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AP Photo / Eraldo Peres
Brasil
O Brasil de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes nasceu sob o lema de menos Estado e de um impulso de intensidade inédita em direção à privatização.
A Sputnik Brasil ouviu 2 economistas, 1 jurista e 2 deputados federais para explicar como o discurso privatista assumiu o protagonismo da política no país e quais são suas consequências imediatas.
Nas
últimas décadas o Brasil oscilou entre o discurso desenvolvimentista, de
apoio às empresas estatais, e a diminuição do Estado com privatizações.
A partir da redemocratização, foram privatizadas no Brasil diversas
empresas, como a Telebrás e subsidiárias da Petrobras.
O desenvolvimentismo voltou com os governos do Partido dos
Trabalhadores (PT), mas após o impeachment de Dilma Rousseff e a entrada
de Michel Temer (MDB), abriu-se espaço para o discurso das
privatizações, que venceria as eleições seguintes alçando Jair Bolsonaro
(PSL) ao poder.
Por que discurso privatista de Bolsonaro é diferente dos anteriores?
Escândalos de corrupção e a profunda crise econômica colocaram em
2018 dois projetos econômicos novamente na disputa pela Presidência. De
um lado Jair Bolsonaro (PSL) e a diminuição do Estado ao lado das
privatizações, e de outro Fernando Haddad (PT) com o modelo petista.
A
vitória de Bolsonaro trouxe o rosto liberal de Paulo Guedes, que como
ministro da Economia apresentou uma ruptura com o projeto
desenvolvimentista. Com a missão de arrecadar o valor de R$ 1 trilhão
com privatizações, nasceu a Secretaria Especial de Desestatização do
Ministério da Economia, que lembra o Plano Nacional de Desestatização
(PND) de Fernando Collor e o Conselho Nacional de Desestatização, de
Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A ideia é privatizar empresas como os
Correios, a Eletrobras e boa parte da Petrobras.
Para Márcio Pochmann,
economista da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e assessor da
Fundação Perseu Abramo, apesar da volta do discurso privatista, o
formato da política de Bolsonaro é inédito.
“Nos anos 1990, a privatização era justificada pelo reconhecimento, que era feito à época, da maior eficiência nas atividades empresariais pelo setor privado em relação ao setor público”, remonta Pochmann em entrevista à Sputnik Brasil.
O economista explica que houve um amplo debate sobre o tema baseado na eficiência do setor privado diante do Estado.
“O recurso arrecadado nas atividades do setor empresarial do Estado
seria deslocado para atividades que o setor privado não desenvolvia com
tanta amplitude, como era o caso das atividades sociais. Então
tratar-se-ia da privatização como uma espécie de recomposição do Estado
brasileiro, focando mais nas atividades de seguridade social para
combater o desequilíbrio, a desigualdade, etc.”, diz o economista.
Pochmann explica que a primazia do discurso em prol do setor privado
baseado na eficiência, no entanto, sofreu um revés a partir da crise
econômica mundial de 2008.
“Essa trajetória foi interrompida nos governos do PT e ficou bastante claro que a justificativa para a privatização tal qual foi adotada nos anos 1990 foi de certa maneira esvaziada pela crise de 2008, uma crise global, que foi fundamentalmente uma crise do setor privado”, destaca o professor, que também aponta que a crise foi sanada majoritariamente pelos governos.
Diante dessa mudança de escopo, explica Pochmann, o discurso assumido
no governo Bolsonaro teria diferenças fundamentais em relação ao
praticado nos anos 1990. Dessa vez, acredita ele, a intenção de reduzir o
Estado é ainda mais ampla e radical.
“Agora simplesmente o discurso é esvaziar, retirar o Estado de qualquer atividade, seja ela empresarial ou atividades de serviços públicos. A teoria que está por trás é uma outra teoria. É comprimir tudo o que for possível. Portanto, a privatização é uma das formas de compressão fiscal, porque se parte do pressuposto de que ao comprimir o gasto público, ao retirar o Estado, seja ele do serviço público, seja ele de atividades empresariais, a iniciativa privada estará liberada, motivada, incentivada para avançar”, aponta.
Discurso vai na contramão do mundo
Pochmann ressalta que o movimento pelas privatizações vai na
contramão do que ocorre mundo afora e afirma que cresce a reestatização
de empresas em países desenvolvidos. Segundo o Transnational Institute
(TNI), da Holanda, entre 2000 e 2017, houve no mundo a reestatização de
884 serviços privados, sendo 83% desse número após a crise de 2008.
É
o que também ressalta Alessandro Octaviani, professor de Direito
Econômico da Universidade de São Paulo. Autor do livro “Estatais”, o
professor ressalta a importância dessas empresas para o desenvolvimento
mundo afora.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Octaviani afirma
que o grosso das estatais brasileiras é lucrativo e que a função
constitucional dessas empresas é ser bem gerida para “ser um instrumento
da administração pública para garantir o desenvolvimento do país” e que
são amplamente utilizadas em países desenvolvidos.
O professor cita a China, a Alemanha e também os Estados Unidos como
países com participações importantes de estatais em suas economias.
Segundo ele, Alemanha e Estados Unidos têm 16 mil e 7 mil empresas
estatais, respectivamente.
“Esses são dois exemplos do chamado capitalismo ocidental sem nenhuma
suspeita, que quando despido da ideologia, ou quando é despido da má
informação, nós chegamos bastante próximo ao que é praticado por outro
capitalismo, o capitalismo do mundo asiático, no qual o grande exemplo
hoje é a China”, afirma Octaviani.
Para o professor de Direito Econômico, o discurso privatista ascendeu
novamente no Brasil devido ao lucro rápido que as estatais podem gerar
para a iniciativa privada e aos escândalos de corrupção descobertos
durante os governos do PT envolvendo essas empresas.
'Não existe bom e ruim em economia'
Para a economista Glória Maria Moraes da Costa, professora do
Mackenzie no Rio de Janeiro, a forma como o debate sobre privatizações é
conduzido no Brasil teria um tom menos técnico e mais ideológico.
“Aqui se criou uma convicção de que o Estado é ruim e de que a iniciativa privada é boa. Essa discussão é uma discussão ideológica, é uma discussão que não é técnica. Essa é uma discussão que não esclarece à população os reais motivos de privatizar ou não privatizar um setor”, afirma a professora em entrevista à Sputnik Brasil.
A professora explica que o Brasil teve uma longa fase de
desenvolvimentismo entre os governos de Getúlio Vargas e o fim do regime
militar. Para ela, essa visão se caracteriza “pelo papel do Estado com
indutor do desenvolvimento e agente que impulsiona setores em que a
iniciativa privada não entra”.
Para a economista do Mackenzie, a privatização não deve ser um tema
tabu e sim discutida de forma bem informada e não monolítica.
“O setor é estratégico? Essa é a pergunta que a gente tem que fazer. É estratégico por que e para quem e em que período? Não existe o bom e o ruim em economia. Existe a capacidade decisória em cima de projetos articulados”, afirma.
Ela cita o caso da privatização do setor de telecomunicações, tido popularmente como algo bem-vindo no Brasil.
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Foto : Fernando Frazão/Agência Brasil
Governo estuda liberar saques em contas ativas do FGTS para estimular economia, diz Guedes
“Nós
privatizamos sem discutir nada, nós não separamos o que era estratégico
do que não era estratégico”, lembra a economista, que participou de
estudos do Ministério Público à época para discutir o formato de
privatização. Moraes ressalta que o debate foi mal realizado e que,
apesar dos avanços na telefonia doméstica, setores importantes ficaram
de fora.
“[Não há nenhuma dúvida] que a população brasileira passou a ter
acesso à telefonia, coisa que ela não tinha. Junto com a telefonia, por
conta da tecnologia, ela passou a ter acesso à internet, coisa que ela
também não tinha, porque a rede de dados era muito pequena. Então do
ponto de vista do usuário final, em termos de acesso melhorou muito a
vida dele [o consumidor], é inegável”, aponta, mesmo reconhecendo preços
altos praticados no setor.
Porém, para ela, a discussão foi feita “às pressas” e deixou aspectos
importantes de lado, como a infraestrutura pesada de longa distância, e
por isso o debate sobre privatização deve ser feito de forma detalhada
pensando o longo prazo. Para ela, o debate atual tem “discurso único” e
pouca qualidade.
A discussão depende do Congresso Nacional
O Congresso Nacional no Brasil é responsável por aprovar ou não a
venda de estatais. Segundo pesquisa realizada pelo G1, a maioria dos
deputados federais eleitos em 2018 é a favor de privatizações. A
pesquisa ouviu 412 dos 513 deputados e aponta que 26% deles são a favor
das privatizações, enquanto 31% são a favor de privatizar empresas
deficitárias.
Entre os deputados que se mostram a favor da privatização de todas as
empresas estatais está Gilson Marques, eleito pelo partido NOVO de
Santa Catarina.
"Na verdade são vários motivos [para defender a privatização].
Primeiro, que a maioria delas só dá prejuízo e quem paga a conta são os
trabalhadores, os pagadores de impostos", afirmou Marques em entrevista à Sputnik Brasil.
"Todas as empresas estatais são administradas por políticos ou por
alguém indicado por eles. E na maioria das vezes eles são incompetentes
ou às vezes até corruptos", continua.
Marques acredita que as estatais são usadas como “cabides de
emprego”. Para o deputado, o Estado deve se concentrar em serviços
específicos e deixar o resto a cargo da iniciativa privada.
"Ficar sustentando o que o Estado não deveria estar focado é muito ruim. O que o Estado precisa dar é saúde, segurança e educação. Todo o resto quem faz bem é a iniciativa privada, justamente porque visa o lucro", afirma.
O
discurso de Marques encontra ressonância dentro do Congresso Nacional,
ao mesmo tempo que gera resistências. Cientes da maioria favorável às
privatizações dentro da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
formou-se uma Frente Parlamentar em Defesa da Petrobras com 210
deputados e 42 senadores.
O líder da Frente, o deputado Nelson Pelegrino, do PT da Bahia,
acredita que a entrega da Petrobras compromete o desenvolvimento
econômico e tecnológico do país, e critica a forma como vem sendo
conduzida a política de exploração do Pré-Sal.
“Vai matar a indústria local, vai beneficiar a indústria estrangeira e
comprometer a estratégia de desenvolvimento. Você deixa de usar a
Petrobras e o Pré-Sal como instrumento de desenvolvimento”, aponta.
Segundo ele, a política de preços de combustíveis adotada na
Petrobras é a grande responsável pela greve dos caminhoneiros que
paralisou o país em maio de 2018.
“Quando você faz uma política que não tem compromisso com o desenvolvimento econômico do país, com o desenvolvimento da indústria brasileira, quando a Petrobras deixa de ser um instrumento disso e passa a ser um instrumento dos acionistas minoritários, você tem uma amostra do que seria essa empresa privatizada. Então você tem uma explosão dos preços dos combustíveis com retração da atividade econômica”, afirma.
Para o deputado federal, o projeto de Bolsonaro seguirá enfrentando
resistências tanto no Congresso como no Supremo Tribunal Federal. Ele
lamenta que o combate à corrupção no Brasil não esteja protegendo as
cadeias produtivas nacionais.
“Não vamos aceitar que o patrimônio público seja vilipendiado de
forma criminosa do jeito que está sendo feito ou como querem fazer”,
afirma.
Em relação à Petrobras, Pelegrino promete que sua frente fará ações
populares e questionará “licitação por licitação”, além de judicializar
todo o processo de tentativa de venda de estatais ou de suas
subsidiárias criando “insegurança jurídica”.
Apesar do fôlego e da disposição, o deputado federal
reconhece, porém, que há um ambiente favorável para as privatizações
dentro e fora do Congresso Nacional.
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