Rui Pinto fundador do site Football Leaks |
O elenco mais caro de um filme de Hollywood fica mais em conta do que os milhões ilícitos do mundo do futebol denunciados pelo hacker Rui Pinto. Vai uma aposta? Fique a par dos terramotos que as suas fugas de informação já provocaram
Licenciado em História e génio informático, decidiu abandonar a vida pacata em Vila Nova de Gaia, onde nasceu, e infiltrar-se nos bastidores opacos do mundo do futebol. Lançou o site Football Leaks, que se tornou um “tsunami” de denúncias de contratos ilegais, comissões dissimuladas, negócios proibidos e esquemas de evasão fiscal, com um oceano de milhões à mistura. Para demonstrar a sua “imparcialidade”, nem o FC Porto, de que é adepto, poupou. Ou Cristiano Ronaldo, o seu ídolo – mas apenas dentro das quatro linhas.
Do Benfica foram
expostas milhares de mensagens de email trocadas entre 2008 e 2017 por
responsáveis do clube da Luz, e, no estrangeiro, o Paris Saint-Germain, o
Manchester City, o Real Madrid, o Barcelona e o presidente da FIFA,
Gianni Infantino, viram o Football Leaks desviar documentação reservada e
comprometedora. José Mourinho, Neymar e o “superagente” Jorge Mendes
foram outros dos visados do “pirata” Rui Pinto, que se apresenta
enquanto “denunciante”, à imagem de whistleblowers como Edward Snowden e Julian Assange.
Em
abril de 2016, o Football Leaks anunciou uma pausa, mas Rui Pinto
passou a um consórcio europeu de investigação jornalística cerca de 70
milhões de documentos e 3,4 terabytes de informações, incluindo emails
pessoais de algumas das figuras mais influentes do futebol mundial. E as
notícias bombásticas sucederam-se.
“COMO SE FOSSE O BIN LADEN”
Por
cá, as primeiras queixas-crime à PJ contra o Football Leaks surgiram
mal o site disparou as “balas” iniciais. Logo no final de setembro de
2015, o Sporting e a Doyen Sports (um fundo privado de especulação
financeira, com sede em Malta, que gere carreiras de futebolistas e
treinadores) denunciaram a violação dos seus sistemas informáticos. Mas a
Judiciária demoraria até janeiro passado, vigiando e perseguindo o pai e
a madrasta do hacker, para descobrir o paradeiro de Rui Pinto –
na capital húngara, Budapeste, cidade que conhece bem (estudou ali
História, em Erasmus).
Foi então emitido um mandado de detenção
europeu (MDE) contra o “pirata”, com vista à sua extradição para
Portugal, assinado pela procuradora Fernanda Barão, do DCIAP
(Departamento Central de Investigação e Ação Penal), que as autoridades
húngaras cumpriram a 16 de janeiro, prendendo Rui Pinto.
No MDE, a
procuradora atribui-lhe indícios da prática dos crimes de extorsão
qualificada na forma tentada, acesso ilegítimo, ofensa a pessoa coletiva
e violação de segredo, suspeitas que respeitam apenas aos processos
iniciados pela Doyen Sports e pelo Sporting.
No dia 5 de março,
uma juíza de 1ª instância do Tribunal Metropolitano de Budapeste validou
a extradição de Rui Pinto, 30 anos. Os advogados do hacker (com honorários pagos pela Signal Foundation, entidade dos EUA que se dedica à defesa de whistleblowers)
recorreram da sentença para o Tribunal Superior da capital húngara. O
seu constituinte não queria ser extraditado, alegando que não vê no
nosso país motivação para “lutar contra a corrupção no futebol” e que
por cá existe a “cultura do clubismo”, mesmo nas magistraturas. Sente-se
tratado “como se fosse o Bin Laden” e, sendo extraditado, diz recear
pela sua vida. Mas não explicou com que meios de subsistência vive na
capital húngara.
Apesar dos ataques que desferiu às autoridades
portuguesas, Rui Pinto, entretanto extraditado e em prisão preventiva,
deverá ter atenuantes (e a integração no programa de proteção de
testemunhas), de modo a obter a sua colaboração em investigações
sensíveis. Sabe-se, aliás, que a PJ está desejosa de deitar a mão aos
computadores e discos rígidos apreendidos pela polícia húngara ao hacker.
No mesmo cenário, é também certo que a Parquet National Financier
(unidade do Ministério Público francês de combate aos crimes económicos)
há de ser rápida a pedir à Procuradoria-Geral da República a
continuação da parceria que tem, desde 2016, com Rui Pinto, num processo
que investiga “associação criminosa, evasão fiscal agravada e
branqueamento de capitais”. Parece que, aos registos que aqui se deixam,
hão de suceder-se acrescentos sonantes.
Ronaldo 1
As provas usadas pelo Fisco espanhol, com base em fugas promovidas pelo
Football Leaks, obrigaram o internacional português a pagar 18,8
milhões de euros de impostos em falta, para evitar a prisão efetiva.
Ronaldo 2
Emails fornecidos por Rui Pinto à revista alemã Der Spiegel,
que serviram de ponto de partida para uma aprofundada investigação
jornalística, levaram o futebolista a ser publicamente confrontado com
acusações de violação, alegadamente ocorrida há anos em Las Vegas, EUA.
Nasceu assim o “caso Kathryn Mayorga”.
José Mourinho
O mesmo acervo de documentos que o Fisco espanhol usou contra Ronaldo
também atingiu José Mourinho – igualmente acusado de utilizar empresas
offshore para dissimular rendimentos. Há pouco tempo, o treinador
aceitou uma condenação a um ano de prisão, com pena suspensa, e o
pagamento de uma multa de dois milhões de euros, por fraude fiscal.
Jorge Mendes
O designado “superagente” Jorge Mendes vê neste momento os seus
negócios escrutinados pelas autoridades de Portugal, Espanha, Reino
Unido, Irlanda e Holanda. As suspeitas são de fraude fiscal, com base em
informações divulgadas pelo Football Leaks.
Os emails da “águia”
Rui Pinto é ambíguo quanto à divulgação dos milhares de mensagens de
email trocadas entre 2008 e 2017 por responsáveis do Benfica, e que
deram origem a uma investigação por suspeitas de corrupção. Não confirma
nem desmente ter sido ele o autor das fugas.
Exposição “leonina”
O Sporting foi a primeira entidade a apresentar uma queixa-crime na PJ
contra o Football Leaks. Participou uma violação do seu sistema
informático, através da qual se ficou a saber, por exemplo, que o então
treinador, Jorge Jesus, tinha um salário anual de cinco milhões de
euros. Caso conquistasse o campeonato nacional, somaria mais dois
milhões.
“Triste” com o “dragão”
Adepto
portista confesso, Rui Pinto diz ter ficado “entristecido” com uma
descoberta que o leva a suspeitar de um suposto “desvio de verbas” no FC
Porto, ligando o caso a Alexandre Pinto da Costa, filho do presidente, e
a um fundo com sede na Áustria.
O fundo especulativo
A Doyen Sports, um fundo privado de especulação financeira, com sede em
Malta, que gere carreiras de futebolistas e treinadores, e que tem como
investidores empresários cazaques e turcos, acusa Rui Pinto de tentar
extorquir um milhão de euros à instituição. O hacker contra-ataca, chamando ao fundo “uma máfia”.
William Bourdon: “Rui Pinto deveria ser o orgulho de Portugal”
William Bourdon |
Advogado defendeu os whistleblowers mais conhecidos, assumindo actualmente a representação do denunciante português. Bourdon acredita que, com os Luanda Leaks, mais cidadãos portugueses ficarão “agradecidos a Rui Pinto” pelos crimes revelados nestas investigações.
William
Bourdon, é um advogado francês da Ordem dos Advogados de Paris que
pratica o direito penal, especialmente especializado em crimes de
colarinho branco, direito das comunicações e direitos humanos. Ele é
especialmente especializado em defender as vítimas da globalização e
crimes contra a humanidade.
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