João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999) foi um poeta e diplomata brasileiro. Sua obra poética, que vai de uma tendência surrealista até a poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil. É considerado o maior poeta de língua portuguesa por escritores como Mia Couto.
Foi agraciado com vários prêmios literários, entre eles o Prêmio Neustadt, tido como o "Nobel Americano", sendo o único brasileiro galardoado com tal distinção, e o Prêmio Camões. Quando morreu, em 1999, especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.
Irmão do historiador Evaldo Cabral de Mello e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre, João Cabral foi amigo do pintor Joan Miró e do poeta Joan Brossa.
Foi casado com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve os
filhos Rodrigo, Inez, Luiz, Isabel e João. Casou-se em segundas núpcias,
em 1986, com a poetisa Marly de Oliveira.
O escritor foi membro da Academia Pernambucana de Letras (embora não tenha comparecido a nenhuma reunião como acadêmico, nem mesmo a sua posse) e da Academia Brasileira de Letras.
Sobre sua obra
Na poesia de Cabral percebem-se algumas dualidades antitéticas, trabalhadas com um certo barroquismo e à exaustão. Entre espaço e tempo, entre o dentro e o fora, entre o maciço e o não-maciço, entre o masculino e o feminino, entre o Nordeste desértico e a Andaluzia fértil, ou entre a Caatinga desértica e o úmido Pernambuco.
É uma poesia que causa algum estranhamento a quem espera uma poesia
emotiva, pois seu trabalho é basicamente cerebral e "sensacionista",
buscando uma poesia construtivista e comunicativa, objetiva.
Embora exista uma tendência surrealista em seus poemas, principalmente nos iniciais, como em Pedra do Sono, buscando uma poesia que fosse também expressiva, Melo Neto não precisa recorrer ao pathos ("paixão") para criar uma atmosfera poética, fugindo de qualquer tendência romântica, mas busca uma construção elaborada e pensada da linguagem
e do dizer da sua poesia, transformando toda a percepção em imagem de
algo concreto e relacionado aos sentidos, principalmente ao do tato,
como pode-se perceber bem em Uma faca só lâmina. Neste poema,
Cabral apresenta a imagem da faca através da sensação de vazio que a
facada deixa na carne, contrastando com a própria faca sólida que a
corta.
Algumas palavras são usadas sistematicamente na poesia deste
autor: cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice,
lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, seco, mineral, deserto,
asséptico, vazio, fome. Coisas sólidas e sensações táteis: uma poesia do
concreto.
Pedra do Sono
Primeiro livro de poemas de João Cabral Melo Neto, Pedra do Sono é uma
seleção de poemas com forte teor surrealista. Dentre os temas principais
estão a descrição de estados oníricos, "lunares", revelando o interesse
do jovem Cabral pelos estados fronteiriços entre o sono e a vigília. Pedra do Sono
foi mais tarde criticado pelo próprio Cabral. Abandonando lentamente
os elementos imagéticos simbolistas e surrealistas, Cabral várias vezes
expressou a importância na poesia de apresentar a imagem, em lugar de
sugerir atmosferas.
Ora, em Pedra do Sono as atmosferas são
importantíssimas. As atmosferas nebulosas, meditativas, muitas das
quais em lugares enclausurados, não estavam em desconexão com a
literatura de seu tempo e de romances anteriores, algumas das quais
sobreviveram da obra posterior de Cabral, assim como de poemas que
buscam pintar o efeito delirante de uma contemplação. Anos mais tarde,
Cabral criticará sua tendência nesse livro de pintar atmosferas, em
lugar de falar diretamente. Essa tendência continuará em parte em seu
segundo livro, Os Três Mal-Amados. Nessa obra Cabral coloca três
personagens a falar, cada um representando um estado diverso de
apreensão do mundo.
Acusado de Comunista
Em 1952,
quando o Partido Comunista do Brasil estava na ilegalidade, João Cabral
de Melo Neto foi acusado de criar uma "célula comunista" no Ministério de Relações Exteriores junto com mais quatro diplomatas (Antônio Houaiss, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Paulo Cotrim Rodrigues Pereira), sendo todos afastados do Palácio do Itamaraty por Getúlio Vargas em despacho de 20 de março de 1953, conseguiram retornar ao serviço em 1954 após recorrerem ao Supremo Tribunal Federal.
Ele é um dos autores que leva o surrealismo a seus poemas, conhecido
também como pai, mestre, grande apócrifo da literatura pré moderna.
No Supremo Tribunal Federal, João Cabral de Melo Neto foi defendido pelo advogado José Guimarães Menegale, que afirmou:
“Antes de recapitularmos, para arrematar estas razões, que a
gravidade da espécie alongou, consignaremos, afinal, esta afirmação
enfática e definitiva: JOÃO CABRAL DE MELO NETO não professa a ideologia
comunista. Repele a acusação, não em som de ultraje pessoal, mas por
figurar torpeza, com que a vilania dos intrigantes interesseiros o quer
enlear, ferir e prejudicar na carreira que abraçou e em que já prestara
ao Brasil os serviços de sua viva inteligência, de sua cultura política e
artística, de seu singelo e fecundo patriotismo. Nem por atos
anteriores à punição, nem por manifestação subsequentes poderão
inquiná-lo de tal”
Academia Brasileira de Letras
Foi eleito membro da academia em 15 de agosto de 1968, e empossado em 6 de maio de 1969, recebido por Múcio Leão. Ocupou a cadeira 37, antes ocupada pelo jornalista Assis Chateaubriand com uma importância grande na Literatura Brasileira.
Pedra do Sono de João Cabral de Melo Neto
Pedra do Sono de João Cabral de Melo Neto – Noturno
O mar soprava sinos
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos
Minha memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
”meus pesadelos atrasados de muitas noites
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos
Minha memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
”meus pesadelos atrasados de muitas noites
De madrugada,meus pensamentos soltos
”voaram como telegramas
e nas janelas acesas toda a noite
o retrato da morta
fez esforços desesperados para fugir.
”voaram como telegramas
e nas janelas acesas toda a noite
o retrato da morta
fez esforços desesperados para fugir.
Obras
- Pedra do Sono (1942)
- Os Três Mal-Amados (1943)
- O Engenheiro (1945)
- Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947)
- O Cão sem Plumas (1950)
- Poesia e composição (1952)
- O Rio ou Relação da Viagem que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife (1953)
- Morte e Vida Severina (1955)
- Uma Faca só Lâmina (1955)
- Dois Parlamentos (1960)
- Quaderna (1960)
- A Educação pela Pedra (1966)
- Museu de Tudo (1975)
- A Escola das Facas (1980)
- Auto do Frade (1984)
- Agrestes (1985)
- Crime na Calle Relator (1987)
- Primeiros Poemas (1990)
- Sevilha Andando (1990)
- Tecendo a Manhã (1999)
Prêmios e Condecorações
- Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada de Portugal (26 de novembro de 1987)
- Prêmio Camões — 1990
- Neustadt International Prize for Literature — 1992
- Premio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana — 1994
- Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo de Portugal (9 de junho de 1998)
Ligações externas
- Perfil no sítio oficial da Academia Brasileira de Letras
- Biografia no Projeto Releituras
- Verbete no Panorama de Poesia e Crônica do Itaú Cultural
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