Secas idênticas ou piores do que a que se vive este ano estão projetadas para Portugal no futuro. Estes cenários não são vistos em nenhuma bola de cristal, mas em modelos físico-matemáticos. O geofísico Pedro Matos Soares, investigador do projeto Cenários de Alterações Climáticas, desenvolvido na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tem trabalhado nestes cenários. De acordo com as projeções, as ondas de calor podem multiplicar-se por dez ou até durar mais de um mês.
Com as alterações climáticas,
Portugal enfrenta um dos dois cenários “mais dramáticos” previstos
pelos modelos físico-matemáticos. As estações vão diluir-se, as ondas de
calor tendem a prolongar-se e as secas serão mais intensas, resume o
geofísico Pedro Matos Soares, em entrevista ao Expresso
Estamos
a viver uma das piores secas de que os registros deram conta desde os
anos 30 do século XX. Porém, com as alterações climáticas os cenários
tendem a ser ainda piores no futuro?
As alterações de
precipitação em Portugal tendem a ser muito negativas até final do
século XXI. É o que indicam os modelos físico-matemáticos que utilizamos
para realizar as projeções, de acordo com os dois cenários traçados
pelo Painel Intergovernamental para as Alterações climáticas, o RCP 4.5 e
o RCP 8.5. A atual trajetória das concentrações de CO2 infelizmente
tende a enquadrar-se neste segundo cenário, que é o mais dramático e do
qual só sairíamos se houvesse a nível global políticas de redução de
emissões de gases de efeito de estufa muito mais drásticas do que as que
estão em cima da mesa.
E o que nos diz esse cenário mais dramático para Portugal?
Diz-nos que se prevê uma redução de precipitação anual entre 20% e 35%
em Portugal, sendo que no sul essa redução é a mais elevada. Estes
cenários de diminuição de precipitação não são iguais para todas as
estações, não são muito significativos no inverno, mas são mais acentuados na
primavera, no outono e no verão. Ou seja, com menos chuva na primavera
temos impactos mais significativos na agricultura e na floresta e no
consequente risco de incêndio. No sul do país, no Algarve, a redução de
precipitação pode chegar a 70% no verão.
Voltando às
temperaturas do ar: o IPMA(Instituto português de meio ambiente) indica que neste outubro os termómetros
marcaram em média mais 3º Celsius que o registado no período de
referência 1971-2000. O que virá por aí?
Em Portugal, os modelos
apontam para um aumento médio que pode chegar a 6ºC até final do século
no interior do país e a entre 3ºC e 4ºC nas zonas costeiras. Associado à
quebra de precipitação, vamos ter um aumento de evaporação, o que faz
diminuir a disponibilidade de água à superfície e torna a vegetação
muito mais seca. Ou seja, vamos ter um aumento da frequência e
intensidade das secas e índices de fogos muito mais alarmantes.
E quanto ao vento?
As previsões indicam que vamos ter menos vento em geral, mas mais vento
no verão. E quando há mais vento, há também uma intensificação da
evaporação de água e, claro, uma provável mais veloz propagação dos
fogos.
Vão desaparecer as estações do ano como as conhecemos? Ou seja, vamos deixar de ter primavera?
Como a conhecemos, sim. Atualmente, temos entre uma e duas ondas de
calor por ano. Mas no futuro, de acordo com o cenário mais drástico,
essas ondas de calor tendem a multiplicar-se ou a ser mais prolongadas.
As projeções apontam para um aumento anual das ondas de calor entre seis
e nove vezes superior, em algumas regiões. E estas durarão mais, ou
seja, passamos de ondas de calor que normalmente duram 5 a 6 dias
presentemente para no futuro durarem uma média de 22 dias. Por último,
5% das ondas de calor no futuro durarão mais de um mês.
E o que está a ser feito para mitigar estes cenários?
A responsabilidade de Portugal para estes cenários é muito pequena,
tendo em conta a dimensão do país, mas Portugal tem tomado algumas
medidas para reduzir as emissões, também no contexto da União Europeia. O
problema é que as decisões políticas globais não se adequam à
severidade das consequências do que já se está a viver e se prevê viver
no futuro. De acordo com os modelos físico-matemáticos, as secas, as
ondas de calor e os incêndios tendem a ser mais acentuados e frequentes.
E como nos estamos a adaptar a essa realidade?
Com o conhecimento que temos, é possível dimensionar a nossa ação. Mas
em Portugal tem-se feito muito pouco em termos de adaptação. Se
pensarmos na política de reflorestação, por exemplo, vemos que os
cenários de alterações climáticas não são tidos em conta.
Já
há referências a que a nascente do Douro, em Espanha, está a ficar sem
água. Há a possibilidade de secarem as nascentes dos principais rios?
Com perdas de precipitação, aumento das temperaturas e consequente
crescimento da evaporação, acrescido do menor nível dos lençóis
freáticos, as nascentes dos rios e os sistemas hidrológicos em geral
estão sujeitos a forte stress hídrico.
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