O
posicionamento inicial do governo brasileiro na crise entre os EUA e o
Irã não foi bem-visto pelo governo iraniano, que convocou representantes
do Itamaraty para explicações.
Um
dia após a morte do general iraniano Qassem Soleimani, em ataque aéreo
dos EUA, o Itamaraty divulgou uma nota em que "manifestou apoio à luta
contra o flagelo do terrorismo", em conformidade com os
norte-americanos.
O advogado e economista Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil,
em entrevista à Sputnik Brasil, destacou que o "mercado iraniano é um
mercado de 80 milhões de pessoas, uma população relativamente jovem, que
já chegou a ser há 20 anos o maior importador de carne brasileira".
"É um mercado importante, principalmente de alimentos. O Brasil atualmente exporta para o Irã diretamente uma boa parte de alimentos, principalmente carne e frango, e importa um pouco de fertilizantes", afirmou.
De acordo com ele, o Brasil é muito competitivo na parte de
alimentos, o que faz com que o país garanta um superávit importante, não
só no Irã, mas na Arábia Saudita e no Qatar. O especialista afirmou que
uma eventual retaliação comercial do Irã em relação ao Brasil, por
conta da crise no Oriente Médio, pode levar o país a sofrer com a concorrência de outros países.
"Nós não sabemos até onde vai a atual crise, se pode chegar a ter um conflito armado ou se em médio prazo pode levar o Irã a adotar medidas contra parceiros comerciais que se alinharam aos EUA. E nesse caso temos os grandes concorrentes brasileiros, a Argentina, Canadá, Austrália, até a própria Tailândia na área de frango. Então tem outros concorrentes mundiais que competem com os produtos brasileiros", observou.
De acordo com os dados do Ministério da Economia, as exportações
brasileiras ao país persa em 2018 representaram um mercado no valor de
R$ 9,1 bilhões.
"Se houver uma certa trégua a partir de agora, talvez isso mantenha o
nível de comércio atual, até porque o Irã precisa importar esse
alimentos. Agora, é interessante que já houve casos no passado em que os
próprios EUA na época do Obama, quando algumas sanções contra o Irã foram reduzidas, até exportadores americanos começaram a exportar para o mercado iraniano", acrescentou.
Apesar de Bolsonaro ter negado que o conflito possa esfriar a relação bilateral com o Irã, há motivos para preocupação, segundo especialistas
Ontem, a representante brasileira no Irã foi convocada para explicar nota divulgada pelo Itamaraty
na sexta-feira (03) sobre a morte do general Qasem Soleimani,
comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária iraniana, na qual
manifesta “apoio à luta contra o flagelo do terrorismo.”
Na nota, o governo diz que “o Brasil está igualmente pronto a participar de esforços internacionais que contribuam para evitar uma escalada de conflitos neste momento”.
Apesar de não declarar diretamente apoio aos Estados Unidos, o
posicionamento brasileiro causou um desgaste na relação com o Irã,
segundo o embaixador Paulo Roberto de Almeida, que já serviu em
embaixadas de destaque como Paris e Washington.
“Para os iranianos, a postura do Brasil é uma deslealdade em relação
às boas relações que os países vinham tendo desde a revolução iraniana,
nos anos 70”, diz Almeida.
Em 2018, as exportações do Brasil para o Irã representaram 0,94% (US$
2,26 bilhões) de todos os desembarques do país, formados
preponderantemente de produtos básicos, como milho, soja, açúcar e
carne. Já os embarques vindos da terra persa, compostos na maioria de
produtos semimanufaturados de ferro e aço, representaram 0,022% (US$ 39
milhões) das importações brasileiras.
“A participação do Irã nas exportações brasileiras não é grande, mas
não podemos negar que, no médio prazo, uma situação de instabilidade
pode gerar problemas para a economia global e impactar exportações para
outros destinos, mais especificamente na questão de carnes”, diz
Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV e da Faap.
O Oriente Médio abriga países com relações comerciais fortes e
crescentes com o Brasil, à medida que o país goza de uma posição de
destaque na produção da carne halal, técnica sagrada de abate que segue
premissas do Alcorão. Esse direcionamento vem fortalecendo os laços do
país com a comunidade islâmica e, consequentemente, impulsionando as
exportações para países árabes.
E, se o Irã, que não é um país árabe, é responsável por menos de 1%
das exportações que saem do Brasil, os países árabes, por outro lado,
são responsáveis por 10% desses desembarques.
“Quem entrou nesse mercado (de carne halal) certamente acabará
perdendo se a tensão na região se acentuar. Hoje, num cenário de crise e
falta de clareza no cenário político-econômico internacional, qualquer
perda de mercado é relevante, pois reduz a nossa capacidade de
internalizar dólares por meio do comércio exterior”, diz Vieira.
Os produtores que exportam para a região podem ter de lidar também
com a pressão da tensão no custo do frete cobrado no deslocamento do
produto. “Ainda que não haja uma guera, as cargas podem estar sujeitas a
não entrega ou a toda uma série de fatores, por conta do risco que
correm por estarem na região”, diz Vieira.
No curto prazo, o exemplo mais relevante do impacto que a escalada da
tensão no Oriente Médio pode trazer é a disparada do preço do petróleo.
Por enquanto, os valores comercializados pela commodity subiram cerca
de 4%, mas há temores de que uma expansão do conflito possa comprometer o abastecimento e, consequentemente, os preços de forma considerável.
“O impacto no setor de petróleo ou de
energia em geral pode vir tanto por um ataque em novas instalações da
Arábia Saudita, por exemplo, quanto com eventuais afundamentos de barcos
petroleiros no estreito de Ormuz. Nesse caso, o fluxo prejudicado na
região poderia reduzir 20% ou 30% do direcionamento de petróleo para
países importadores e isso seria extremamente grave, não só pelo impacto
nos preços”, diz Almeida.
Um eventual bloqueio do canal de Ormuz, por onde passa cerca de 35%
da exportação de petróleo vindo dos países árabes e do Irã, também é um
risco, segundo Michel Alaby, consultor de comércio exterior.
“Caso esse bloqueio seja feito, a tendência é que o preço do petróleo
suba mais e que a volatilidade do câmbio no Brasil cresça, já que os
investidores vão procurar portos seguros para investir”, diz Alaby.
Temendo o impacto do aumento dos preços na economia interna, o
governo brasileiro disse nesta segunda-feira que tem trabalhado na
elaboração de políticas para não ficar refém do petróleo.
Apesar de não ter detalhado o plano, o ministro de Minas e Energia,
Bento Albuquerque, disse a jornalistas que a palavra “subsídio” não
seria a adequada para definir o que está sendo avaliado.
O que pode complicar bastante esse cenário, segundo Vieira, é o fato de o Irã ter anunciado que vai voltar a enriquecer urânio.
Isso gera problemas de longo prazo e pode trazer até mais instabilidade
do que o resultado da retaliação prometida contra os EUA.
“A vingança virá, mas o que mais deve preocupar o mundo é essa
possibilidade de o Irã adquirir armas nucleares, o que tanto para os EUA
quanto para Israel seria intolerável. E pode, no limite, ainda que não
haja uma reação forte, gerar uma corrida armamentista na região”, diz
Vieira.
Um agravante para o Brasil nesse contexto de brigas é o fato de o
país ter se comprometido a sediar em fevereiro o encontro do processo de
Varsóvia, liderado pelos EUA e tido como uma conferência internacional
de luta contra o terrorismo. O encontro é visto também como uma
tentativa de isolar o Irã na região.
“Até esse encontro, acho difícil o Brasil ser retaliado
comercialmente. Depois disso, porém, fica mais fácil de o Irã pensar em
cortar ou reduzir laços econômicos com o país”, diz Vieira.
Nesse meio tempo, a expectativa de diplomatas e consultores
internacionais é de que outros países atuem para amenizar a tensão na
região. “Não é interesse de ninguém que haja uma guerra. Até o Congresso
dos EUA deve ter papel importante no controle dos ânimos de Trump nesse
momento. A loucura, no entanto, continua”, diz o embaixador Paulo
Roberto de Almeida.
0 comentários:
Postar um comentário