Divulgados pela 'Folha' e 'The Intercept' novos trechos de vazamento mostram que Léo Pinheiro, da OAS, só ofereceu versão contra Lula anos depois de seu primeiro testemunho
São Paulo
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Novas mensagens de procuradores da Lava Jato obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas neste domingo pelo jornal Folha de S.Paulo
apontam que os acusadores desconfiaram da versão da principal
testemunha contra Lula no caso do triplex do Guarujá. Léo Pinheiro, dono
da construtora OAS, mudou de versão ao longo de meses até que,
finalmente, incriminou o ex-presidente e afirmou que ele chegou a
orientá-lo a destruir provas. Em sua versão final, aceita pelos
procuradores, ele afirmou que o apartamento no litoral de São Paulo era
um presente a Lula em troca de benesses do Governo. O petista acabou
condenado por Sergio Moro, que considerou que o ex-presidente recebeu
da construtora dinheiro de corrupção dissimulado na compra do
apartamento em troca de desvios de contratos com a Petrobras.
Lula cumpre pena de 8 anos e 10 meses por corrupção passiva e lavagem
de dinheiro. Em entrevista ao EL PAÍS, Lula afirmou que Pinheiro disse a
seu advogado que mudou o depoimento por orientação de seu defensor.
O depoimento de Léo Pinheiro foi fundamental para a condenação do ex-presidente. Ele foi usado como base para a denúncia da força-tarefa,
que afirmava que o Grupo OAS, presidido pelo empreiteiro, pagou 87,6
milhões de reais em propinas por contratos com a Petrobras. Um porcento
desse valor, apontou a força-tarefa da Lava Jato, foi destinado a
agentes políticos do PT em uma conta geral de propina que o partido
mantinha com a construtora. Desta conta, afirma, teriam saído 2,42
milhões para o caso do Guarujá, referentes à diferença de valor entre o
triplex e o apartamento tipo que a família de Lula já tinha comprado no
edifício na cota de uma cooperativa e em reformas e bens para o imóvel.
Segundo a reportagem deste domingo, as mensagens dos procuradores vazadas por uma fonte anônima ao Intercept
apontam que os relatos feitos por Léo Pinheiro sofreram várias
alterações até que as negociações para uma delação premiada avançassem.
Inicialmente, a delação de Pinheiro, que já estava condenado há 16 anos
de prisão, foi rejeitada. O depoimento dele não servia para condenar
Lula, já que ele dizia que as reformas e bens colocados no imóvel tinham
o objetivo de agradar o ex-presidente, e não tinham qualquer
contrapartida em benesses no Governo. Na época, a versão foi considerada
pouco crível pelos acusadores da força-tarefa.
Pinheiro, nesta época, aguardava seu recurso no Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF) em liberdade, mas temia perder e ser preso.
Os advogados chegaram a perguntar se, diante da iminência da entrega de
novos anexos, seria possível adiar a audiência de apelação, mas os
procuradores disseram que o acordo com eles não interferia no andamento
judicial. Em 20 de abril de 2016, mensagens dos procuradores revelam
este bastidor. Januário Paludo escreveu: "Acho que tem que prender o Leo
Pinheiro. Eles falam pouco. Quer dizer, acho que tem que deixar o TRF
prender."
Em 21 de julho do mesmo ano, o procurador Athayde
Ribeiro Costa afirma ao grupo de procuradores: [os advogados] entregaram
os anexos e pediram assinatura do acordo de confidencialidade. Negamos
por insuficiência dos anexos e omissão de vários temas. A versão
apresentada também é ruim para vários casos." Roberson Pozzobon, então,
respondeu: "Na última reunião dissemos que eles precisariam melhorar
consideravelmente os anexos. Eles falaram que melhorariam e os trariam
hoje". O termo de confidencialidade, passo para a delação, foi assinado
em agosto, um dia antes de a revista Veja trazer detalhes do depoimento
de Pinheiro, que afirmavam que a delação da OAS citava o ministro do
Supremo Dias Toffoli.
Com o vazamento, alguns procuradores chegaram a defender que o acordo
com Léo Pinheiro fosse suspenso, para evitar atritos com o STF.
Em 20 de agosto, o coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol
se manifestou: "Não sei se os anexos evoluíram. Se estiverem uma
porcaria ainda, aí tudo bem. Mas se os anexos estiverem bons, acho que
não é o caso. Salvo engano, ainda, trazem PSDB como nenhum que fechamos
trouxe. Até fecharmos algo bom do PSDB, não dá pra descartar." A
procuradora Anna Carolina Resende Maia Garcia respondeu:" Essa manobra
deles pode nos custar muito caro. O STF vai se fechar e vão acabar com
nossos acordos. Não acho que o risco valha a pena. Temos que sinalizar
claramente que não vamos ser usados." Depois, continuou: "Os anexos da
OAS não valem isso. Na minha visão, são muito ruins, o advogado [da
empresa] é mal caráter e Léo Pinheiro é o empreiteiro com mais prova
contra si."
Uma semana depois, conta a Folha, a Veja publicou trechos de
sete anexos da delação de Pinheiro e afirmou que a OAS revelara a
existência de uma conta secreta para realizar pagamentos a Lula. Em 26
de agosto de 2016, a procuradora Anna Carolina, então, pergunta ao
grupo: "Tinha isso de conta clandestina de Lula?". O procurador Sérgio
Bruno responde: "Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apartamento
do Guarujá. Diziam que não tinha crime. Nunca falaram de conta." A
existência de uma conta foi essencial para que o caso não apenas
ganhasse força, mas para que fosse mantido com a força-tarefa de
Curitiba. Era essa conta, onde era depositado dinheiro ilícito de
corrupção, que ligava o caso do triplex do Guarujá à Petrobras, tema da investigação da força-tarefa.
O empreiteiro, diz a Folha, foi tratado com
desconfiança pela Lava Jato durante quase todo o tempo em que se dispôs a
colaborar com as investigações. A versão do empresário só ganhou
crédito quando a narrativa sobre o triplex do Guarujá mudou. Léo
Pinheiro acabou preso em setembro de 2016 e as negociações sobre a
delação ficaram paradas até 2017. A procuradoria-Geral da República e a
força-tarefa de Curitiba só aceitaram retomar as negociações de uma
possível delação premiada em março de 2017, quando o processo aberto
para examinar o caso do tríplex estava se aproximando do fim e Léo
Pinheiro se preparava para ser interrogado por Moro.
A versão que incriminou Lula foi apresentada apenas em abril de 2017,
mais de um ano depois do início das negociações. Foi quando Pinheiro
afirmou, em uma audiência com Moro em Curitiba, que havia a tal conta de
propina para o PT, de onde, segundo o ele, saíra o dinheiro para a
reforma do triplex. Foi também em 24 de abril de 2017 que ele afirmou
que Lula o havia orientado a destruir provas de sua relação com o
partido após o início da Lava Jato.
Em 13 de julho de 2017, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, mostrou preocupação em relação ao timing
do acordo. "Caros, acordo do OAS, é um ponto pensar no timing do acordo
com o Léo Pinheiro. Não pode parecer um prêmio pela condenação do
Lula". Em 3 de agosto daquele mesmo ano, a procuradora Jerusa Viecili
ressaltou que a versão da empresa foi "desleal". "Houve ordem para
destruição das provas. Nisso a empresa foi desleal, pois nunca houve
afirmação sobre isso. Salvo quando Leo falou no interrogatório sobre
destruição de provas, não houve menção a este assunto."
O acordo de delação premiada acabou se arrastando e foi fechado no
fim de 2018. Mas até hoje a procuradora-geral da República, Raquel
Dodge, não o encaminhou para a homologação do STF e Pinheiro continua
preso.
Defesa de Lula
A mudança nas versões dadas por Leo Pinheiro eram alvo de críticas da
defesa de Lula desde quando a delação foi firmada. "O Léo [Pinheiro],
que estava preso aqui e fez a denúncia contra mim, passou três anos
dizendo uma coisa e depois mudou o discurso. Meu advogado perguntou o
porquê disso e ele disse ‘meu advogado me orientou’. E o que ele falou:
‘Lula sabia", afirmou o ex-presidente em entrevista ao EL PAÍS Brasil
e à Folha, em abril deste ano. Em nota, a defesa do ex-presidente
afirmou neste domingo que a reportagem "reforça a forma ilegítima e
ilegal como foi construída a condenação do ex-presidente Lula no chamado
caso do triplex”. "Conforme histórico do caso, Léo Pinheiro, que ao
longo do processo nunca havia incriminado Lula, foi pressionado e
repentinamente alterou sua posição anterior em troca de benefícios
negociados com procuradores de Curitiba, obtendo a redução substancial
de sua pena", completou o texto.
À Folha, a força-tarefa da Lava Jato afirmou que o material
apresentado pela reportagem não permo dite constatar o contexto e a
veracidade do conteúdo.“A Lava Jato é sustentada com base em provas
robustas e em denúncias consistentes. O trabalha força-tarefa foi
analisado e validado por diferentes instâncias do Judiciário, de modo
imparcial e independente”, ressaltou uma nota do órgão, publicada pelo
jornal.
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