COVID-19 no mundo
Profundamente
criticado por mais de 150 bispos brasileiros, o presidente Bolsonaro
preferiu fugir da polêmica com os representantes da Igreja Católica por
"estratégia de sobrevivência política", avalia cientista política ouvida
pela Sputnik Brasil.
Nesta
semana, o vazamento de uma polêmica carta assinada por 152 bispos,
arcebispos e bispos eméritos do Brasil com várias críticas ao governo do
presidente Jair Bolsonaro gerou tensão no cenário político e religioso
brasileiro.
No documento, publicado
pela coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, os
líderes religiosos acusaram a atual administração de não ter capacidade e
habilidade para enfrentar as crises pelas quais o país está passando,
de se fundamentar em uma "economia que mata", de promover discursos
antiéticos e imorais, fazer conchavos políticos visando à manutenção do
poder e demonstrar desprezo pela educação, cultura, saúde e diplomacia,
entre outras coisas.
"O Brasil atravessa um dos períodos
mais difíceis de sua história, comparado a uma 'tempestade perfeita'
que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa dessa tempestade é a
combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador
colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da
República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e
outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e
de governança", diz um dos trechos da "Carta ao Povo de Deus".
Segundo
Bergamo, o polêmico texto foi enviado ao papa Francisco, no Vaticano, e
a dom João Braz de Avis, cardeal brasileiro que integra a Congregação
para o Clero. Apesar da possível pressão extra que esse documento pode
colocar sobre o governo, o Palácio do Planalto disse que não iria
comentar o assunto.
Governo precisa rever suas ações e consertar trajetória
De acordo com o senador Nelsinho Trad,
do PSD de Mato Grosso do Sul, em política, todas as críticas deveriam
servir para ajudar a consertar "eventuais equívocos" e "eventuais rumos
inadequados" adotados por determinada administração. Em entrevista à
Sputnik Brasil, o parlamentar explicou que, no seu entendimento, o
governo Bolsonaro deveria "considerar essas críticas" e "procurar, pelo
menos, ajustar aquilo que foi devidamente explícito no material assinado
por quase 200 bispos".
"Eu entendo que é mais do que hora de o
governo rever certas ações, no sentido de consertar o seu caminho e a
sua trajetória", afirma.
Para Trad, essas posições críticas à administração federal por parte
de um grupo tão representativo da sociedade brasileira poderão,
naturalmente, ter influência sobre as eleições municipais deste ano. E a
melhor maneira de o governo se defender dessas críticas seria
dialogando.
"O que eu entendo que deve ser feito —
e, se estivesse no lugar, faria: eu abriria um canal de diálogo para
que se possa entender melhor todas essas críticas e tentar consertar
rumos. Porque o governo está no seu segundo ano de gestão, ainda tem
mais um grande tempo pela frente e a possibilidade de consertar caminhos
que, por ventura, possam estar equivocados."
Falando mais especificamente sobre esses equívocos, o senador
menciona as crises administrativas nos ministérios da Saúde e da
Educação, destacando que esses são problemas que precisam ser tratados
com mais atenção.
"Você não vê ninguém ganhar uma eleição dentro de um sistema
democrático, no nosso país, sem falar em política de saúde e educação.
E, até este momento, nós não estamos tendo condição de mostrar a que
veio o atual governo", argumenta.
Presidente decidiu evitar conflitos em nome da sobrevivência política
As 152 lideranças que assinam a "Carta ao Povo de Deus" e "postulam
mensagens incisivas de crítica às ações do governo" têm capacidade de
influência significativa sobre seus fiéis e podem representar um
crescente descontentamento ou até rejeição ao presidente por parte de
uma parcela importante da sociedade, acredita a cientista política
Ariane Roder, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
Também em declarações à Sputnik, a especialista afirma que a pandemia da COVID-19 escancarou a forma como Bolsonaro e aliados lidam com a ciência, com o meio ambiente e até com a vida.
"Somadas a esses fatos, as denúncias envolvendo o clã Bolsonaro, a
associação com partidos do centrão e as negociações de cargos para apoio
ao governo são outros indicadores que demonstram contradição de
argumentos e enfraquecem de forma crescente o governo frente à
sociedade", diz Roder.
De acordo com a acadêmica, no que diz respeito às recentes
movimentações por parte dos bispos brasileiros em relação a esse
governo, tudo indica que há internamente, na Igreja Católica, uma
disputa em curso, entre alas progressistas e conservadoras, sobre o
posicionamento dessa instituição diante das crescentes crises envolvendo
a gestão Bolsonaro.
"Vale ressaltar que esse embate
político interno na Igreja Católica também é resultante do apoio ao
governo anunciado por parcela do clero recentemente. Muitos alegam que
esse apoio advém de benefícios, através de verbas publicitárias e apoio à
radiodifusão. Esse fato traz um ingrediente adicional sobre como a CNBB
[Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] evitará um racha interno."
Assim como o senador Trad, a professora também acha que a carta dos
bispos, assinada por clérigos de diversas partes do Brasil, tem tudo
para repercutir nas eleições deste ano.
"O resultado do pleito municipal será um grande termômetro para
evidenciar a força / fraqueza política do presidente em diferentes
regiões do país, ou seja, vai nos possibilitar evidenciar se o apoio de
Bolsonaro atrairá ou afastará votos de seus candidatos aliados."
Após um aumento das tensões há alguns meses, com vários choques
entre os poderes, Roder observa uma tendência do chefe de Estado
brasileiro de optar por uma postura de menos conflitos, visando,
possivelmente à sua própria sobrevivência política. Um exemplo disso,
segundo ela, é a busca do governo por pautas positivas junto ao
Congresso Nacional, de maneira a "minimizar o clima de paralisia
decisória que tem dominado o país em 2020".
"No meu ponto de vista, a estratégia
de sobrevivência política com uma postura menos conflitiva por parte do
presidente é acertada neste momento. Mas o perfil imprevisível dele e de
seus filhos (influenciadores digitais) nos impede de estabelecer
prognósticos mais exatos sobre a permanência dessa estratégia no curto e
no médio prazos."
CNBB evita polêmica após vazamento de carta dos bispos
A chamada "Carta ao Povo de Deus" estava programada para ser
publicada no último dia 22, mas essa publicação foi suspensa para que o
texto pudesse ser analisado pelo conselho permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Seu vazamento ocorreu em meio a temores dos signatários de que o
documento fosse censurado por parte do setor mais conservador do órgão.
Procurada pela Sputnik Brasil, a instituição afirmou que "a carta
mencionada e divulgada nos veículos de comunicação não foi feita pela
CNBB", sendo de responsabilidade apenas dos signatários.
"Portanto, não reflete o posicionamento da Conferência", afirmou a assessoria da CNBB.