Paula prova que o Fado é brasileiro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de julho de 1974
O Fado, ensina o mestre Luiz da Camara Cascudo ("Dicionário do
Folclore Brasileiro" volume I, página 363, edição INL/MEC, 1972), é uma
canção popular portuguesa, especialmente cantada em Lisboa e Coimbra, de
origem brasileira, vinda do Lundu, já divulgada entre o povo, quando a
corte portuguesa se estabeleceu no Brasil, em 1808. No romance "Memórias
de um Sargento de Milícias", Manuel Antonio de Almeida, embora em
1854/55, evoca o Rio de Janeiro no tempo de Dom João, príncipe e regente
e depois (1815), primeiro e último rei do Brasil. Descrevendo uma festa
de batizado, urgem legitimamente português, o desafio, a dança
brasileira, o fado. "Já se sabe que houve nesse dia de função; os
convidados da comadre que eram todos da terra, dançaram o fado"
(descrição de Mário de Andrade, em "Música Doce Música", São Paulo,
1934).
E assim legitima a afirmação de que o Fado é uma música de origens
brasileiras, embora os lusitanos praticamente tenham se apropriado dela,
a partir de 1840 e transformando na [música] nacional de Portugal. Sem
pretensões de discutir paternidade, [mas] apenas para provar que os
brasileiros continuam a compor bonitos fados o publicitário Marcus
Pereira, ao lançar o primeiro suplemento regular de sua nova (e
excelente) etiqueta, incluiu ao lado da coleção "Música Popular do
Centro-Oeste/Sudoeste" e lps de Cartola e Osvaldinho da [Cuíca], o
bonito disco "Fados Brasileiros", onde "com o magnífico som Eldorado e
na voz de Paula Ribas, servimos uma dúzia de fados a moda dos
[trópicos], assinados por Vinicius de Morais, Chico Alves e outros
importantes nomes da música popular brasileira em várias gerações", como
diz o diretor artístico de gravação, Aluízio Falcão. E Falcão ainda que
saliente ser bem nítida a influência portuguesa no som brasileiro,
"verdade que, hoje, em nossa [música] popular urbana, predomina a
[influência] negra. O Samba, de origem africana, depois de muito tempo
confinado em áreas rurais urbanizou-se definitivamente a partir dos anos
quinze;. Mas, em princípios do [século], quase ninguém sambava no
Brasil urbano. A modilha, com alguns retoques de aculturação, era,
naquele tempo, nossa [música] de consumo. Os paquetes, em quinze dias de
mar, traziam da
Corte até nós algumas partituras de piano que logo se transformavam em
sucesso. E não se ouvia outro som nos teatros, nas serenatas, nos saraus
de família". Assim, Aluízio Falcão indaga:
- Por que os paquetes não trouxeram partituras de fados, junto com
as modilhas?
Ele mesmo tenta uma explicação:
- Talvez porque os Fados fossem em Portugal, tal como o samba entre
nós, um [gênero] "underground", cafajeste, coisas de mandriões. Eça de
Queiroz, escritor elegante comentava: "Roma fez o Direito. Paris fez a
Revolução. Lisboa que criou? O Fado"
Mesmo como já vimos as suas origens são do Brasil. A tese é de que o
fado de origem brasileira embarcou para Portugal na memória dos
brasileiros enriquecidos e dos portugueses pobres, "banzou pelos
[bordéis] e pelos botequins de beira-rio, fixou-se na mala-vita de
Lisboa e, para o nosso bem, acabou se nacionalizando [português]".
Hoje, em dia a [música] mais representativa de Portugal entre [nós], o
Fado mostra toda sua beleza na criação de poetas e [músicos]
brasileiros. Recolhendo desde os trabalhos mais antigos - como o "Barco
Negro", que o sambista Caco Velho (1920-1971, nome verdadeiro: Matheus
Leme) [compôs] em parceria com Piratini, até o mais recente exemplo - o
belíssimo "Fado Tropical" que Chico Buarque e Rui Guerra criaram para a
peça "Calabar", a fadista portuguesa Paula Ribas mostra ao longo das 12
faixas deste bonito lp de Marcus Pereira "que os brasileiros não
descendem somente dos barões assinalados. Nós descendemos também de
muita honra, daqueles rapazes plebeus, mulherengos, cheios de
sentimento, que em noites remotas, nos tombadilhos dos paquetes, gemiam
canções malditas em louvor de amores idens, deixando na mourarias desta
vida".
Assim é que o disco abre com "Saudades do Brasil em Portugal", que
Vinicius de Moraes poetou e que Homem Cristo soube musicar. Com letras
da poetisa Cecília Meireles (1906-1963), temos "As Mãos que Trago" e
"Naufrágio", ambas musicadas por Alain Oulman. Outro poeta, o
pernambucano Carlos Pena Filho, oferece as palavras de "A Solidão e Sua
Porta" (musicada por Luis N'Gambi) e "As [Dádivas]" (em que o jovem
sambista Eduardo Gudin colocou a [música]). O grande Chico Alves
(1989-1952) também fez (em parceria com Luiz Iglésias) em Fado: "Saudade
Esperança". Menos conhecidos - mas igualmente bonitos - são os fados de
Marcos Calazans/Cau Pimentel ("Calvário"), Walter Marques ("Tremendos
Enganos"), enquanto que os "Os Argonautos" de Caetano Veloso e
"Francisca Santos das Flores" (Dorival Caimmy) são exemplos recentes de
que o Fado não morreu na alma dos brasileiros.
Um bonito lp este "Fados Brasileiros", para portugueses e brasileiros de
todas as atitudes e sentimentos.
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