A Anatel aprovou modelo de edital da licitação internacional para implantação da rede 5G, não restringindo a participação da chinesa Huawei, que vinha tendo o descrédito por parte do presidente Jair Bolsonaro.
De acordo com artigo publicado pela agência Reuters, "as empresas de telecomunicações do Brasil insistiram em um mercado livre, reclamando que excluir a Huawei custaria bilhões de dólares para substituir o equipamento da empresa chinesa, que fornece 50% das atuais redes 3G e 4G".
As regras para o leilão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) previsto para junho exigem que as empresas de telecomunicações migrem no próximo ano para uma tecnologia mais avançada com redes independentes não baseadas em sua tecnologia atual.
Regras e valores do leilão do 5G serão definidos ainda em 2021https://t.co/Y0xBMSD52r
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) February 26, 2021
Para explorar o tema, a Sputnik Brasil conversou com Evandro Menezes de Carvalho, professor de Direito Internacional Público da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV, e também professor de Direito Internacional Público da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Segundo ele, o que provocou o arrefecimento das restrições do presidente Jair Bolsonaro foi o fato de que a China é o maior parceiro comercial do Brasil. O agronegócio brasileiro tem na China um grande comprador, a balança comercial do país é superavitária com a China no valor de mais de US$ 30 bilhões.
"Então a China é um país com o qual o Brasil deve ter um relacionamento bom, pautado na confiança. No que diz respeito à Huawei, qualquer tipo de alegação que havia relação a uma eventual espionagem isso não tinha fundamento e nenhum tipo de dados concretos, muito pelo contrário, as empresas de telecomunicações do Brasil elas mesmas insistiram em dizer que já trabalhavam com a Huawei desde o 2G, 3G, 4G, e que não havia nenhum tipo de fato que desabonasse a credibilidade dos produtos da empresa chinesa", avaliou o especialista.
Carvalho disse que uma restrição da empresa chinesa seria eminentemente fundada por motivos ideológicos, sem nenhum tipo de fato concreto. Diante disso, ele acredita que a realidade econômica se impôs, pois o Brasil precisa ter boas parcerias com todos os países do mundo e, no caso, com a China é fundamental, porque o país asiático é um parceiro comercial que dá ao Brasil superávits muito altos em sua balança comercial.
Pressão de Trump sobre o leilão do 5G
Carvalho lembrou que a política externa brasileira se alinhou à do ex-presidente norte-americano Donald Trump. O Brasil acabava adotando posições que eram posições de interesse da política americana, do governo de Trump. A questão do 5G teria acabado repercutindo aqui no Brasil, pois os EUA, segundo o analista, estão perdendo da China na corrida pela tecnologia e estão adotando medidas de restrição comercial em relação à China, com o argumento de que é por segurança nacional.
"Mas tem a ver também com a questão da liderança no mundo na produção de equipamentos e tecnologia. Os EUA não têm produção de equipamentos para o 5G. A posição correta de nosso país era se manter equidistante nessa disputa pela liderança tecnológica e tentar tirar o máximo proveito possível dessa disputa tanto na relação do Brasil com os EUA quanto na relação do Brasil com a China", avaliou o especialista.
Carvalho diz esperar agora que, com a nova presidência de Joe Biden, o governo brasileiro tenha uma oportunidade de reavaliar sua política externa no relacionamento com os EUA, tendo como referência o interesse nacional brasileiro e não o interesse norte-americano, e assim estabelecer com a China também um relacionamento soberano, tendo como referência o interesse nacional brasileiro e não o interesse chinês.
Por que Trump temia a Huawei?
Carvalho acredita que Trump temia não só a Huawei, mas tinha uma preocupação com a evolução rápida da China no domínio de novas tecnologias: "Por esta razão que os EUA iniciaram não só uma guerra comercial mas também tecnológica contra a China. Obviamente que nessa disputa pelo domínio da tecnologia entra uma série de questões não só comerciais, mas também de segurança nacional".
Perguntado se o fato de o leilão do 5G não ter ocorrido no ano passado teria relação com o desejo de o governo brasileiro ganhar tempo até que Donald Trump deixasse a casa Branca, o especialista disse que pelo contrário, pois o "governo brasileiro apostava na reeleição de Trump".
"Acredito que o leilão não ocorreu por pressão dos setores da sociedade brasileira que queriam que ele permitisse o máximo possível de competidores, inclusive a Huawei. Então havia um certo desacerto entre os atores interessados no 5G, e até se chegar a um consenso levou tempo, fato favorecido também pelo resultado da eleição dos EUA, com a vitória de Biden, que parece que terá uma postura muito mais pragmática nessas questões internacionais", finalizou Carvalho.