraírem a Portugal os capitais dos judeus fugidos do país. Para tal, teria de se reformar a Inquisição.
Esta teoria mercantilista de instalação de um sistema económico baseado na burguesia capitalista agrada ao rei. Mas é combatida pela nobreza, receosa da perda de privilégios e pelas duas ordens religiosas mais importantes. Os dominicanos jamais aceitariam a aproximação aos hebreus - perderiam as suas principais vítimas nas prisões inquisitoriais.
Os próprios jesuítas vão opor-se a Vieira. Primeiro porque ele obtivera, por si só, o valimento do rei, sem nisso envolver a congregação; depois porque as teorias do padre, a serem confirmadas pelos seus confrades, concitariam o furor da Inquisição contra a ordem de Inácio de Loyola. Ordenam-lhe, em 1644, que regresse ao Brasil. O rei impede que a ordem se cumpra. Ameaçam-no com a expulsão, o que seria colocá-lo nas mãos do Santo Ofício. De novo, o rei se opõe e oferece a Vieira um bispado. Recusa-o. Ele é, diz, um humilde membro da Companhia de Jesus e assim quer morrer. Por um momento, para não desagradar ao monarca a Companhia suspende a expulsão.
A Inquisição, porém, vai segui-lo, obstinadamente, até o apanhar.
António Vieira continuará a defender os cristãos novos, no púlpito, em memoriais que entrega ao rei. O seu plano económico teve de ser minimizado: apenas se constituiu a Companhia de Comércio do Brasil.
Em 1646, D. João IV envia-o, secretamente, a França e à Holanda. O apoio dos gauleses na guerra com a Espanha era insuficiente e o da Holanda, pérfido. De facto, no Brasil, os holandeses continuavam os ataques para ocuparem as posições portuguesas. São más as notícias que Vieira traz: em França governa o cardeal Mazarino cuja visão tímida atrasa os auxílios, com receio de Castela; na Holanda, o apoio joga-se a troco de cedências no Brasil, sobretudo Pernambuco. Vieira contacta os riquíssimos comerciantes judeus, descendentes dos que D. Manuel expulsara. Mostram-se interessados no investimento comercial. Mas em Portugal a Inquisição mantém a perseguição aos cristãos novos, com redobrado furor. Entretanto, em Vestefália a Holanda e Castela assinam um tratado de paz.
António Vieira regressa a Portugal em 1648, depois de declinar a nomeação para embaixador na Haia. Comete, logo a seguir, um grande erro. Num documento que apresentou ao rei, elaborado de forma tão bem deduzida e argumentada que ficou conhecido como papel forte, propõe que Portugal compre Pernambuco aos holandeses. O jesuíta, que tão bem conhecia o Brasil, os colonos e os nativos, não acreditou na sua capacidade de resistência aos invasores, o que veio a acontecer.
O estado da guerra com Castela atinge um ponto crítico. As armas portuguesas estão debilitadas. Receia-se uma invasão maciça pelo Alentejo. Teme-se o colapso do exército português. Mais uma vez, D. João IV recorre a Vieira. Só uma acção diplomática poderá pôr termo à contenda.
É então que o jesuíta, fértil de imaginação, vai engendrar um plano mirabolante.

O QUINTO IMPÉRIO

Retrato equestre de Cristina da Suécia - de S. Bourdon, Museu do Prado, Madrid.
António Vieira, pregador régio. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo?

 Há muito António Vieira escreve em segredo um livro sobre o V Império, inspirado pelas profecias bíblicas, mas em que o Bandarra se integra, tal o apreço em que Vieira o tem. O velho sonho: dar a Portugal a sua grandeza antiga.
Estudando profundamente as Escrituras e todos os Santos que falam do imperador que Jesus prometera à Igreja, o jesuíta está firmemente convencido que o V Império só pode ser português (os anteriores tinham sido o dos assírios, o dos persas, o dos gregos e o dos romanos).
Baseado nas palavras de Jesus ao rei Afonso Henriques na batalha de Ourique (na época, uma verdade incontestada), "quero em ti e na tua geração criar um império para mim", António Vieira crê que o rei escolhido é o Encoberto, até aí D. Sebastião. Perdida essa esperança, o pregador interpreta a linguagem vaga e esotérica das profecias para concluir que esse rei é agora D. João IV. O Quinto Império seria de ordem temporal e espiritual. Em ambos os campos, Portugal seria o guia para que se extirpassem as seitas infiéis, se reformasse a cristandade, se estabelecesse a paz em todo o mundo, através de um Sumo Pontífice santíssimo.
Esta construção ideal de António Vieira, prodígio imaginativo e delirante, começaria a tornar-se realidade se o príncipe herdeiro português casasse com a herdeira do trono castelhano. Iniciar-se-ia o Império, com Castela e Portugal sob o mesmo rei. Com novas e confusas efabulações António Vieira transfere o Encoberto para o príncipe D. Teodósio.
O rei é seduzido pelo plano. Envia Vieira a Roma para os primeiros contactos com o embaixador espanhol na cidade papal. Mas o diplomata não rejubila com a proposta. Vê nela um ardil que desconhece.
O Conde-duque de Olivares que governa Espanha fica, igualmente de pé atrás. Sabe que Vieira, nos anos anteriores andara por França e Holanda a intrigar contra os castelhanos. A sua visão curta não detecta o ponto fraco do plano português: obviamente, a aliança colocaria Portugal na dependência de Espanha, tal a diferença de poderio entre as duas nações. Pensa que a proposta revela a fraqueza das armas portuguesas e decide usar a força para derrubar D. João IV. Saiu-se mal, como o provou a História.
Mas Vieira levava uma missão sigilosa: apoiar os napolitanos, então sob o domínio de Castela, na sua revolta. O embaixador espanhol descobre a intenção e manda matar o jesuíta que escapa à morte por ter sido avisado a tempo. O plano falhava totalmente. Regressa a Portugal em 1649 - o ano em que o padre jesuíta Martim Leitão o denuncia à Inquisição, pela primeira vez.
Em Lisboa, os muitos inimigos de Vieira conspiram contra ele junto do rei já desagradado com a falta de previsão no caso de Pernambuco e agora com o malogro do casamento. Aparentemente, porém, as relações entre D. João IV e Vieira mantém-se inalteráveis. Até que, em Novembro de 1651, D. Teodósio, de quem o padre era preceptor, resolve, sem conhecimento nem autorização do pai, fazer uma incursão pelo Alentejo para tomar contacto com a guerra que ali se encarniça. Atribui-se a Vieira a instigação de tal atitude. E D. João IV afasta-o, delicadamente, do seu convívio.
É o momento que a Companhia de Jesus espera: em Novembro de 1652 ordena-lhe que regresse ao Brasil, como missionário no Maranhão.
Desta vez, o rei nada faz para contrariar a sua partida.

EM LUTA CONTRA OS COLONOS

Retrato do Padre António Vieira - Pintura a óleo sobre tela.
 As tempestades e os ataques dos corsários, mais uma vez, tornam a viagem de Vieira, um calvário. Mas dor maior é a que leva - perdeu a estima do rei, fracassou em algumas das suas iniciativas políticas, aumentou o número de inimigos, tanto na Igreja como na Corte. Tudo o que fizera tinha o prestígio e o desenvolvimento de Portugal como meta. Homem de invulgar inteligência, cometeu um grave erro: supôs que os outros eram dotados de igual inteligência e o compreenderiam. Por um lado, vai destroçado, por outro, invade-o grande alegria: retorna à sua vocação de missionário. À medida que se aproxima da ilha de Maranhão a sua alma renova-se. Tem à vista as paisagens amadas da juventude, o luxuriante Brasil. O desterro é, a pouco e pouco, esquecido.
Mas, breves dias depois, dá conta do caos moral das gentes de Maranhão, sobretudo dos brancos, apenas preocupados com enriquecimento sem regras, dissolutos, impiedosos. Os índios vivem na maior das misérias e à mercê dos colonos. Logo nos primeiros sermões ataca violentamente a licenciosidade dos costumes e o odioso regime da escravatura que, lá de longe, denuncia ao rei. Tenta incursões no interior, as entradas no sertão, para proteger os indígenas e os negros que começam a vir de África. Consegue apenas a animosidade e o ódio das autoridades oficiais e dos colonos. De nada adiantam os relatórios para Lisboa narrando os crimes que presencia. Mas, com a energia de ferro que sempre caracterizou o seu corpo frágil e enfermiço, desenvolve uma enorme actividade procurando minorar o sofrimento dos mais infelizes, visita os presos, funda um hospital, reparte a sua alimentação, catequiza, fulmina o vício e a luxúria. Escreve, escreve sempre. Tem pronto a terminar um livro, Esperanças de Portugal que envia ao seu amigo André Fernandes, bispo do Japão. Nesse texto, retoma a questão do V Império, imaginando, reformulando, adaptando as profecias.
Embora a Companhia, ali no Brasil, o apoie, pouco pode contra os interesses instalados. O feudalismo rural, fundamento da estrutura económica do Brasil, estava a ser solidamente implantado - e, para tal, os escravos seriam pedras basilares.
Talvez os jesuítas se não tenham apercebido o quanto de inelutável havia na caminhada económica do Brasil - os índios fugiam para o sertão, mas chegavam os negros em quantidades inenarráveis.
António Vieira concebe outra quimera, desta vez em acordo com os companheiros jesuítas: irá, de novo, a Portugal, por pouco tempo. O tempo apenas necessário para, com a sua eloquência, convencer o rei a ditar os decretos que ponham fim ao descalabro moral e social por que o Brasil enveredara.
Antes, porém, na catedral de S. Luís irá pronunciar o seu mais belo sermão, o de Santo António aos peixes - alusão parabólica ao estado das coisas na colónia.
Embarca, às escondidas das autoridades e dos brancos, a 17 de Junho de 1654. Só assoma à capital em Novembro depois da mais tormentosa das viagens: próximo dos Açores a nau sofre terrível tempestade e o jesuíta julga chegado o último dos seus dias; salvo da borrasca, o navio é assaltado pelos piratas holandeses que tudo saqueiam e deixam Vieira e os companheiros, sem roupas e bens nas praias da Graciosa.

DOIS AMIGOS QUE SE SEPARAM


O Padre Vieira odiado na Corte. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? 
 O rei, muito doente, acolhe-o com carinho. O tempo de separação levara o monarca a avaliar melhor o padre. Reconhece-lhe todas as qualidades, perdoa-lhe os erros passados, pede-lhe insistentemente para que fique a seu lado.
António Vieira pode ser tudo o que intrigam, um lunático, um inquieto e ambicioso, um incapaz político. O rei sabe, todavia, que é um amigo leal, desinteressado, bondoso. E, perto da morte, não quer perder a sua companhia e conselho.
Na Corte, porém, odeiam-no. Pela amizade que o rei lhe dedica, pelos sermões duríssimos com que caustica a sociedade portuguesa, pela estranha mania de estar contra os poderosos desonestos e a favor do povo. Querem-no longe, lá no sertão, entre os selvagens.
Após alguns sermões em que, como sempre, António Vieira revela, a par da espantosa cultura, o sentido de justiça e a independência de carácter, D. João IV entrega-lhe o decreto em que os jesuítas passam a ter inteira jurisdição sobre os índios. Daí em diante, as autoridades locais jamais poderão intervir na missionarização, jamais poderão servir-se dos indígenas como escravos. Era o que Vieira pretendia. O rei designa André Vidal para governador do Pará e do Maranhão. André Vidal é um herói da vitória portuguesa sobre os holandeses, amigo de Vieira, sensível aos problemas dos índios e dos negros.
E, como prometera, em Maio de 1655 eis o pregador de novo no Maranhão, portador das melhores notícias. Recusa o convite do rei para ficar. Para sempre, os dois amigos separam-se. D. João IV morre no ano seguinte.

O TEMPO FELIZ E A EXPULSÃO


Embarque forçado do Padre Vieira, no Maranhão - ilustração no livro de André de Barros, Vida do Apostolico Padre Antonio Vieyra
 É prodigiosa a acção de Vieira e dos jesuítas até 1661. Visitador e superior de todas as missões, o padre está em permanente viagem pelo interior do Brasil. Foi o tempo, como ele diz, mais feliz da sua vida. Será também, no termo, o período mais difícil e perigoso. A evangelização dos índios e a sua protecção ocupam-no completamente - quase, porque algumas horas lhe sobram para iniciar a publicação dos seus sermões, agora por sugestão da própria Companhia de Jesus.
Os rancores dos colonos e roceiros dirigem-se contra os jesuítas, entre os quais Vieira é o mais combativo e enérgico. Um novo governador, nomeado após a morte do rei, vem substituir André Vidal. Com ele as relações pioram. O padre agrava o conflito. Perante a enorme massa de negros e negras que desembarcam na Baía para serem submetidos à escravidão, Vieira não se cala. Durante um mês prega todos os dias (são os sermões conhecidos como Rosa Mística, do Rosário) abordando o tema da escravatura.
Os jesuítas são acusados de obstar ao desenvolvimento económico do Brasil. Os ódios atingem o auge. Em Maio de 1661, os colonos do Maranhão assaltam a Companhia de Jesus e, logo a seguir, acontece o mesmo com a casa dos membros da Ordem em Belém. É aí que, no momento, está António Vieira. Entre insultos e agressões os jesuítas são aprisionados em várias embarcações, reduzidos à miséria e à fome.
Os amotinados decidem expulsá-los do território brasileiro. Em Setembro de 1661, todos os religiosos, incluindo Vieira, são postos na nau Sacramento e enviados para Lisboa.
Quando desembarca, o padre vem descalço, esfarrapado, doente. Ainda não sabe que na Inquisição entrara a segunda denúncia contra si.

CONDENADO AO SILÊNCIO
Vieira - Gravura no livro Vida do Apostolico Padre Antonio Vieyra, de André de Barros

O tribunal do Santo Ofício condena o Padre Vieira. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? 
 Os acontecimentos na capital portuguesa sucedem-se vertiginosamente. D. Luísa de Gusmão, a viúva de D. João IV, assume a regência e a tutela dos filhos menores, D. Afonso VI e o príncipe D. Pedro. Acolhe António Vieira com amizade e admiração. Reintegra-o na sua função de pregador régio. Mas na Corte fervilham as intrigas, o jesuíta é pessoa indesejada.
Em torno de Afonso VI reúne-se uma camarilha de jovens delinquentes, chefiados por António Conti, um italiano que estimula a vida devassa do futuro rei. Por outro lado, o Conde de Castelo Melhor tenta dominar Afonso VI e orientá-lo politicamente.
Vieira defende-se vigorosamente das acusações que emissários vindos do Brasil formulam contra os jesuítas. Luísa de Gusmão apoia o padre. Substitui o governador do Pará e do Maranhão. As notícias que chegam dão conta da nova situação dos índios: organizam-se autênticas caçadas para os transformar em escravos.
A guerra com Espanha prossegue. Algumas vitórias do exército português são as únicas notícias felizes da época.
Vieira, conselheiro da rainha, talvez a contragosto, reentra na política. É ele quem a convence a expulsar do país a turba que rodeia D. Afonso. Presos, são degradados para o Brasil. Mas o Conde de Castelo Melhor e outros nobres retaliam e obrigam D. Luísa de Gusmão a ceder a governação efectiva do reino ao príncipe herdeiro.
Vieira é imediatamente desterrado para o Porto. Está, agora, nas mãos da Inquisição que já pode pronunciá-lo. Do Porto enviam-no para o Colégio da Companhia em Coimbra, negando-lhe a possibilidade de regresso ao Brasil. A 1 de Outubro de 1663 o Santo Ofício manda-o recolher aos seus cárceres de custódia. Novas denúncias tinham dado entrada na Inquisição.
O jesuíta adoece gravemente. Havia uma peste em Coimbra. Crê-se que ficou tuberculoso. Cospe sangue vermelho, fazem-lhe sucessivas sangrias. No cárcere escreve a História do Futuro e consegue humorizar, em carta a D. Rodrigo de Meneses: "eu passo como permite o rigor do tempo, escarrando vermelho, que não é boa tinta para quem está com a pena na mão". Vai sendo implacavelmente interrogado pelo tribunal.
Entretanto, sucediam-se as vitórias na guerra com Castela, a mais importante a de Montes Claros. Afonso VI casa com Maria Francisca de Sabóia. O casamento não se consuma. D. Luísa de Gusmão morre em 1666.
A Inquisição levanta as acusações a Vieira: é culpado da defesa calorosa que fez dos cristãos novos, dos contactos que manteve na Holanda com judeus e calvinistas, de propugnar estranhas e heréticas teorias sobre um tal V Império. Vieira defende-se, embora admitindo algumas imputações, a que não dá, porém, qualquer importância quanto a atentado contra a fé católica.
D. Afonso VI é encarcerado em Sintra. O irmão, D. Pedro, é o novo regente.
A 23 de Dezembro de 1667, o tribunal do Santo Ofício dita a sentença condenatória do padre António Vieira: "é privado para sempre de voz activa e passiva e do poder de pregar, e recluso no Colégio ou Casa de sua religião, que o Santo Ofício lhe ordenar, e de onde, sem ordem sua, não sairá". Não o autorizam a ir para o estrangeiro para que não possa atacar a Inquisição. Em 1660 frei Nuno Vieira já antecipara esta sentença na frase que proferira: "é preciso mandá-lo recolher e sepultá-lo para sempre".
Permitem-lhe apenas que se instale no Noviciado da Ordem em Lisboa.
Em Março de 1668 fazem-se as pazes com Castela, derrotada pelas armas. D. Pedro casara com a que fora sua cunhada, após a anulação do matrimónio com D. Afonso VI.
A 12 de Junho de 1668 Vieira é libertado. Está, todavia, proibido de nos seus sermões tratar de assuntos relacionados com cristãos novos, profecias, V Império, Inquisição. Dez dias depois prega na Capela Real um sermão comemorativo do aniversário de Maria Francisca de Sabóia.
Já não é tão bem recebido na Corte. D. Pedro pende mais para os dominicanos. Não precisa de António Vieira.
Os superiores da sua Ordem enviam-no a Roma com a incumbência de promover a canonização de 40 jesuítas presos nas Canárias e martirizados pelos protestantes em 1570. Mas Vieira vai, também, por outro motivo: quer, na Santa Sé, obter a anulação total da sentença condenatória do Santo Ofício. Foi humilhado e injustiçado. Está de novo em luta. Luta que vai vencer.
Em Setembro de 1669 embarca para Roma. Demora dois meses a chegar. Novamente a viagem foi terrível, com dois naufrágios que o levaram a parar em Alicante e Marselha.

VITÓRIA SOBRE A INQUISIÇÃO

 A personalidade de Vieira, a sua energia, a sua exuberância, rapidamente conquistam a cidade italiana. Por toda a parte é recebido com admiração, carinho e respeito - a prova aí está: Cristina da Suécia convida-o para pregador (mais tarde quererá que ele seja seu confessor, convite que Vieira também vai recusar, o Brasil é o seu objectivo).
Aflige-se, na correspondência privada, com o estado de Portugal. Apesar da estrondosa vitória sobre Castela, o país não progride, não é capaz de voltar à "grandeza antiga". Previa - e acertava - que, dentro em pouco, a Inglaterra e a França ir-se-iam aproveitar da fraqueza do reino para se apossaram do melhor que Portugal ainda teria no Oriente.
Desobedecendo ao que lhe impusera a Inquisição, em Roma volta a tomar posição a favor dos cristãos novos e dos judeus em quem confia para o ressurgimento do país. E pior: ataca a própria Inquisição em cartas para os amigos (bons amigos, que não o denunciaram).
Desdobra-se em vários contactos para, na Sé apostólica, pôr em cheque os métodos inquisitoriais e envia ao Papa um memorial acerca do assunto. O farisaísmo do Santo Ofício. ("por aqui se diz que em Portugal é melhor ser inquisidor do que rei", escreve) cria uma péssima reputação a Portugal. Mas D. Pedro II está dominado pelos dominicanos do tribunal e receia-os. O Papa, porém, mostra-se receptivo. O processo de Vieira é reanalisado. Os revisores espantam-se. Como foi possível condenar quem deveria ser louvado? Terá dito Vieira: "ouviu-me quem me não entendeu e sentenciou-me quem me não ouviu".
Até que o Papa, num breve, isenta o padre António Vieira "perpetuamente da jurisdição inquisitorial". Poderia pregar sobre o que quisesse e apenas estava sujeito às regras da sua Ordem. O Pontífice vai mais longe: Suspende os autos-de-fé em Portugal (suspensão que foi curta).
Durante os anos de vida em Roma o padre alcança enorme prestígio. Aprende italiano para poder pregar nessa língua. Os sermões que pronuncia em terras transalpinas são de uma excepcional qualidade literária, espiritual e filosófica. A tal ponto que o Colégio dos Cardeais lhe pede para que pregue na sua presença.
A 22 de Maio sai de Roma, a caminho de Portugal. Vencera a partida com o Santo Ofício. A partir do breve papal a Inquisição não poderá tocar-lhe.
A sua saúde que, desde a meninice, é frágil, agrava-se. Com permanentes acessos de febre, olhado indiferentemente pela corte do regente D. Pedro, Vieira parte em busca de melhor clima, o do Brasil, em Janeiro de 1681.
Aproveitara o tempo em Lisboa para compilar e ultimar os Sermões, cujo primeiro volume sai em 1679.

O FIM AOS 90 ANOS

António Vieira outra vez coagido ao silêncio. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? 

 A sua vida está na recta final. Tem 74 anos. Vive na Baía.
O Papa Inocêncio XI revoga o breve do seu antecessor. Em Portugal, a Inquisição levanta contra ele toda a espécie de calúnias. O velho jesuíta pode cair, de novo, na sua alçada. No pátio da Universidade de Coimbra queimam-no em efígie com sanha insensata.
No Brasil, atacam-no através de acusações ao irmão Bernardo, então secretário de estado da Baía - opusera-se este às arbitrariedades do novo governador. Vieira intercede em defesa do familiar, é insultado e expulso violentamente do palácio do governador. A fibra de Vieira não esmorecerá e três anos depois o irmão é inocentado.
Aos 80 anos, doente, enfraquecido pelas constantes sangrias a que é submetido, o Geral da Companhia nomeia-o Visitador Geral do Brasil.
Aí está de novo o estóico padre " na estrada" e nas montanhas, a pé pelas serranias e selvas na sua tarefa de evangelização. Mas, em Maio de 1691, as forças abandonam-no e resigna ao cargo.
A debilidade, a falta de dentes, a surdez, mais tarde a perda de visão impedem-no de pregar. Pode, finalmente, morrer em paz, pensa. Não.
Ainda vai ser incriminado por, na Baía, ter tentado influenciar a votação do procurador da Ordem e por se opor a nova legislação dos índios, uma vez mais contra estes. Retiram-lhe a voz activa e passiva. Insurge-se. Apela ao Geral da Companhia, em Roma, pedindo-lhe que reveja o seu processo.
Vai ganhar mais esta batalha. A 17 de Dezembro de 1697 o Geral dos Jesuítas declara nula e sem valor a resolução que o privara de voz.
Mas António Vieira já não está entre os vivos. A 18 de Julho daquele ano, pela uma da madrugada, morre o que foi e é o maior prosador da língua portuguesa, aquele que, um dia, dissera, desalentado: "não me temo de Castela, temo-me desta canalha".


ONDE ESTÃO OS OSSOS DE PADRE ANTÔNIO VIEIRA?

  Ninguém sabe onde param os ossos do padre António Vieira, um dos maiores luso-brasileiros de todos os tempos. Também nunca ninguém terá procurado. Sabe-se que o seu corpo, sepultado na igreja do Colégio, hoje a catedral da arquidiocese, foi exumado em 1720 e os seus ossos guardados numa arca que devia ser enviada para Portugal, o que nunca terá acontecido e ninguém sabe onde essa tal arca foi parar. Qualquer caça ao tesouro parte sempre de alguns dados históricos e de uma considerável dose de especulação que acaba por conduzir a algumas hipóteses e a caminhos possíveis. Foi assim que muitos apaixonados por factos históricos relevantes encontraram restos de galeões afundados e recuperaram os seus tesouros, que se descobriram antigas cidades há séculos desaparecidas e se corrigiram preconceitos sobre factos e personagens de tempos remotos. Seguindo o mesmo processo podemos encontrar pistas pelo caminho que nos levam até ao mistério dos ossos do grande pregador. O padre António Vieira faleceu a 18 de Julho de 1697 com 89 anos e dois dias depois faleceu o seu irmão Bernardo Vieira Ravasco com 80 anos. O irmão do jesuíta tinha ocupado o segundo cargo mais importante da colónia como secretário do Estado e da Guerra, desde 1649. Era ainda provedor da Santa casa da Misericórdia, Alcaide de Cabo Frio e foi a sepultar com o hábito da Ordem de Cristo. O prestígio dos dois irmãos na colónia e no reino era enorme e ambos tinham aquele espírito galhardo e empreendedor, que os levava por vezes a tomar posições contundentes. São mais conhecidas as posturas e as brigas do jesuíta, mas, o irmão mais novo também se meteu em sarilhos que o levaram por duas vezes à prisão, muito embora desempenhasse um cargo tão prestigioso. Quando o padre estava preso nos calabouços da Inquisição de Coimbra à espera da sentença, em 1667, o irmão estava interdito de se afastar dos seus aposentos, por mais de um ano, acusado de conspiração contra o governador de então, D. Vasco Mascarenhas, conde de Óbidos. Mais tarde, em 1683, já o padre tinha regressado à Bahia, a família Vieira Ravasco foi acusada de cumplicidade no assassinato do alcaide da cidade pelo então governador António Sousa Meneses, o Braço de Prata. E vai daí, foram mais dois anos de prisão, desta vez no refúgio de dois conventos, onde partilhou a detenção com o poeta irreverente e debochado Gregório de Mattos, o Boca do Inferno, também acusado do mesmo crime. Bernardo Vieira Ravasco nunca se casou, mas teve dois filhos e uma filha de uma dama de boa família, D. Felipa Cavalcanti de Albuquerque. O segundo filho chamava-se Gonçalo Ravasco Cavalcanti de Albuquerque e tinha 24 anos quando do assassinato do alcaide. Conseguiu fugir do colégio dos jesuítas onde se tinha refugiado e embarcou para o reino onde veio defender a inocência da família, com a ajuda do tio que despachava cartas de raiva e indignação para os seus correspondentes em Lisboa. Gonçalo herdou do pai as qualidades e os defeitos dos Vieira Ravasco, desde o espírito galhardo louvado por Gregório de Mattos até ao posto de secretário de Estado e da Guerra, quando Bernardo Vieira Ravasco adoeceu. Para honrar o sobrinho o jesuíta escreveu e talvez tenha pregado um sermão famoso em honra de São Gonçalo em 1689. À morte do pai e do tio, Gonçalo tinha 38 anos. A mãe de Gonçalo tinha uma irmã mais velha chamada Maria, por quem um outro vulto extraordinário do século XVII, D. Francisco Manuel de Melo, se apaixonou quando esteve degredado na Bahia durante pelo menos três anos, até 1658, e dela teve uma filha, Bernarda, cujo padrinho foi Bernardo Vieira Ravasco. Gonçalo faleceu em 1725 aos 66 anos e era cavaleiro da Ordem de Cristo (o seu pai apenas obteve o hábito da Ordem por causa da avó paterna negra que o classificava de sangue impuro). Está sepultado na mesma tumba do pai, junto ao altar do Santíssimo da igreja da Ordem Terceira do Carmo em Salvador da Bahia. É lícito especularmos que sendo ele o secretário do Estado e da Guerra e sobrinho do padre António Vieira, ter-lhe-á sido confiada a guarda da preciosa arca onde foram guardadas as ossadas do jesuíta, enquanto se aguardava o melhor momento para a transferência para o reino. Havia porém grandes polémicas com os jesuítas e a Inquisição portuguesa a propósito dos textos de Vieira da Clavis Prophetarum. Tinha sido publicado em 1718, com grandes aplausos dos censores, o texto da História do Futuro, escrito mais de 60 anos antes, mas a grande obra da vida do jesuíta estava envolta em polémicas, sequestros e indecisões. Enquanto se decidia o que fazer com os ossos do padre, é muito natural que Gonçalo tivesse depositado a arca no jazigo da família, na igreja do Carmo. Se alguém tiver a coragem de ir verificar o jazigo dos Vieira Ravasco ao pé do altar do Santíssimo na Igreja da Ordem Terceira do Carmo e se lá encontrar três urnas, uma delas é certamente a do padre António Vieira. Patria Ingrata, non possidebis ossa mea – pátria ingrata, não possuirás os meus ossos. São estas as palavras que Vieira colocou na boca de um vice-rei da Índia, Nuno da Cunha, indignado pela injustiça de que foi vítima e que morreu num naufrágio de regresso a Portugal. As palavras eram as do epitáfio de Cipião o Africano, que foi morrer longe de Roma, desiludido e indignado. Naquele sermão que nunca chegou a ser pregado (Roma, 1671) o jesuíta despejava toda a raiva que lhe assombrava a alma. E até hoje nenhuma das pátrias de Vieira sabe onde pousam os seus ossos.

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL



 A Inquisição em Portugal não pode ser desligada do contexto peninsular. Os reis de Castela e Aragão nunca pararam de pressionar os reis de Portugal a seguirem o seu exemplo, matando ou expulsando os judeus. Desde a independência de Portugal, em 1128, que os reis portugueses deram mostras de uma enorme tolerância para com o judaísmo. D. Afonso II, por exemplo, impediu que o dominicano Frei Soeiro Gomes, instaura-se a Inquisição em Portugal (1219). Permitiu inclusive que os judeus tivessem escravos cristãos. D. Afonso III e D. Dinis atribuíram-lhes privilégios que negavam aos cristãos: não os obrigavam ao pagamento do dizimo à Igreja Cristã, dispensando-os inclusive do uso de sinais distintivos. No reinado de D. Fernando e de D. João I, enquanto em Castela e Aragão, os judeus eram perseguidos em Portugal eram tomadas medidas especiais para a sua protecção. Com D. Afonso V, os judeus desfrutam de uma grande protecção, liberdade e apoio real. O judaísmo estava profundamente disseminado na cultura em Portugal, nunca se afirmando como uma cultura distinta. A situação dos portugueses judeus altera-se bastante com D. João II, devido a um facto da maior relevância. Num curto espaço de tempo entram em Portugal, mais de 100 mil judeus fugidos de Castela e Aragão (1492). Ocorre então um enorme aumento populacional em muitas localidades do país, alterando o próprio equilíbrio entre cristãos e judeus. Portugal passa a ser conhecido como uma nação de judeus, uma ideia muito difundida internacionalmente até final do século XVIII. D. Manuel I (1495-1521), sob pressão directa dos reis de Castela e Aragão, mas também da Santa Sé, é compelido a "expulsar" todos aqueles que não quisessem aderir ao cristianismo. A esmagadora maioria, em 1497 aceitou fazê-lo, passando a viver uma vida dupla: em público eram cristãos, em privado judeus. Início D. João III ficou ligado ao estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536), cerca de 58 anos depois da sua instituição em Espanha. O processo foi longo, pois os homens da Igreja em Roma, exigiam um alto preço. Os cristãos novos, utilizando todos os meios, incluindo o suborno da Curia Romana, conseguiram durante vários anos impedir a autorização papal. Entre os muitos clérigos do Vaticano que enriquecerem à custa dos cristãos novos portugueses, conta-se o núncio do papa em Portugal - Hieronimo Ricenati Capodiferro. D. João III, acabou por ganhar, pagando em subornos um preço mais alto: O Cardeal Farnese recebeu em pagamento o Bispado de Viseu, além de uma renda anual de cerca de 20.000 ducados. O Cardeal Santiquatro, velho amigo do rei obteve uma pensão anual de 1500 cruzados e o Cardeal Crescentiis uma pensão de 1.000 cruzados (1). O objectivo do rei e da Igreja Católica era a perseguição dos cristãos novos, dado que estavam convencidos que todos eles continuavam em segredo a manter as suas crenças judaicas. Na prática tratou-se de um expediente para confiscar (roubar) os bens dos cristãos novos, a elite empreendedora do país. A Igreja Católica portuguesa entre 1536 e 1821 teve sempre duas preocupações fundamentais: - Assegurar que fosse garantido o confisco (roubo) dos bens dos cristãos novos, uma das suas grandes fontes de receitas. - Impedir a sua saída dos cristãos novos de Portugal, de modo a manter a sua fonte permanente de rendimentos. A Santa Sé chegou a acusar a Igreja portuguesa de estar a escravizar os cristãos novos. Os constantes conflitos entre os clérigos portugueses e o papa, a respeito da Inquisição, raramente envolveram problemas doutrinais, a questão recorrente era a possibilidade do confisco (roubo) dos bens dos condenados. Mais 1539-1578: D. João III e D. Sebastião A organização da Inquisição em Portugal foi obra do Cardeal-Infante D. Henrique, Inquisidor-Geral durante 40 anos. Define desde logo como principal objectivo a perseguição e o saque dos cristãos novos, mas também o combate aqueles que tenham ideias doutrinais ou literárias que ultrapassem os limites da ortodoxia católica. O primeiro Auto de Fé ocorreu em Lisboa a 20/09/1540, que provocou quase de imediato um sério problema económico. Em 1544 a Feitoria de Antuérpia, na Flandres, onde predominavam os cristãos-novos apresenta dividas de três milhões de cruzados. D. João III ainda consegue salvar o estado da bancarrota. Os Actos de Fé são suspensos entre 1544 e 1548, assim como o confisco de bens entre 1546 e 1556. A morte do rei em 1557 precipita tudo. Portugal passa a ser governado por uma rainha espanhola, tia de Filipe II de Espanha, a Inquisição adquire nova força, as perseguições aumentam. O país entra pela primeira vez na sua história em bancarrota (Alvará de 2/2/1560). D. Sebastião a troco de 250 mil cruzados, em 1577, suspende o confisco de bens e permite a saída dos cristãos novos do reino. Estas iniciativas tiveram sempre a viva oposição do inquisidor-geral. Apesar da enorme barbárie este período, foi comparativamente menos cruel do que o seguinte. Tribunal de Lisboa Tribunal de Évora Tribunal de Coimbra Condenados Executados Condenados Executados Condenados Executados 1540-49 50 40 230 85 4 1550-59 3? 115 7 ... ... 1560-69 224 16 283 427 19 1570-79 85 14 285 359 26 Fonte: Torres . 1580-1640: Período dos Reis Espanhóis O período da ocupação de Portugal pela Espanha, entre 1580 e 1640, marca uma época de terror. Até 1580 foram apenas 18 o número de familiares da Inquisição. A partir de 1580 tudo aumenta de forma vertiginosa. Número de comissários, familiares e até os ordenados dos Inquisidores e funcionários do "Santo Ofício". Foi decisivo neste processo, a nomeação para Inquisidor-Geral de Portugal entre 1585 e 1593 do arquiduque Alberto, filho do imperador Maximiliano II, sobrinho de Filipe II. Os reis de Espanha passam a dar instruções directas aos inquisidores portugueses, apontando-lhes alvos e reclamando o produto dos saques (47). Não raro eram chamados a Madrid. A intolerância religiosa pressionada pelo rei e a Inquisição espanhola alastrou por Portugal. O número de presos e mortos (relaxados) não tardou a subir, o terror instalou-se acompanhado pelo saque (confisco) dos bens dos que caíam sob a alçada dos inquisidores. Entre 1540 e 1821 foram instaurados 44.817 processos e executadas 2.064 pessoas , das quais cerca de 600 em estátua. Mais de 80% das vitimas correspondem aos 60 anos de ocupação espanhola, levando a uma fuga em massa da população entre 1620 e 1640. Depois desta data até 1821 foram mortas 200 pessoas, muitas delas em estátua. Foi no "período espanhol" que os inquisidores fazem a sua primeira visita ao Brasil (Bahia,1591). Em 1626 expande-se também para África. As perseguições de cristãos-novos, por volta de 1630 no Algarve e em Goa, destroem importantes redes internacionais de comercio e de capitais, provocando um duro golpe na economia do país, contribuindo desta forma para a desagregação do Império português.
 1641-1656 : D. João IV Pouco depois da restauração da independência de Portugal, em 1641, o inquisidor-geral, que fora nomeado pelos espanhóis, parece envolvido numa conspiração para matar o novo rei (D. João IV). A Inquisição procurou boicotar a aplicação do Tratado de Paz de Portugal e a Holanda (12/6/1641). Contra o estipulado no Tratado de Paz e as ordens de D. João IV, julgou e matou portugueses, como Isaac de Castro (Dez.1647) que se haviam aliado aos holandeses na guerra contra os espanhóis. D. João IV quando proibiu o confisco de bens pela Inquisição, em Maio de 1647, foi excomungado pelo Inquisidor-Geral, alegando que a Inquisição não obedecia às ordens do rei. Dois anos depois nova tentativa do monarca para proibir o confisco de bens e nova recusa da Inquisição, uma luta que se prolongou até à sua morte do rei em 1656 (44). Depois de morto, as suas ossadas foram tiradas do caixão à vista um vasto bando de católicos fanatizados. O cadáver despojado das suas vestes reais, foi estendido aos pés do Conselho Geral do Santo Ofício. Um acto de suprema humilhação a que tiveram que assistir, a rainha D.Luisa de Gusmão e os dois principes. Só depois de ser lido o processo secreto a que D. João IV fora objecto pela Inquisição é que a absolvição foi dada pela Igreja Católica, através dos seus inquisidores (2). O Padre António Vieira demonstrou que a Inquisição em Portugal, defendia o partido dos espanhóis, e tudo fazia para arruinar o país: "(...) certos ministros religiosos são conhecidamente favorecedores da parcialidade de Castela e tão obrigados a ela, e mais castelhanos no afecto, que os mesmos castelhanos"(45). 1656-1750: D. Afonso VI, D. Pedro II e D. João V A Inquisição afirma-se ao longo de todo o século XVII como Estado dentro do Estado, apoiada no terror e sustentada pelos bens confiscados aos condenados. É por esta razão que não pára de descobrir novos "judeus"no país e nas colónias. Durante o reinado de D. Afonso VI (1656-1667) a Inquisição vê reforçado o seu poder. A Igreja Católica portuguesa, imitando a espanhola, reclama agora o extermínio de todos os cristãos novos, mobilizando para tal bandos de fanáticos pelo país. O célebre roubo na Igreja de Odivelas, em 1671, prontamente atribuído a judeus, insere-se nesta estratégia de terror e de saque. O número de condenados e executados só tem paralelo com o período dos reis espanhóis. As populações de Trás-os-Montes e da Beira Interior são massacradas e espoliadas dos seus bens. A partir do inicio do século XVIII, os inquisidores viram-se para o Brasil, procurando apropriarem-se dos bens dos mineiros e proprietários de engenhos de açúcar. D. Pedro II (1668-1707), mostrou-se no inicio do seu reinado mais aberto a limitar o poder da Inquisição, mas logo encontrou pela frente a resistência da Igreja católica e dos seus bispos. O saque dos cristãos-novos constituía uma fonte de receitas que a Igreja não estava disposta a abdicar, não parando de "fabricar" judeus. O Vaticano influenciado pela acção do padre António Vieira, suspendeu a Inquisição entre 1674 e 1681. O último Auto de Fé no Terreiro do Paço foi realizado em 1683, três anos depois da última cerimónia pública na Plaza Mayor de Madrid. Os Autos de Fé passaram a realizar-se no interior das igrejas. O que excitava as multidões era contudo as execuções: pessoas a serem queimadas vivas ou mortas. Auto de Fé, no Terreiro do Paço (Lisboa). Gravura de 1682. O reinado de D. João V (1707-1750) prosseguiu de forma menos exuberante, o extermínio e o roubo dos cristãos novos. No estrangeiro as imagens e uma abundante literatura sobre as perseguições e os Autos de Fé realizados em Portugal, continuaram a mostrar um país dominado pelo medo, fanatismo religioso e ignorância. Auto de Fé, na Praça do Rossio (Lisboa). Gravura de 1741 1751-1821 Marques de Pombal em 1775 aboliu a distinção entre cristãos-novos e velhos em Portugal, em Espanha manteve-se durante quase um século. O último Auto de Fé em Portugal foi em 1781 (Évora), no país vizinho em 1826. A Inquisição foi extinta em Portugal em 1821 e só 13 anos depois em Espanha. Carlos Fontes Notas: Novinsky, Anita - O Tribunal da Inquisição em Portugal 450 anos do seu estabelecimento, in, A Inquisição em Portugal. Biblioteca Nacional. Lisboa.1987.  Moreira, António Joaquim; Lourenço D. Mendonça, José - História dos Principais ... p.132-133 42) Bettencourt, Francisco - Inquisição, in, Dicionário de História Religiosa de Portugal (43) Fortunato de Almeida - História de Portugal, Vol. II, pp.425-426 (44) Filipe, Nuno Augusto Dias - A Inquisição e o Poder do Estado no Tempo de D. João IV, in, Historia, (7/1984)  Anais da Academia Portuguesa de História, vol. VI..  Pereira, Isaias da Rosa - A Inquisição em Portugal. Séculos XVI-XVII-Período Filipino... ed.vega 1993 (uma colecção de documentos inéditos fundamentais para se compreender a actuação do Santo Oficio em Portugal). (50) A Inquisição entrou em Goa em 1561. Para isso muito contribuiu "São" Francisco Xavier (espanhol), que em 1546 escreveu a D. João III indignado com o número de portugueses judeus, que em total liberdade, praticavam o seu culto (cf. Jordão Freitas - Inquisição em Goa ...


Carlos Fontes

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