O presidente Jair Bolsonaro está dando muita moleza.
Hoje, pela quarta vez desde o início da pandemia de coronavírus,
ele contrariou recomendações das autoridades sanitárias e provocou
aglomerações na rua ao visitar um hospital de campanha em Goiás.
Ontem
havia feito o mesmo ao ir a uma padaria em Brasília, onde comeu um
sanduíche e cumprimentou apoiadores (o idoso sorteado com um aperto de
mão presidencial imediatamente depois de o ex-capitão coçar o nariz, a
essa altura, deve estar rezando pela saúde do mandatário).
Até o
passeio à padaria, Bolsonaro incorria no terreno da irresponsabilidade,
o que já não era pouco, dado o peso do seu cargo e a situação do
planeta.
Depois do passeio à padaria, porém, o presidente passou a adentrar os domínios do Código Penal.
Na semana passada, o ministro do STF
Marco Aurélio de Mello arquivou uma representação contra Bolsonaro por
acusação de "causar epidemia" e "desobedecer o poder público"- crimes
previstos nos artigos 267 e 330 do Código Penal.
"Causar
epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos" pode resultar em
pena de reclusão. Mas neste artigo Bolsonaro não se encaixa, dado que,
como disse o ministro Marco Aurélio, não se sabe se o presidente esteve
ou não contaminado (e pelo visto nunca se saberá, uma vez que ele se
recusa a falar sobre o resultado do seu exame de contraprova enviado à
Fiocruz). Assim, não se pode acusar Bolsonaro de propagar germes
patogênicos, ao menos não os dele.
Já
o artigo 330 tipifica o crime de "desobediência a ordem legal de
funcionário público", e também foi refutado pelo ministro porque a
representação se referia ao passeio do presidente no dia 15 de março,
quando "não havia determinação específica de isolamento pelo poder
público", como anotou a Procuradoria Geral da República.
Só
que agora há. O decreto assinado no dia 1 de abril pelo governador do
Distrito Federal, Ibaneis Rocha, estendendo o isolamento até 3 de maio,
proíbe entre outras coisas aglomerações e refeições em bares e
lanchonetes - justamente o que o presidente causou e fez, debaixo do
nariz de todos os brasileiros, incluindo juízes.
Bolsonaro tromba com a lei e insiste em colocar em risco a vida dos outros. Mas não fica por aí.
Ao
negar a ciência e protagonizar cenas de
irresponsabilidade explícita, o
ex-capitão expõe o Brasil à chacota do mundo e garante o seu lugar no
panteão dos líderes folclóricos, para não dizer francamente malucos,
que, contra tudo e contra todos, criticam e boicotam o isolamento social
como medida de combate à pandemia.
Nessa categoria, estão, além do presidente brasileiro, o autocrata sandinista Daniel Ortega, da Nicarágua, para quem o coronavírus não existe; o presidente
da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, que disse ser a Covid-19 uma
"psicose" coletiva e recomendou aos seus concidadãos vodca e sauna como
medidas preventivas; e o ditador do Turcomenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov, que achou uma forma simples de resolver a pandemia: proibiu o uso da palavra coronavírus em seu país.
Jair Bolsonaro acha que está certo e o resto do mundo, errado.
Mas, pelo menos, ele encontrou a sua turma.
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