Toby Melville/Reuters - 09.01.2020
A verdadeira origem da fortuna de Isabel dos Santos,
filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, está
sacudindo o mundo financeiro de Portugal, país usado por ela para
construir um império e se tornar a mulher mais rica da África, com
fortuna avaliada em US$ 2 bilhões.
A revelação do escândalo "Luanda Leaks", publicado pelo Consórcio
Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) em colaboração com 36
veículos de comunicação, fez Portugal revisar todos os negócios da
família que dominou Angola por 38 anos.
Isabel está presente em vários setores da economia portuguesa, desde o
energia ao de telecomunicações, e aproveitou-se de décadas de bom
relacionamento político e financeiro do país com a ex-colônia. Tal era o
poder da filha do ex-presidente angolano que, na metade da década
passada, alguns diziam que ela era "dona de metade de Portugal".
A ação mais drástica foi tomada pelo banco EuroBic, do qual Isabel tem
42,% das ações. A entidade anunciou que cortará as relações comerciais
com empresas controladas pela acionista angolana ou pessoas próximas a
ela.
O EuroBic reconhece que a medida é uma reação ao "Luanda Leaks", que
revelou que Isabel e seu marido, o congolês Sindika Dokolo, estão à
frente de mais de 400 empresas e filiais, muitas delas com sedes em
paraísos fiscais e que são beneficiárias de contratos públicos licitados
durante o governo de José Eduardo dos Santos.
Os mais de 700 mil documentos revelados mostram que as empresas de
Isabel tinham vantagens fiscais, obtiveram licenças para operar no setor
de telecomunicações e de extração de diamantes apenas devido ao
parentesco com o presidente de Angola, privilégio que a levou,
inclusive, à presidência da empresa estatal de petróleo do país, a
Sonangol.
Esse é o ponto mais delicado para EuroBic. Os documentos mostram que,
antes de ser destituída do cargo pelo sucessor de seu pai na presidência
de Angola, João Lourenço, em 2017, a Sonangol transferiu US$ 115
milhões a empresas no estrangeiro que pertenciam a Isabel e seus sócios.
O Banco de Portugal pediu que o EuroBic explique as transferências com
urgência. A instituição também quer saber como a conta da Sonangol foi
esvaziada em menos de 24 horas depois da saída de Isabel do cargo de
presidente da empresa.
Eles não são os únicos em apuros. O responsável pelo departamento
fiscal da PricewaterhouseCoopers (PwC) em Angola, Portugal e Cabo Verde,
Jaime Esteves, deixou o cargo devido a uma análise interna realizada
depois do rompimento de contratos de serviços que eram prestados a
empresas controladas por Isabel.
Outras importantes companhias que tinham relações comerciais com a
empresária se declaram "preocupadas" com o escândalo. É o caso do
poderoso grupo Sonae, sócio da angolana Zopt, uma holding que controla
52% da operadora NOS.
Tanto o Partido Socialista, do primeiro-ministro do país, António
Costa, como o Partido Social-Democrata, principal de oposição, estão em
silêncio. A única reação oficial veio do ministro de Relações
Exteriores, Augusto Santos Silva, que afirmou que cabe ao Banco de
Portugal e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários se pronunciar
sobre qualquer tipo de irregularidade em atividades bancárias.
"São órgãos de regulação independentes do governo, portanto, o governo
não tem comentários a fazer. A melhor maneira de defender (as empresas e
a economia portuguesa) é cumprindo a lei e sendo implacável no combate
às práticas de corrupção, práticas cleptocráticas e outras práticas
indevidas", disse o chanceler.
O silêncio dos partidos que governaram Portugal desde a queda da
ditadura em 1974 e são testemunhas do crescimento de Isabel no país
constrasta com a postura combativa de legendas de menor porte, como o
Bloco de Esquerda.
"O que aconteceu ao longo dos últimos anos foi uma cumplicidade
inaceitável entre os poderes político e econômico, entre representantes
do governo do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata com o
governo angolano e outros grupos econômicos portugueses", disse a
coordenadora-geral do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.
"A Justiça deve atuar porque roubaram o povo angolano e também
cometeram crime econômico em Portugal", completou a deputada, que era
aliada de Costa até a última legislatura.
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