O MASSACRE DE CUNHAÚ

OS PRIMEIROS MÁRTIRES DOS 500 ANOS DE  EVANGELIZAÇÃO DO BRASIL

No momento em que os brasileiros comemoram os 500 anos de descoberta do País, a Arquidiocese de Natal realiza esforços com o objetivo de tornar este fato conhecido, a nível nacional.

A cerimônia de beatificação aconteceu no dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro, em Roma, presidida por João Paulo II.

História


Em 16 de junho de 1645, o pe. André de Soveral e outros 70 fiéis foram cruelmente mortos por mais de 200 soldados holandeses e índios potiguares.

Os fiéis participavam da missa dominical, na capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú - no município de Canguaretama, localizado na zona agreste do Rio Grande do Norte.

Festa em Cunhaú
“Por seguirem a religião católica, tiveram que pagar com a própria vida o preço da fé , por causa da intolerância calvinista dos invasores.“

Três meses depois, aconteceu outro martírio, onde 80 pessoas foram mortas por holandeses.
Este morticínio aconteceu na comunidade Uruaçu, em São Gonçalo do Amarante - a 18 km de Natal, litoral do RN.

 
Processo de beatificação

Segundo o postulador da Causa dos Mártires, Mons. Francisco de Assis Pereira, "a memória dos servos de Deus sacrificados em Cunhaú e Urucu, em 1645, permaneceu viva na alma do povo potiguar, que os venera como ínclitos defensores da fé católica" o processo de beatificação, após dez anos de pesquisas, reconhece o martírio de 30 brasileiros, sendo 2 sacerdotes e 28 leigos.

Santuário dos Mártires

Monsenhor Assis acompanhou o processo de beatificação junto ao Vaticano, por mais de dez anos, reunindo documentos em pesquisas realizadas em Portugal, Holanda e no Brasil. Deste material lançado resultou o livro Protomártires do Brasil, lançado no ano passado.

Monumento aos Mártires, em São Gonçalo
do Amarante, deve ficar repleto
de fiéis que vão reverenciar os
católicos mortos em 1645
Os mártires de Cunhaú e Uruaçu foram chamados de Protomártires porque são "os primeiros brasileiros que derramaram seu sangue pela fé em nossa terra".

O martírio

Entre 1630 e 1654, a região Nordeste do Brasil, do Ceará até Sergipe, foi ocupada pelos holandeses calvinistas, nos tempos em que as guerras de religião eram tristemente vivas na Europa e conseqüentemente nas colônias.

Os holandeses vinham acompanhados por pastores dispostos a converter os índios e a forçar a converção para o calvinismo dos católicos; que se recusavam, perseguidos, às vezes, até à morte.

Com a chegada dos holandeses a Natal, vários moradores fugiram para o interior na esperança de que viessem reforços da Paraíba e de Pernambuco.

Os holandeses os perseguiram e, no dia 14 de dezembro, seis dias após o desembarque em Natal, Mataram Francisco Coelho, sua mulher e seis filhos, e todas as outras pessoas que ali se encontravam, em número de sessenta.

Foi este o primeiro grande morticínio perpetrado, pelos flamengos em solo potiguar.

Cunhaú

A primeira invasão do engenho de Cunhaú pelos holandeses ocorreu em 1634. Passadas as turbulências que caracterizaram o inicio da ocupação, a vida do engenho parecia ter voltado à normalidade.

Ao redor da capela de Nossa Senhora das Candeias, viviam 70 modestos colonos com suas famílias, inteiramente dedicados aos seus trabalhos na lavoura e na moagem da cana.
Igreja de N. S. das Candeias
Nada indicava qualquer alteração neste ritmo, embora fossem freqüentes as incursões naquelas paragens, de um tal de Jacó Rabe, alemão a serviço dos holandeses, sempre liderando soldados e tapuis, semeando por toda parte ódio e destruição.

A simples presença de Rabbi e dos tupuias já constituía motivo suficiente para suspeitas e temores.

No dia 15 de julho, além dos tapuis, Jacó Rabe trazia consigo alguns potiguares e soldados holandeses, uma vez que se apresentava em missão oficial, dizendo-se portador de uma mensagem do Supremo Conselho Holandês do Recife aos moradores de Cunhaú.

No domingo, 16 de julho, aproveitando a presença de um grande número de colonos na igreja para a missa dominical celebrada pelo pároco pe. André Soveral, Jacó Rabe mandou afixar, nas portas da Igreja, um edital, convocando a todos para ouvirem as Ordens do Supremo Conselho, que seriam dadas após a missa.

Muitos compareceram, mas uma chuva torrencial, providencialmente caída naquela manhã, impediu que o numero fosse maior. Chegou a hora da missa. Os fiéis, em grupos familiares e amigos, se dirigiram à igrejinha de Nossa Senhora das Candeias. Levados apenas pela vontade de cumprir o preceito religioso, evidentemente não portavam armas, proibidas pelas autoridades holandesas, mas só alguns bastões que encostaram nas paredes do pórtico.

O pe. André iniciou a celebração. Após a elevação da hóstia e cálice, a um sinal de Jacó Rabe, foram fechadas todas as portas da igreja e começou a matança. Foram cenas de grande atrocidade: os fiéis em oração, tomados de surpresa e completamente indefesos, foram covardemente atacados com a ajuda dos tapuias e potiguares.

Ao perceber que iam ser sacrificados, os fiéis não se rebelaram. Ao contrário, "entre mortais ânsias se confessaram ao sumo sacerdote Jesus Cristo Senhor Nosso, pedindo-lhe cada qual, com grande contradição, o perdão de sua culpa", enquanto o pe. André "exortava-os a bem morrer, rezando apressadamente o oficio da agonia".

A seguir, O morticínio em Uruaçu

As notícias dos graves e dolorosos acontecimentos de Cunhaú se espalharam rapidamente por toda a capitania do Rio Grande e capitanias vizinhas, deixando assustada a população, que temia novos ataques dos tapuias e potiguares, instigados pelos holandeses. Urgia tomar medidas preventivas e defensivas.

Mesmo suspeitando da conivência das autoridades flamengas nesses ataques, alguns moradores influentes do Rio Grande não tiveram outra alternativa senão recorrer ao comandante de Fortaleza dos Reis Magos, cujo nome tinha sido mudado para Forte Ceulen, para ficarem lá sob proteção militar, não sabendo que a hospitalidade terminaria em tragédia.

"A etapa seguinte de Jacó Rabe foi Potengi, onde 70 moradores estavam refugiados numa cerca de pau-a-pique. Acreditava ele se tratar fácil pois os moradores não tinham como resistir por longo tempo e logo se entregariam.

Eles, porém, resistiram heroicamente com as poucas armas à sua disposição: 17 armas de fogo, algumas espingardas, dardos, mosquetes, espadas, e pau tostados....". "Os que não morreram, tentaram resistir...

“O comandante dos holandeses mandou que se despissem e se ajoelhassem enquanto o pastor calvinista suplicou -lhes que abjurassem a fé católica.”

A um sinal dado, os índios, que estavam emboscados, saíram do mato e cercaram os indefesos colonos".

Teve inicio, então a carnificina, descrita com impressionante realismo pelos cronistas portugueses. Nas descrições, nota-se claramente o contraste entre a crueldade e a violência dos algozes e a resignação e o perdão das vítimas:

"Começaram a dar atrozes tormentos aos homens, e tão desunamos, que já muitos dos que padeciam, tomavam por mercê a morte; mas usaram os holandeses da última crueldade, dilatando a pena, e depois de cansados de darem tão aspérrimos tormentos aos homens, os entregaram aos tapuis e potiguares, que ainda vivos os foram fazendo em pedaços, e nos corpos fizeram tais anatomias que são incríveis; arrancando a uns os olhos e tirando a outros as línguas e cortando as partes verendas e metendo-lhas nas bocas (...)" (Santiago).

Mateus Moreira, um dos mártires, é citado por três cronistas, embora com uma divergência de nome, Mateus ou Matias. A descrição de sua morte é o ponto mais expressivo de toda a narrativa em Uruaçu e constitui um dos mais belos testemunhos de fé na Eucaristia, confessada na hora do martírio.

Os algozes arrancaram-lhe o coração pelas costas e ele morreu exclamando: "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".
 
(Extraído do documento divulgado pela pastoral da Comunicação
da Arquidiocese de Natal)

Perfis da fé e do ódio


(Publicação: 30 de Abril de 2009 )

Os nomes das vítimas de Cunhaú e Uruaçu constam de várias crônicas portuguesas do século XVII sobre a guerra contra os holandeses em Pernambuco.

As três principais, nas quais o monsenhor Francisco de Assis Pereira baseou-se para elaborar a lista dos 30 mártires propostos para a beatificação, são as crônicas de Frei Manuel Calado do Salvador (in O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade, de 1648), Diogo Lopes Santiago (in História da Guerra de Pernambuco) e Frei Rafael de Jesus (in Castrioto Lusitano, de 1679).

Abaixo, relação completa dos mártires, com detalhes biográficos de alguns.

Biografia dos Mártires:



1) Padre André de Soveral


O sacerdote é um dos dois brasileiros incluídos na lista para a beatificação. Nasceu em São Vicente, litoral paulsita, em 1572. Como missionário jesuíta catequizou os índios no Nordeste do Brasil. Depois, já no Clero diocesano, foi pároco de Cunhaú, onde foi morto durante a missa com mais 69 fiéis.

2) Domingos de Carvalho

Além do padre André de Soveral, é o único dos fiéis mortos em Cunháu, identificado com segurança. Não há informações sobre seus afazeres, mas no corpo foram encontradas moedas de ouro, sinal de que devia ser algum mercado próspero. Há dúvidas se foi morto na capela ou na casa do engenho.


3) Padre Ambrósio Francisco Ferro

Português dos Açores, foi nomeado vigário do Rio Grande em 1636. Refugiou-se na Fortaleza dos Reis Magos (Castelo de Keulen), após o massacre de Cunháu, junto com mais cinco principais da cidade. Foi levado para a morte em Uruaçu.

4) Antônio Vilela Cid

Fidalgo, nascido em Castela, Espanha, veio para o Rio Grande em 1613 para assumir por ordens do rei Felipe II o cargo de capitão-mor. Nâo se sabe porque não exerceu a função, mas em 1620 era juiz ordinário em Natal. Casou com Dona Inês Duarte, irmão do padre Ambrósio Francisco Ferro. Acusado pelo chefe Janduí de ter sido cúmplice na morte de um holandês, na capitania do Ceará, foi preso no Castelo de Keulen por suspeita de conspiração.

5) Estêvão Machado de Miranda

Um dos principais da capitania do Rio Grande, casado com dona Bárbara, filha de Antonio Vilela Cid. Em 1643 fazia parte da Câmara dos Escabinos, espécie de câmara municipal junto ao governo holandês. Esteve na paliçada do Potengi e foi um dos cinco refêns presos na fortaleza. Junto com ele foram sacrificadas, em Uruaçu, duas filhas pequenas.

6) Antonio Vilela, o Moço

Filho de Antonio Vilela Cid. Retirado da paliçada do Potengi e morto juntamente com uma filha pequena.

7) Mateus Moreira ( Teve o Coração arrancado pelas costas):



Estava na paliçada do Potengi. Teve o coração arrancado pelas costas e morreu exclamando "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".


8) Antônio Baracho

Também retirado da paliçada do Potengi. Teve o corpo amarrado a uma árvore. Arrancaram-lhe a língua e o castraram, colocando na boca os orgãos genitais. Foi açoitado e queimado com ferros em brasa.


9) Manuel Rodrigues de Moura

Resistente da paliçada do Potengi. Foi levado para o sacrifício com a mulher, que os cronistas não identificam o nome. Relatam apenas que, depois de morto o marido, ela teve os pés e as mãos amputados, sobrevivendo ainda por três dias.

10) João Lostau Navarro

Nascido em Navarra, à época incorporada à França de Henrique IV. Um dos mais antigos moradores da capitania do Rio Grande. Tinha uma "casa forte" na praia de Tabatinga, invadida por Jacob Rabbi após o ataque em Cunhaú. João Lostau resistiu e foi preso no Castelo de Keulen. Era sogro do tenente-coronel Joris Garstman, comandante holandês que governou o Rio Grande de 1633 a 1637.

11) João Martins

Jovem que liderava um grupo de sete companheiros. Participaram da resistência na paliçada do Potengi. Em Uruaçu foi convidado a passar-se para o lado dos holandeses. Como recusaram, foram mortos. João Martins foi o último a ser executado, após ter sido obrigado a presenciar a morte dos amigos.

Relação completa dos mártires:

Mortos em Cunháu:

- Padre André de Soveral
- Domingos de Carvalho

Mortos em Uruaçu:

- Padre Ambrósio Francisco Ferro
- Antônio Vilela, o Moço
- José do Porto
- Francisco de Bastos
- Diogo Pereira
- João Lostau Navarro
- Antônio Vilela Cid
- Estêvão Machado de Miranda
- Vicente de Souza Pereira
- Francisco Mendes Pereira
- João da Silveira
- Simão Correia
- Antônio Barracho
- Mateus Moreira
- João Martins
- Uma filha de Manuel Rodrigues de Moura
- A esposa de Manuel Rodrigues de Moura
-Antônio Vilela, o Moço
- Uma filha de Francisco Dias, o Moço
- Primeiro Jovem companheiro de João Martins
- Segundo Jovem companheiro de João Martins
- Terceiro Jovem companheiro de João Martins
- Quarto Jovem companheiro de João Martins
- Quinto Jovem companheiro de João Martins
- Sexto Jovem companheiro de João Martins
- Sétimo Jovem commpanheiro de João Martins
- Primeira filha de Estêvão Machado de Miranda
- Segunda filha de Estêvão Machado de Miranda

Jacob Rabbí teve carreira marcada pela crueldade

Na repressão desencadeada pelos holandeses na capitania do Rio Grande do Norte, após o início do levante em Pernambuco, o alvo mais frequente foi a população civil. Os agentes mais atuentes dessa repressão foram os índios - tapuias e potiguares - e o alemão Jacob Rabbí.

A figura de Jacob Rabbi inspirou diversas versões entre os cronistas e historiadores, a maioria delas demoníacas. Natural do condado de condado de Waldeck, emigrou para a Holanda e foi contratado pela Companhia das Índias Ocidentais. Os historiadores o consideravam judeu, mas essa é uma versão que vem sendo discutida e alguns autores já descartam essa possibilidade.

Rabbi chegou ao Brasil junto com o conde João Maurício de Nassau-Siegen, em 23 de janeiro de 1637, desembarcnado no Recife. Em território brasileiro, a missão do alemão era de intérprete junto aos indios aliados, no meio dos quais passou a viver, adotando alguns dos seus costumes.

Casou com uma índia janduí, Domingas, e mostrou-se um observador culto. Seus estudos etnográficos sobre os índios não eram destituídos de valor e foi citado por autores posteriores, apesar dos manuscritos terem se perdido. Sintetizou suas informações sobre a vida indígena na obra " De Tapuryarum moribus et consuetubinibus, e Relatione Iacobbi Rabbi, Qui aliquot annos inter illos vixit".

No comando das tropas de janduís e potiguares, além de aventureiros que viam na guerra uma oportunidade de enriquecimento, Rabbí foi responsável por massacres e saques a engenhos nas capitanias do Rio Grande, Paraíba e Pernambuco.

Entre o massacre de Cunhaú, em 16 de julho de 1645, e o de Uruaçu, em 3 de outubro do mesmo ano, o aventureiro desceu em direção a Goiana (Pernambuco), saqueando tudo pelo caminho.

Em meados de agosto, às margens do rio Goiana, foi detido e rechaçado por tropas luso-brasileiras, tomando então a decisão de voltar ao Rio Grande, onde atacou, em setembro, a paliçada do Potengi.

Por conta da morte de João Lostau Navarro, em Uruaçu, Rabbi foi morto em emboscada na noite de 4 de abril de 1646 – menos de um ano depois do massacre - quando sai de um jantar na casa de um certo Dirck Maeller, as margens do Potengi.

As investigações apontaram como mandante do crime o tenente-coronel Joris Garstman, genro de João Lostau.

Garstman chegou a ser punido e enviado de volta à Holanda, mas acabou anistiado e voltou ao Brasil, permancendo até 1654.

Fonte:http://www.tribuna.me/especiais/martires/martires_paginterna.php?id=150042

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