ESCRAVIDÃO NO BRASIL

 Escravidão no Brasil- Wikipédia, a enciclopédia livre. 

 A escravidão foi a forma social de produção adotada, de uma forma geral, no país desde o período colonial até pouco antes do final do Império. 

É marcada principalmente pela exploração da mão de obra de negros trazidos da África e transformados em escravos no Brasil pelos europeus colonizadores do país. 

Muitos indígenas também foram vítimas desse processo. A escravidão indígena foi abolida oficialmente pelo Marquês de Pombal, no final do século XVIII. Os escravos foram utilizados principalmente na agricultura — com destaque para a atividade açucareira — e na mineração sendo, assim, essenciais para a manutenção da economia. Alguns deles desempenhavam também vários tipos de serviços domésticos e/ou urbanos  

Escravização indígena  

Os índios foram os primeiros escravos no Brasil. A escravidão já era praticada pelos índios na sua forma mais primitiva bem antes da chegada dos europeus. Entre os tupinambás, que eram antropófagos, a maioria dos escravos eram capturados nas tribos inimigas e acabavam sendo devorados. Porém, entre a captura e a execução, eles poderiam viver como escravos durante anos. Entre os tupinambás a escravidão não tinha nenhum valor econômico. Os cativos apenas serviam para serem exibidos como troféus de valor militar e honra ou como carne a ser devorada em rituais canibalescos que poderiam acontecer até quinze anos após a captura. Os escravos eram incorporados à comunidade sendo que algumas escravas se casavam com os homens da tribo. Os cativos reconheciam-se como escravos e como homens derrotados e o sentimento de degradação entre eles era forte. Mesmo se escapassem não seriam aceitos pela sua tribo de origem, tamanho era o estigma em ter sido reduzido à escravidão, fazendo com que servissem ao seu senhor fielmente, sem a necessidade de serem vigiados. 

Embora os escravos fossem geralmente bem tratados entre os tupinambás, eles tinham consciência que estavam condenados e que, a qualquer tempo, poderiam ser executados e devorados em orgias canibalescas, inclusive as mulheres incorporadas à tribo como esposas. entre as tribos índias que não eram canibais, mas praticavam a escravatura, os papanases não tinham costume de matar os que os ofendiam, mas faziam deles escravos. Os guaianás não comiam carne humana e faziam os prisioneiros escravos. Os tapuias também faziam os cativos escravos. Relata Gabriel Soares de Sousa no Tratado descritivo do Brasil em 1587: não são os guaianases maliciosos, nem refalsados, antes simples e bem-acondicionados, e facílimos de crer em qualquer coisa. É gente de pouco trabalho, muito molar, não usam entre si lavoura, vivem de caça que matam e peixe que tomam nos rios, e das frutas silvestres que o mato dá; são grandes flecheiros e inimigos de carne humana. Não matam aos que cativam, mas aceitam-nos por seus escravos; se encontram com gente branca, não fazem nenhum dano, antes boa companhia . Os cadiueus viviam do tributo e do saque que faziam às tribos suas vizinhas. A sua sociedade era estratificada e a sua base era constituída por escravos, prisioneiros dos conflitos com as tribos vizinhas. Os terenas, apesar de pagarem tributos aos cadiueus e serem seus subordinados, também tinham a sua sociedade estratificada e a sua base também era constituída por escravos.

Apropriação da escravidão indígena pelos colonizadores portugueses 

As constantes guerras intertribais foram usadas pelos colonos no estabelecimento de alianças que favoreciam tanto os interesses dos colonos como os dos próprios índios. Os portugueses, com estas alianças, obtinham mão de obra através da tradição tupi do cunhadismo, com a aquisição de "índios de corda" e de um exército aliado poderoso. Ulrich Schmidl relata que João Ramalho "pode reunir 5 000 índios em um só dia". Os índios também viam nos colonos aliados poderosos que os ajudavam contra os seus inimigos. 

Segundo Russell-Wood, os portugueses construíram o seu império "com e não isoladamente contra os povos com os quais entraram em contato. A guerra constante entre as tribos e a inimizade entre os principais grupos foram aproveitadas pelos europeus. Assim, os portugueses ficaram amigos dos tupiniquins, que eram os grandes inimigos dos tamoios e dos tupinambás, os quais se tornaram aliados dos franceses, que tentavam invadir o domínio dos portugueses. 

No sul do país, aconteceu a mesma coisa: os grupos tupis se associaram aos portugueses, e os guaranis aos espanhóis. Na época do descobrimento e colonização, a população indígena era calculada em 4,5 milhões no território brasileiro. 

 Os portugueses dividiam os índios em dois grupos: os "índios mansos" e os "índios bravos". Os índios "bravos" eram inimigos , faziam alianças com europeus inimigos, eram considerados estrangeiros, justificando as chamadas "guerras justas". Os índios "mansos" eram os aliados dos portugueses, eram fundamentais para o fortalecimento dos portugueses, eram vassalos do Rei de Portugal e defensores das fronteiras do Brasil português. 

Os índios aldeados não apenas participaram dos combates, como forneceram as armas e a tática de guerra" A metáfora dos "muros" e "baluarte" usada pelos portugueses para designar os índios aliados, significando proteção, foi repetida ao longo de toda época colonial.“ Na verdade, como informa a própria legislação indigenista colonial, o sustento e a defesa da colônia viriam a depender dos índios aldeados e aliados, pois constituíam o grosso das tropas de guerra.”

 A Coroa portuguesa concedia vários benefícios e honrarias às lideranças indígenas suas aliadas como a concessão de hábitos das ordens militares. Com o hábito da ordem militar o índio adquiria o título de "dom" e, frequentemente, uma tença, um rendimento dado pelo rei e, na hierarquia colonial, passava a ser um nobre vassalo do rei de Portugal.

A política indigenista levou à formação de uma elite colonial indígena com o intuito de fortalecer as alianças e lealdade dos índios e de considerar os índios aliados à semelhança dos colonos europeus. Os índios que se destacavam pela lealdade passavam a ocupar cargos oficiais, como o de juiz ou vereador, nas câmaras de algumas vilas e cidades do Brasil Colônia. Recebiam honras e privilégios que os destinguiam dos outros colonos e faziam parte da "nobreza da terra".“ 

Advertiu e persuadiu Sua Exa. a todos os moradores, que obedecem igualmente aos Juizes e veriadores Indios como aos Europeos, porque tinham Jurisdição e Superioridade sobre todos os ditos moradores para lhes admenistrarem Justifsa e o prenderem quando delinqüirem.” 

 O cargo de governador dos índios, primeiramente atribuído a Filipe Camarão, um grande guerreiro e hábil estratega da tribo dos potiguares tinha, também, como função organizar os aldeamentos indígenas e o recrutamento dos terços dos índios, onde tinha servido como capitão-mor.“ Essa situação é reveladora de uma "política indigenista" que era aplicada aos índios aldeados e aliados e outra aos considerados inimigos. Ambos foram importantes no projeto de colonização, fossem como mão de obra cativa ou como povoadora do território.

” Os índios não só guardavam as fronteiras como também controlavam os escravos africanos, propensos a se insurgir ou fugir e se juntarem aos europeus inimigos dos portugueses. Por serem exímios em seguirem pistas os índios eram também contratados pelos proprietários de engenhos para capturar e resgatar escravos fugidos dos engenhos e fazendas, neste processo também auxiliavam os capitães do mato (negros ou mulatos livres).Além disso, a partir de um certo momento, a própria Igreja Católica passou, através principalmente dos jesuítas, a fazer um trabalho de catequização junto aos índios dificultando aos portugueses e seus filhos meio índios e tribos aliadas a escravização dos índios aliados dos franceses. Esta posição foi defendida pelos jesuítas no Brasil, que também tinham escravos, o que gerou conflitos com a população local interessada na escravatura culminando em conflito, na chamada "A botada dos padres fora" em 1640.

Mercado de escravos em Recife.  In: Maria Dundas Graham Callcott. Journal of a voyage to Brazil and residence there during part of the 1821, 1822, 1823. London: Longman Group Limited, 1824.
Mercado de escravos em Recife

 Nos séculos XVII e XVIII, a faixa esquerda do rio Amazonas transformou-se num espaço de captura de indígenas para serem vendidos dentro e fora das Guianas por traficantes que partiam de Caiena. 

Escravidão indígena voluntária 

A Capitania de Pernambuco foi o berço da escravidão indígena e africana no Brasil. Em 30 de julho de 1566, foi criada a lei que regulamentou pela primeira vez a escravidão voluntária dos índios. Segundo essa lei, baixada por uma junta convocada por Mem de Sá, "os índios só poderiam vender-se a si mesmos em caso de extrema necessidade, sendo que todos os casos deveriam ser obrigatoriamente submetidos à autoridade para exame".

A mais antiga forma de escravidão no Brasil foi dos "gentios da terra" ou "negros da terra", os índios. A escravização de índios foi proibida pelo Marquês de Pombal. Eram considerados pouco aptos ao trabalho.[carece de fontes] 

 Os primeiros escravos negros chegaram ao Brasil entre 1539 e 1542, na Capitania de Pernambuco, primeira parte da colônia onde a cultura canavieira desenvolveu-se efetivamente. Foi uma tentativa de solução à "falta de braços para a lavoura", como se dizia então. Os principais portos de desembarque de cativos africanos foram, entre os séculos XVI e XVII, os do Recife e de Salvador, e entre os séculos XVIII e XIX os do Rio de Janeiro e de Salvador — de onde uma parte seguiu para as Minas Gerais e para as plantações de café do Vale do Paraíba. 

 A distância entre os portos de embarque (na África) e desembarque (no Brasil) era um fator determinante. Os portugueses, brasileiros e, mais tarde, os holandeses, traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão de obra escrava nos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste. Os comerciantes de escravos vendiam os africanos como se fossem mercadorias, adquirindo-os de tribos africanas que os haviam feito prisioneiros. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos. Eram mais valorizados, para os trabalhos na agricultura, os negros Bantos, Benguela, Banguela ou do Congo, provenientes do sul da África, especialmente de Angola e Moçambique, e tinham menos valor os vindo do centro-oeste da África, os negros Mina ou da Guiné, que receberam este nome por serem embarcados no porto de São Jorge de Mina, na atual cidade de Elmina, e que eram mais aptos para a mineração, trabalho ao qual já se dedicavam na África Ocidental. Por ser a Bahia mais próxima da Costa da Guiné (África Ocidental) do que de Angola, a maioria dos negros baianos são Minas. 

 Eram melhor avaliados e tendo preço mais elevado, os escravos que tinham dentes bons, canelas finas, quadril estreito e calcanhares altos, em uma avaliação eminentemente racista. O preço dos escravos sempre foi elevado quando comparado com os preços das terras, esta abundante no Brasil. Assim, durante todo o período colonial brasileiro, nos inventários de pessoas falecidas o lote (plantel) de escravos, mesmo quando em pequeno número, sempre era avaliado por um valor, em mil-réis, muito maior que o valor atribuído às terras do fazendeiro. Assim, a morte de um escravo ou sua fuga representava, para o fazendeiro, uma perda econômica e financeira imensa.

 

 O transporte era feito da África para o Brasil nos porões do navios negreiros. Amontoados em condições desumanas no começo muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram lançados ao mar. Por isso o cuidado com o transporte de escravos aumentou para que não houvesse prejuízo. As condições da tripulação dos navios não era muito melhor que a dos escravos. A escravidão no Brasil levou à formação de muitos quilombos que traziam insegurança e frequentes prejuízos a viajantes e produtores rurais. Em Minas Gerais por exemplo, em torno da Caminho de Goiás, a Picada de Goiás, único acesso ao atual centro-oeste do Brasil, o Quilombo do Ambrósio era o maior de Minas Gerais e foi assim descrito por Luís Gonzaga da Fonseca, em sua "História de Oliveira": “ Goiás era uma Canaã. Voltavam ricos os que tinham ido pobres. Iam e viam mares de aventureiros. Passavam boiadas e tropas. Seguiam comboios de escravos. Cargueiros intérminos, carregados de mercadorias, bugigangas, miçangas, tapeçarias e sal. Diante disso, negros foragidos de senzalas e de comboios em marcha, unidos a prófugos da justiça e mesmo a remanescentes dos extintos cataguás, foram se homiziando em certos pontos da estrada ("Caminho de Goiás" ou "Picada de Goiás"). Essas quadrilhas perigosas, sucursais dos quilombolas do rio das mortes, assaltavam transeuntes e os deixavam mortos no fundo dos boqueirões e perambeiras, depois de pilhar o que conduziam. Roubavam tudo. Boiadas. Tropas. Dinheiro. Cargueiros de mercadorias vindos da Corte (Rio de Janeiro). E até os próprios comboios de escravos, mantando os comboeiros e libertando os negros trelados. E com isto, era mais uma súcia de bandidos a engrossar a quadrilha. Em terras oliveirenses açoitava-se grande parte dessa nação de “caiambolas organizados” nas matas do Rio Grande e Rio das Mortes, de que já falamos. E do combate a essa praga é que vai surgir a colonização do território (de Oliveira (Minas Gerais) e região). Entre os mais perigosos bandos do Campo Grande, figuravam o quilombo do negro Ambrósio e o negro Canalho. ” A escravidão veio para o Brasil através do mercantilismo: os negros africanos vinham substituir os nativos brasileiros na produção canavieira, pois esse tráfico dava lucro à Coroa Portuguesa, que recebia os impostos dos traficantes. Até 1850 a economia era quase que exclusivamente movida pelo braço escravo. O cativo estava na base de toda a atividade desde atividades econômicas com a produção do café, açúcar, algodão, tabaco e transporte de cargas, às mais diversas funções no meio urbano: carpinteiro, pintor, pedreiro, sapateiro, ferreiro, marceneiro, entre outras, embora várias dessas profissões fossem exercidas principalmente por cristãos-novos. 

ARQUEOLOvia - Quilombo do Rei Ambrósio

Quilombo do negro Ambrósio

  A instituição da escravidão no Brasil toma forma com a grande propriedade monocultura, na década de 1530. Portugal contava com pouco mais de 2 milhões de habitantes na época e mal podia arcar com a perda de mão de obra para as expedições para o Oriente, que viviam o seu auge. E, assim como para qualquer outro colono europeu, não era interessante para o português migrar para os trópicos para ser um simples trabalhador do campo. "A escravidão torna-se, assim, uma necessidade: o problema e a solução foram idênticos em todas as colônias tropicais e mesmo subtropicais da América. Nas inglesas, onde se tentaram, a princípio, outras formas de trabalho, aliás uma semiescravidão de trabalhadores brancos, os indentured servants, a substituição pelo negro não tardou muito. O trabalho indígena já era utilizado na extração do pau-brasil e, no princípio, foram também utilizados nas lavouras de cana mais ou menos benevolentemente. Mas o arranjo não funcionou por muito tempo por duas classes de motivos: os de natureza cultural e os de mercado. "Em primeiro lugar, à medida em que afluíam mais colonos e, portanto, aumentavam as solicitações de trabalho, ia decrescendo o interesse dos índios pelos insignificantes objetos com que eram dantes pagos pelo serviço. Tornam-se aos poucos mais exigentes e a margem de lucro do negócio ia diminuindo em proporção. Chegou-se a entregar-lhes armas, o que foi rigorosamente proibido, por motivos que se compreendem. Além disso se o índio, por natureza seminômade, se dera mais ou menos bem com o trabalho esporádico e livre da extração de pau-brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura. Aos poucos foi-se tornando necessário forçá-lo ao trabalho, manter vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi apenas um passo. 

A aquisição de mão de obra escrava tornou-se imperativa para o sucesso da colonização holandesa. Os holandeses passaram a importar escravos para trabalhar nas plantações. A Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais começou a traficar escravos da África para o Brasil. A escravidão foi preponderante nas fazendas de café durante quase todo o século XIX. No Brasil as primeiras experiências com o plantio do café se deram no Pará, tendo chegado à capital do Império como uma planta de quintal para consumo doméstico. No Rio de Janeiro as primeiras plantações se desenvolveram entre os anos de 1760 e 1800. O aumento do plantio do fruto se deu rapidamente e encontrou dois eixos de expansão principais. O primeiro eixo partiu de Laranjeiras, Tijuca e Serra do Mendanha, na cidade do Rio de Janeiro. No Vale do Paraíba, sentido São Paulo, aproveitando o Caminho Novo para Minas Gerais aberto para o escoamento do ouro a partir de 1720, a cultura do café se interiorizou e foram fundadas as vilas de Vassouras, Paty do Alferes e Nossa Senhora da Glória de Valença. O segundo eixo partiu da baixada fluminense onde as principais fazendas cafeeiras estavam em São Gonçalo e Vila de Santo Antônio de Sá. De lá o cultivo do café chegou a Cantagalo na década de 1840, e fez um novo adentramento para o nordeste da capitania. Já em 1830 a cultura do café havia tomado quase toda a bacia do Rio Paraíba do Sul. Todo esse espaço foi dominado por uma escravidão africana extensa. . Enquanto nas grandes propriedades os escravizados costumavam viver em senzalas coletivas, não era incomum ver em pequenas propriedades escravizados morando na mesma casa de seus senhores. Desta forma pode-se pensar em diferentes relações entre senhores e escravizados. Os escravizados trabalhavam nos mais diferenciados ofícios como carpinteiros, sapateiros, pedreiros, cortadores de cana, carneadores nas charqueadas e trabalhos domésticos, como cozinheiras, ama-de-leite, engomadeiras, entre outros. De forma geral, quanto mais especializado era considerado o ofício, mais alto era o preço do trabalhador escravizado. Muitos eram alugados ou trabalhavam para si e eram obrigados a pagar um jornal (espécie de taxa mensal previamente estipulada) para seus senhores.Em função da diversidade de experiências de cativeiro, não é possível generalizar o trabalho nos cafezais do sudeste ou nos engenhos de açúcar no nordeste para o resto do país. Apesar de a violência ser um fator importante de manutenção do sistema escravista, a negociação era igualmente importante e acontecia constantemente entre os senhores e os escravizados. A resistência violenta costumava acontecer apenas quando não existia mais a possibilidade de negociação. Por mais violentas que fossem as ações dos senhores, os escravizados resistiram de diversas formas. Muitos escravizados conseguiram formar famílias e economizar dinheiro para a compra da sua própria alforria ou de seus familiares. Sobre as formas de punição a lei número 4 de 10 de junho de 1835 proibia os escravos de causar qualquer tipo de ofensa ou agressão ao patrão e aos companheiros que com ele moravam, punindo-os com acoites ou, na maioria dos casos, com a pena de morte (Lei número 4 de 10 de junho de 1835- pág. 5). Esta lei só seria parcialmente revogada em 1886 pela lei número 3 310, de 15 de outubro de 1886, dois anos antes da abolição da escravatura, quanto à imposição da pena de açoites. (Lei número 3.310 de 15 de outubro de 1886- pág. 52). Afirmação oposta sobre como o escravo era tratado por seus senhores fez o cafeicultor e deputado estadual paulista Martinho da Silva Prado Júnior (Martinico Prado), na sessão da Assembleia Provincial de São Paulo de 16 de março de 1882, manifestar-se condenando a proibição do comércio de escravos entre as províncias brasileiras; Martinico Prado relata aos deputados paulistas que muitos proprietários de escravos de Minas Gerais não queriam se separar de seus escravos, quando migravam para São Paulo: “ Ato esse (proibir a venda de escravo para outra província) que, para os pequenos proprietários de escravos da Província de Minas, é o mais atroz possível, pois v. excelência não ignora que o sertanejo mineiro estima e se torna afeiçoado ao seu escravo que se torna parte integrante de sua família, tributando-lhe pronunciada afeição. Relata então o que ouviu de mineiros que queriam vir para São Paulo e desejavam poderem trazer seus escravos: Tenho recebido pedidos instantes, súplicas pungentes, acompanhadas até de lágrimas, para que eles (os escravos) possam vir para esta província (São Paulo) dizendo: "Faça com que a Assembleia paulista nos abra as portas das províncias para não sermos obrigados à miséria ou a vender aqueles que criamos desde a infância".!  Os discursos de Martinico Prado na Assembleia Provincial paulista foram transcritos no livro do "centenário de Martinico Prado", intitulado "In Memoriam, Martinico Prado, 1843-1943" editado em São Paulo pela Editora Elvino Pocai. A pena de açoite para o escravo só foi abolida por lei imperial de 1885 pouco antes da Lei Áurea, o que ocasionou fugas em massas de escravos nos últimos anos da escravidão no Brasil, fato denunciado nos debates sobre a Lei Áurea: “ Os escravos fugiram em massa, prejudicando não só os grandes interesses econômicos, mas também interesses de segurança pública: houve mortes, houve ferimentos, houve invasão de localidades, houve o terror derramado por todas as famílias, e aquela importante província durante muitos meses permaneceu no terror mais aflitivo. Felizmente os proprietários de São Paulo, compreenderam que, diante da inação da Força Pública, melhor seria capitularem perante a desordem, e deram liberdade aos escravos. ” Papel dos africanos 

 Por muito tempo, a historiografia brasileira ignorou o papel de africanos e seus descendentes na manutenção da escravidão, tanto no Brasil como na África. Apenas a partir da década de 1990 é que historiadores passaram a dar importância à influência africana nesse sistema, deixando as pessoas de origem africana de serem tratadas apenas como vítimas da escravidão, mas também como agentes ativos. A escravidão já era praticada na África muitos séculos antes da chegada dos europeus. Desde o século VIII reinos africanos ao sul do deserto do Saara promoviam a captura de pessoas para serem vendidas aos árabes ao norte do deserto. Seis grandes rotas ligavam nações ao sul do Saara aos povos árabes do norte. Os negros africanos atravessavam o deserto para vender aos islâmicos algodão, ouro, marfim e sobretudo escravos. Voltavam com sal, joias, objetos metálicos e tecidos para serem entregues à nobreza africana. Quando os portugueses chegaram ao reino de Kano, na atual Nigéria em 1471, encontraram um império enriquecido há pelo menos um século graças a venda de ouro, escravos, couro e sal. Em algumas regiões africanas a escravidão já estava tão enraizada que escravos eram usados como forma de pagamento de tributos. A chegada dos europeus ao Continente Africano só fez aumentar um sistema pré-existente. Os reinos africanos, que já se enriqueciam com a venda de seus cidadãos ou de inimigos vizinhos como escravos para os árabes, lucraram ainda mais com a demanda de mão de obra dos europeus. Os africanos monopolizavam praticamente todo o sistema escravagista dentro da África. A participação europeia se limitava a fortes situados no litoral onde os escravos seriam embarcados para as Américas. A tarefa de capturar os futuros escravos e levá-los ao litoral para serem vendidos para os europeus era feita pelos próprios africanos, a mando da nobreza africana, que enriquecia seus reinos com esse comércio de pessoas. O rei africano Osei Kwame, do Império Ashanti, era conhecido por viver em palácios luxuosos construídos graças ao dinheiro que lucrava com a escravidão. 

O repúdio organizado e documentado à escravidão não surgiu na África, mas na Europa. Isso se deu a partir do século XVIII, através do iluminismo e suas ideias de liberdade e igualdade entre os homens. A escravidão só foi abolida no século XIX graças ao poder de intervenção da Inglaterra, que precisava vender suas máquinas agrícolas industrializadas por sua Revolução industrial que ora se iniciava.

O movimento abolicionista inglês surgiu em 1787, liderado por 22 líderes religiosos ingleses. Os abolicionistas se organizavam em comitês, que visavam espalhar para a sociedade inglesa as imagens dos horrores da escravidão, que causaram grande comoção na população. Esses grupos conseguiram conquistar muitos aderentes e simpatizantes, que passaram a promover boicotes no País.

 No ano de 1787, 300 mil ingleses aderiram ao boicote ao açúcar produzido por escravos. Para pressionar o Parlamento Britânico, os abolicionistas entravam com petições na Câmara dos Comuns para forçar a feitura de uma lei que protegesse o direito dos negros. Foram em média 170 petições por ano, entre 1788 e 1800, chegando a 900 petições em 1810. No ano de 1807, depois de anos de pressões populares, a Inglaterra extinguiu o tráfico de escravos, e em 1833 a escravidão foi abolida em território britânico. 

Durante todo esse período, foram mais de 5 mil as petições com milhares de assinaturas enviadas à Câmara dos Comuns por cidadãos britânicos pedindo o fim da escravidão. No século XIX, a Inglaterra, a superpotência da época, passou a pressionar o Brasil a abolir o tráfico negreiro e a escravidão, e esse poder de pressão foi decisivo para o fim da escravatura no Brasil. A participação de africanos e seus descendentes como agentes ativos do sistema escravista também foi crucial. Em determinados momentos da História brasileira era comum que, após conseguirem a liberdade, ex-escravos adquirissem um ou vários escravos. Isso se fez notar especialmente em Minas Gerais no século XVIII. 

A sociedade mineira era essencialmente urbana e isso proporcionava uma grande oportunidade de ascensão social para as pessoas, inclusive escravos. A extração do ouro enriqueceu a região e agitava a economia. Sapateiros, ferreiros, alfaiates, tecelões e chapeleiros conseguiam enriquecer. Mulheres escravas vendiam doces e refeições para os mineradores a mando de seu senhor e muitas vezes conseguiam comprar sua liberdade com o dinheiro que sobrava. A carta de alforria na época custava 150 mil réis, equivalente ao preço de uma casa simples. Também era comum que senhores estipulassem em seu testamento que seus escravos deveriam ser libertos após a sua morte. A participação de negros entre a população livre brasileira e entre os senhores de escravos era notável. Em 1830, os negros compunham três quartos da população livre de Sabará e 43% das casas de pessoas negras tinham escravos. Na região de Salvador, a participação de negros e pardos entre a população senhorial também era notável. No vilarejo de São Gonçalo dos Campos, 29,8% dos escravos estavam nas mãos de negros e pardos forros. Em Santiago do Iguape, 46,5% dos escravos eram propriedade de negros livres. No Rio de Janeiro não era diferente: em Campos dos Goytacazes, negros e mulatos compunham 30% dos senhores de escravos. A imagem disseminada de que os senhores de escravos eram possuidores de grandes plantéis de escravos trabalhando nas plantações ou minérios do Brasil não condiz com a realidade da maioria no período escravagista. A ideia da rica e ociosa família senhorial, que delegava todo o trabalho para os escravos, descrita especialmente por Gilberto Freyre, não era tão comum como historicamente se propagou. 

Levantando dados sobre escravos na região de Salvador, o historiador Bert Barickman encontrou que, em média, 59% dos proprietários de escravos tinham até quatro escravos. Apenas 4,5% deles tinham mais de 20 escravos e só 1% tinha mais de 60 escravos. Para Barickman, a maioria dos donos de escravos estava longe de fazer parte de uma aristocracia senhorial. A maioria deles era de classe baixa, que não conseguia comprar muitos cativos e que tinha que trabalhar lado a lado com seus escravos para garantir o sustento da família. 

A presença de um ou alguns poucos escravos na casa não garantia, aos membros da família, a prerrogativa de deixar de trabalhar: apenas dava, à família, maior grau de segurança econômica através do aumento da produção tanto para consumo doméstico quanto para venda. Analisando o perfil do senhor escravista, Barickman escreveu: "nem na roça, onde empunha uma enxada, nem à mesa de jantar, onde come com as mãos e depois lambe os dedos, poderia se fazer passar por um grande e altivo senhor do tipo descrito por Gilberto Freyre". 

A fazenda e as senzalas em Minas Gerais também são descritas de maneira bem diferente da do livro Casa-Grande & Senzala pelo viajante francês Auguste de Saint-Hilaire em seu livro "Viagens às Nascentes do Rio São Francisco": “ Depois de Tamanduá Itapecerica (Minas Gerais), já nos limites do Sertão, as casas da sede das fazendas se compõe de várias edificações isoladas, mal construídas, no meio dos quais dificilmente se distingue a residência do proprietário. Citarei a de Dona Tomásia: a propriedade era de extensão considerável e vi, aí, vários escravos, gado vacum e nomerosos porcos. Entretanto, em meio a várias casinhas que serviam de celeiros e senzalas, a dona da fazenda ocupava uma miserável cabana construída sem os mínimos requisitos de estética e conforto, cujo mobiliário consistia apenas numa mesa e alguns bancos rústicos. 

Famílias de escravos 

Para compreender a questão da família escrava no Brasil, antes de mais nada, é importante termos em vista a quantidade de africanos que desembarcaram nas colônias americanas e ilhas do Atlântico durante os séculos XVI-XIX. Estima-se que mais de 12 milhões de cativos africanos cruzaram o Atlântico e desembarcaram em terras Americanas a partir de 1501 até 1866, tendo seu auge acontecido durante o século XVIII. Apenas no Brasil, esse número pode chegar a quase 5 milhões de africanos, ou seja, a colônia Portuguesa recebeu a maior porcentagem de escravos africanos, número muito superior que os Estados Unidos, as ilhas do Caribe e demais colônias americanas. 

Dentre estes cativos, a proporção entre homens e mulheres era de aproximadamente 4:1 (quatro homens para cada mulher), fato dado principalmente por dois fatores: o homem como principal mão de obra nas plantações e engenhos, e o fato dos traficantes Africanos preferirem ficar com as mulheres na África, pois eram a principal fonte de reprodução de cativos. 

A partir dessa, quase que impensável, quantidade de africanos trazidos como escravos para as colônias americanas, é importante pensarmos na questão da constituição de famílias e da relação de parentesco entre eles. Diversos fatores sempre foram motivos de estudos na questão da escravidão: relação senhor-escravo, as alforrias, fugas, quilombos, revoltas, plantation, entre outros, ou seja, o escravismo em geral. Mas somente a partir da década de 1970 é que a questão da família nuclear cativa foi debatida com mais ênfase pelos historiadores. Antes disso, devido relatos de viajantes que observavam outros aspectos da vida dos cativos, a ideia que se tinha era que a mesma era marcada pela promiscuidade, desregramento e violência. A instabilidade das uniões e a promiscuidade, consideradas características da vida escrava, foram associadas à deficiência política dos escravos, ou seja, à sua nulidade como sujeitos históricos. Por essa abordagem, por definição, a escravidão destruiria a possibilidade de família escrava. 

No Brasil, a partir dos anos 70, graças a estudos e pesquisas mais focadas nessa questão, a família escrava foi tomada como um resultado da vontade própria dos escravos em formar uma comunidade dentro do cativeiro, bem como parte de suas estratégias de sobrevivência, ao mesmo passo que atendia aos interesses senhoriais de controle social dentro do seu plantel. 

Casamentos 

A busca por uma união estável entre os cativos pode nos fornecer dados importantes para entendermos o complexo sistema escravista. Vimos anteriormente que milhões de escravos chegaram as costas brasileiras vindos de diversas partes do Continente Africano, e isso acabou por ser um fator primordial na constituição matrimonial entre os cativos. 

Diferentemente dos indígenas – que procuravam uniões exogâmicas – os cativos africanos buscavam seus parceiros (as) numa união endogâmica, ou seja, aqueles escravos de origem africana procuravam se casar com outros indivíduos igualmente vindos da África, e mais, além de ser endogâmicos, os cativos buscavam ainda casar-se com indivíduos da mesma etnia africana (nagôs casavam-se com nagôs, jejes com jejes, minas com minas, hauçás com hauçás, etc.). Isso foi um fator fundamental para a constituição de uma certa identidade africana, da valorização de suas raízes, e com isso, seus costumes. Porém, como a família era um pré-requisito para ter direito à terra, o acesso à família tornou-se difícil em dado momento devido a preferência pelo matrimônio endogâmico entre os escravos, e assim sendo, pela diferença homens x mulheres entre os africanos e mais equilibrada entre os mulatos (por exemplo), era normal que africanos homens buscassem por mulheres mulatas. Mas não deixa de ser difícil conseguir o casamento, pelo fato dos mulatos serem, preferencialmente, também endogâmicos. Variação em porcentagem dos casamentos escravos de acordo com as naturalidades dos cônjuges Um grande estudioso da questão do casamento e constituição de famílias escravas foi Robert Slenes, ele mostra que as identidades criadas através das “recordações africanas” durante o cativeiro, fortalecidas pelos laços de uma união estável. Além disso, com o aumento de estudos nessa área, nos revelam outras especificidades em relação ao casamento entre cativos, por exemplo, o fato de casais de escravos terem uma casa separada dos outros (que dormiam nas senzalas), sendo possível inclusive, que possuíssem um pedaço de terra para plantar diversos produtos alimentícios que seriam de sua propriedade, favorecendo o acumulo de pecúnia, que futuramente poderia ser utilizado para comprar sua liberdade. 

Pesquisas recentes vêm revelando que o peso causado pela escravidão não destruiu a instituição familiar africana, e apesar de diversos obstáculos, a constituição da família escrava existiu de fato, sendo tão importante para o cativo em si quanto para seus senhores proprietários. Casamentos longos e estáveis, de 10 anos ou mais, eram bastante comuns entre os africanos, e muitas das vezes eram sacramentados pela Igreja. Existem diversos documentos e registros de casamento e batismos de escravos que ajudam a fundamentar tais dados e são de extrema relevância para se estudar o período. Tal fato também não exclui a existência de mães solteiras no meio rural. Segundo dados de inventários post-mortem, cerca de 10% a 30% das crianças de 0 - 3 anos que viviam na zona rural não tinham pais. E essa porcentagem aumenta de acordo com a idade de tais crianças, por exemplo, para crianças de 3 – 7 anos a porcentagem varia de 30% a 60%, e para 7 – 11 anos, a variação é de 60% a 80% de crianças sem pais. Bem como também não se exclui o fato de muitos homens solteiros, devido ao que foi dito anteriormente, a desproporcionalidade no número de homens e mulheres, e sendo assim, tais indivíduos eram a maioria na quantidade de fugas. Já no caso das mulheres, pelo fato delas se casarem mais, eram a minoria dentre os fujões. Ainda sobre casamentos, um fato observado é a preferência dos homens mais velhos por mulheres mais jovens, num quadro simétrico, onde quanto maior a diferença de idade entre os homens (principalmente os crioulos), mais jovem eram suas esposas. Em contrapartida, se o homem era muito jovem, ele só encontraria uma esposa entre as mulheres mais velhas, resultado do fato de que as mulheres jovens (principalmente em idade fértil) já estarem relacionadas com os homens mais velhos. Era como se houvesse um tipo de monopólio por parte dos cativos mais velhos sobre as mulheres jovens, onde não havia escolha para os jovens, se não, buscarem pelas cativas mais velhas.

 

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