Alemanha devolve à Namíbia monumento colonial português
| Cultura
A cruz de pedra com três metros de altura era um dos marcos que os navegadores portugueses com frequência deixavam nas terras "descobertas", como testemunho perene da sua passagem e título de apropriação colonial. Este estava em terras da atual Namíbia desde há mais de 500 anos.
Na partilha do século XIXentre potências europeias, a Namíbia fora
destinada à colonização alemã e ficara com o nome de "Sudoeste
Africano". Entre muitos outros objetos cobiçados e rapinados pelos
colonizadores, contou-se a pesada cruz de pedra - mais pelo significado
histórico que pelo valor estético. Em 1893, embarcaram-na para a
Alemanha e aí ficou.
Ontem, quinta-feira, à noite, o Curatório do Museu Histórico Alemão
(DHM) decidiu responder favoravelmente a um pedido de devolução que lhe
fora oficialmente endereçado pela Namíbia em 2017.
No ano passado, o DHM organizara um simpósio especificamente destinado a
discutir as questões jurídicas relativas à devolução de património
museológico.Em artigo publicado em março deste ano no diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung,
o presidente da Fundação do DHM, Raphael Gross, resumia o simpósio com
uma dupla conclusão: por um lado, dizia, "a Namíbia não tem direito ao
repatriamento [da cruz de pedra]"; por outro lado, de um ponto de vista
ético e político, esse mesmo repatriamento seria "um gesto importante".
Para chegar a este ponto, foi preciso percorrer um caminho: o pedido de
entrega do monumento português em terras namibianas fora feito por três
vezes ao longo do século XX, primeiro por autoridades locais e depois
pelas autoridades do país que conseguiu a sua independência no
seguimento da vitória angolana contra a África do Sul. Esses três
pedidos - em 1925, 1960 e 1990 - foram sempre recusados.
No Curatório do Museu, tem também assento o MNE alemão, que votou, como
toda a gente, a favor da entrega do monumento. A ministra Michelle
Müntefering fez questão de sublinhar que saudava expressamente o
"gesto".
Mas nem todas as reações alemãs foram entusiásticas e isentas de
reserva. O historiador Jürgen Zimmerer, especialista da história do
colonialismo na Universidade de Hamburgo, alertou contra o perigo de que
a devolução desta peça possa desviar as atenções de todas as outras que
continuam em museus das antigas potências coloniais, sem perspectivas
de voltarem à origem.
Zimmerer, citado em Der Spiegel,
recorda a este respeito exigências de devolução como as de 3.000
estatuetas de bronze roubadas do Benim em 1897 pelos ingleses. Enquanto
essas exigências da atual Nigéria continuam sem resposta, 200 dessas
estatuetas vão viajar para uma exposição em Berlim no próximo outono.
Centenas de estatuetas dessas continuam entretanto armazenadas em
Berlim, Leipzig e Hamburgo.
Para já, a cruz de pedra vai fazer a viagem de volta e reinstalar-se na
Namíbia como património público. Segundo a curadora do Museu Nacional
namibiano de Windhoek, Nzila Mubusisi, trata-se de uma peça com valor
histórico que de modo algum poderia ir parar a uma colecção privada.
Desejável, considera a curadora, é que ela seja novamente colocada
diante do mar.
0 comentários:
Postar um comentário