No país não africano mais desigual do mundo, os bolsos dos candidatos se tornaram uma questão mais decisiva do que nunca
Alguns políticos há meses percorrem o Brasil de comício em comício,
esquentando os motores para o dia 16, data do início da campanha às eleições gerais
já com a confirmação oficial de quem serão os candidatos aos muitos
cargos que estão em jogo, de presidente da República a deputado
estadual. É instrutivo ver como viajam. Jair Bolsonaro,
o radical de direita que lidera as pesquisas de intenção de voto à
presidência, usa aviões comerciais da mesma forma que a próxima da
lista, a evangélica Marina Silva,
que além disso tenta voltar no mesmo dia para economizar em hotéis: se
precisa pernoitar, o faz na casa de algum simpatizante, no que a revista
Piauí batizou de Airbnb da Marina. Nada parecido com o plano
de João Doria, um milionário que faz campanha para governador de São
Paulo a bordo de seu jatinho privado avaliado em 30 milhões de dólares
(111 milhões de reais), e que financia o custo de faixas e cartazes com
mensagens de “Bem-vindo João”. E entre esses extremos existem
incontáveis variações. Das muitas leituras que podem ser feitas dessas
eleições, nenhuma é tão evidente como em que no país não africano com a
maior desigualdade salarial do mundo, os bolsos dos candidatos se
tornaram uma questão mais decisiva do que nunca.
Tudo se deve a uma lei relativamente nova cujo alcance começa a ser vislumbrado agora. Foi aprovada em 2015 e proíbe que as empresas doem a campanhas eleitorais.
Sem essas doações, que sempre foram a principal forma de financiamento
eleitoral, os candidatos devem se limitar agora ao fundo de dinheiro
público que o Congresso divide proporcionalmente ao número de deputados
de cada partido. O total é de pouco mais de 2 bilhões de reais a ser
dividido entre os 35 partidos que participarão das eleições. Ou seja,
nada. “Os custos reais das eleições não foram reduzidos a esses limites
legalmente impostos”, diz ao EL PAÍS a juíza Denise Goulart Schlickmann,
autora do livro Financiamento de Campanha e assessora do Tribunal Eleitoral para esses assuntos. Em fevereiro, o Tribunal Eleitoral aprovou in extremis
uma possível solução: que cada candidato possa pagar a campanha do seu
próprio bolso. De repente, as eleições se tornaram mais fáceis aos
ricos. É melhor ter um jatinho privado do que o Airbnb da Marina.
Isso pode afetar as que serão as eleições mais importantes na memória
recente do maior país latino-americano. Para o bem e para o mal, o
pleito marcará o fim de uma era e o começo de outra: é a primeira vez
que os brasileiros votam para presidente após a explosão do caso Petrobras,
que revelou que praticamente toda a classe política se beneficiava de
um gigantesco esquema de malversação de fundos públicos usando a empresa
estatal. São as primeiras eleições após o traumático impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016 e que deveriam colocar fim à paralisia política provocada pelo impopular governo que a substituiu, o de Michel Temer. E após a prisão por corrupção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
eterno candidato ou cabo eleitoral preferido com sobras em todas as
pesquisas, as eleições de outubro deveriam ser a grande oportunidade em
anos de renovação da política brasileira e deixar o país nas mãos de
pessoas se não mais jovens, pelo menos alheias à velha elite política.
Na realidade, entretanto, é a grande oportunidade dos ricos e
conhecidos. No Legislativo os nove principais partidos, consultados pelo
EL PAÍS, admitem que se centrarão nos mais veteranos do Congresso,
porque por já serem conhecidos não precisam gastar tanto em comunicação.
No Executivo, o partido no Governo, o Movimento Democrático Brasileiro,
confiou seu futuro a Henrique Meirelles,
o ex-ministro da Fazenda, em boa parte porque tem uma fortuna pessoal
(217 milhões de reais) que pode investir em sua campanha. No final das
contas, nas eleições municipais de 2016, quando a lei já estava em
vigor, da campanha mais barata em décadas aos cofres públicos saíram 23
milionários eleitos nas 92 maiores cidades do país.
Diante desses empecilhos, certos novos políticos estão testando
caminhos alternativos para entrar no impenetrável establishment
político. Ailton Cunha, de 28 anos e de uma cidade do interior de Minas
Gerais, trabalhava em programas para a juventude em diferentes empregos
até que, pouco a pouco, tentou entrar na política. O que descobriu: “Os
políticos atuais criaram um modelo para se aferrar ao poder que
dificulta a entrada de rostos novos”, lamenta. Mas encontrou amparo na RenovaBR,
uma organização que reuniu milhões de reais em crowdfunding e os divide
entre 134 brasileiros que, como ele, querem se candidatar ao Congresso.
Nos últimos meses surgiram mais de uma dúzia de organizações
semelhantes para ajudar os independentes. “A sociedade quer retomar a
política”, diz Eduardo Mufarej, fundador da RenovaBR. “Não acho que
teremos uma grande oportunidade de que sejam eleitos, mas o resultado
será só o primeiro passo, um ponto de inflexão. Mas é importante. Temos
pessoas formadas em Harvard e Yale, algo que nunca foi visto na fechada
política brasileira”. Cunha também acha que a renovação virá mais em
2022 do que em 2018, mas não desiste. “Sempre digo que quando vemos
alguma coisa que não vai bem temos a obrigação de agir”, afirma. “E
estamos em um momento em que era impossível ver a situação desse país e
ficar de braços cruzados”...Continue lendo...
0 comentários:
Postar um comentário