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Folhapress / Pedro Ladeira
A
"ressaca" vivida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, um dos
grandes fiadores do presidente Jair Bolsonaro junto ao mercado
financeiro, sofreu um duro revés nesta semana com a saída de dois
importantes nomes da pasta, e a chance de saída dele já pode ser vista
como uma realidade, segundo um analista ouvido pela Sputnik Brasil.
Na
terça-feira (11), Guedes foi surpreendido pelas saídas dos secretários
especiais de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados, Salim Mattar,
da Burocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, e o diretor do
programa de burocratização, José Ziebarth. Ao anunciar as demissões, o ministro classificou o episódio como "debandada".
Desde a saída dos hoje ex-ministros da Justiça, Sergio Moro, e da
Saúde, Luiz Henrique Mandetta, especula-se que Guedes seria o próximo
nome forte do ministério de Bolsonaro a deixar o governo. Como os dois
antigos colegas, o ministro da Economia alfinetou o presidente,
afirmando que o mandatário estaria sendo mal aconselhado e que poderia
caminhar para o impeachment ao não respeitar o Teto de Gastos.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o cientista político Guilherme
Carvalhido, professor da Universidade Veiga de Almeida no Rio de
Janeiro, concordou que Guedes está fragilizado há algum tempo, em um
processo que começou com a aproximação de Bolsonaro com o Centrão,
bancada com vários partidos e que conta com mais de 100 votos na Câmara
dos Deputados.
"Ele [Guedes] já vem se fragilizando por quê? Falando de uma maneira bem direta, boa parte dos políticos, sobretudo em um momento de crise, desejam e querem dinheiro, e o principal ponto de distribuição de dinheiro no Brasil é o governo federal. Logo, quando você faz acordos com os políticos no Congresso para distribuir dinheiro no sentido de emendas e processos que o governo tem direito, e você tem na figura do ministro Paulo Guedes, um sujeito com uma ideologia e uma forma de governar na qual o Teto de Gastos, o controle dos gastos é significativo, isso começa a colocar a força do ministro como mais enfraquecida", explicou.
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Folhapress / Pedro Ladeira
Presidente Jair Bolsonaro, acompanhado do ministro Paulo Guedes e empresários, conversa com a imprensa ao sair do STF
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A abertura dos cofres do governo para o Centrão – que já obteve
também cargos de primeiro (ministro das Comunicações, Fábio Faria,
integra o bloco) e segundo escalões – não são o único elemento que torna
a situação de Guedes complicada no Ministério da Economia. A pandemia
da COVID-19 e a liberação de recursos para o auxílio emergencial, por
exemplo, também impõem desafios reais e ideológicos.
"Ele está mais enfraquecido porque neste momento em que o governo
está gastando bastante em decorrência da pandemia, e também por conta
dos acordos firmados com o Centrão por razões variadas, a figura do
ministro Paulo Guedes está sim sendo enfraquecida se comparada com o
início do governo, quando você não tinha essa mesma demanda e esses
mesmos problemas", acrescentou Carvalhido.
Disputa com Marinho e investidores tornam Guedes indemissível?
Na quarta-feira (12), Bolsonaro fez questão de responder à fala de Guedes ao dizer que "o norte" do seu governo é a responsabilidade fiscal e as privatizações
– esta outra pedra fundamental vendida pelo presidente ainda na
campanha eleitoral, mas que pouco avançou até aqui. Entretanto, o
especialista ouvido pela Sputnik Brasil vê que as ações falam mais do
que as palavras no momento.
"O presidente Bolsonaro já de uns meses para cá, sobretudo quando ele aliviou o discurso e se tornou mais político, começou a fazer acordos com setores da sociedade, principalmente dentro dos setores do chamado Centrão no Congresso Nacional, [onde] o presidente vem construindo um discurso muito mais conciliador. Dessa forma, ele está tentando alinhar, sim, os interesses das estruturas de governo que ele iniciou o governo, ou seja, um Estado mais liberal, menos gastador, mas ao mesmo tempo ele está coligado com desejos de setores políticos de terem mais dinheiro", pontuou ele.
A ideia de manter um discurso de austeridade parece estar alinhada
com os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi
Alcolumbre, respectivamente, dos quais Bolsonaro vem tentando se
reaproximar nos últimos dias. Todavia, a influência deles sobre o
presidente enfrenta outra linha, mais com um olhar em 2022, que acredita
que o governo deveria aproveitar o afrouxamento do endividamento
público na pandemia para obras públicas e injeção de investimentos na
economia.
Guedes sugeriu que "assessores" de Bolsonaro estariam aconselhando o
presidente de maneira equivocada, o que levaria a uma irregularidade na
responsabilidade fiscal e a uma possível crise de responsabilidade, o
qual abriria espaço para um processo de impeachment de Bolsonaro. O
principal conselheiro alvo do ministro da Economia, segundo a mídia, seria o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho – este um indicado pelo próprio Guedes.
Para Carvalhido, a dualidade entre austeridade da ideologia liberal
que Guedes defende e o eventual rompimento do Teto de Gastos por aumento
de gastos públicos por conta da COVID-19 e do Centrão no Congresso não é
exatamente nova na história política brasileira, mas não se saberia
exatamente o tamanho do impacto, caso ela eventualmente acabe
acontecendo.
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REUTERS / Adriano Machado
Ministro
da Economia, Paulo Guedes, aponta para o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, após coletiva de imprensa conjunta, em Brasília, 11 de agosto de
2020
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"Neste momento, você não tem nenhum ministro que tenha força significativa para movimentar as estruturas do governo. Não há dúvida de que dentro daquela ideia original do governo Bolsonaro, montado ao final de 2018 com a sua eleição e iniciado em 2019, muitos já saíram. Guedes está nesta estrutura, neste núcleo mais duro do processo eleitoral de Bolsonaro, e hoje as substituições que foram feitas pelo presidente não estabelecem uma demonstração social de quadros que tenham significância, ou seja, que mudando de um nome A para um nome B venha a causar grandes impactos", complementou.
Se no âmbito interno uma possível saída de Guedes parece remediável,
ainda que não se saiba quem teria potencial para substituí-lo, na esfera
internacional o Brasil poderia ter mais problemas, sobretudo diante dos investidores que hoje já demonstram preocupação
com a destruição da Amazônia, e que poderiam, hipoteticamente, ver uma
mudança de rumo se houver mudança no topo do Ministério da Economia.
"Em termos internacionais, você quebra sim também uma política que
Bolsonaro vem tentando estabelecer desde 2019, com o que a gente chama
de processo liberal, ou seja, um Estado menos gastador, menos
burocrático, uma mudança de rumos históricos dentro do Brasil. [A saída
de Guedes] mostraria ao mundo, principalmente para os investidores
externos de que há uma mudança de rumo", concluiu Carvalhido.
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