Mourão será capaz de consertar as relações entre Brasil e China?
O vice-presidente quer recuperar parceria entre os dois países, mas sua missão pode encontrar resistência
Em sua primeira visita à China, o vice-presidente Hamilton Mourão tem
uma missão espinhosa: convencer seus anfitriões, entre eles o presidente
Xi Jinping, que o Brasil é um parceiro comercial confiável e
interessado em manter boas relações entre os dois países. Mourão tem
trabalhado incessantemente nos bastidores e com a imprensa para tentar
controlar os danos feitos pela retórica anti-China do presidente Jair
Bolsonaro e do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O vice-presidente procura garantir aos investidores chineses que o
Brasil vê o país “não como uma ameaça, mas um parceiro”, e parece que
está sendo bem-sucedido. Em particular, investidores e diplomatas
chineses demonstram confiança de que uma viagem exitosa de Mourão
convença a liderança chinesa de que ele pode controlar Bolsonaro e que a
visita dará um ponto final no momento mais difícil e incerto nas
relações bilaterais dos dois países desde 1974, quando, no auge da
ditadura militar, o então presidente general, Ernesto Geisel, reconheceu
oficialmente a República Popular da China.
Contudo, uma análise mais profunda revela que a missão de Mourão é ainda
mais difícil. O vice-presidente deve se precaver para não causar muito
alarde durante sua visita, a fim de evitar ataques da ala radical
antiglobalista do governo Bolsonaro, que tem grande influência sobre o
presidente e muitas suspeitas sobre Mourão — como a de que ele seja um
"comunista disfarçado". Grupos de direita nas redes sociais divulgaram
imagens em que Mourão aparece ao lado de Marx, Lênin e outros figurões
comunistas.
É notável como a China se tornou um dos temas da briga por poder entre
as diversas facções que compõem o governo Bolsonaro — e ali está o risco
de a missão em Pequim sofrer um revés dramático. No cenário mais
extremo, Bolsonaro poderia se ver pressionado a renegar os avanço de seu
vice-presidente com a China para fortalecer seu chanceler adepto a
teorias de conspiração — uma decisão que rapidamente poderia acabar com
qualquer progresso feito para consertar a relação entre as duas nações.
UMA TAREFA PERIGOSA
O general reformado de quatro estrelas espera conseguir algumas vitórias
mais simples em sua visita — de um acesso melhorado aos mercados
chineses até uma série de acordos de investimento, estreitando os laços
econômicos dos países de maneira sem precedentes. O fato de Xi Jinping
ter aceitado se encontrar com Mourão é um sinal de boa vontade pouco
usual, ainda mais se levarmos em conta quanto a relação entre os dois
países se deteriorou desde a eleição de Bolsonaro em outubro de 2018.
Pequim teme que o Brasil mine os interesses geopolíticos chineses na
América Latina e Caribe, onde estão nove dos 17 países que ainda
reconhecem Taiwan.
Para piorar, o governo brasileiro terá de tomar, em breve, duas decisões
muito simbólicas, que tornarão mais difícil para Mourão manter os
acordos com os chineses longe dos interesses dos populistas. Primeiro,
Bolsonaro terá de decidir se apoia formalmente ou não a Iniciativa do
Cinturão e da Rota (BRI, na sigla em inglês), rota das sedas, um plano de investimentos
numa escala sem precedentes — e um indicador-chave das ambições globais
da China. Ainda que assinar o memorando da BRI agora não cause um
impacto imediato nos investimentos — o BRI é mais uma venda de narrativa
do que um programa formal de investimentos —, isso seria interpretado
em Pequim como um sinal claro de que o Brasil é suscetível à pressão
feita por Donald Trump, que pediu a Bolsonaro que o ajudasse a limitar a
influência chinesa na América Latina.
Sentindo uma oportunidade por causa da postura ambígua do Brasil em
relação à China, outros presidentes da América Latina buscaram uma
aproximação, tentando se projetar como parceiros mais confiáveis para os
chineses. Em abril, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, foi a
Pequim para o segundo fórum da BRI e questionou abertamente o papel do
Brasil como interlocutor-chave da China na América Latina. A adesão do
Brasil ao BRI, rota das sedas, sígla em inglês, seria vista como uma grande vitória em Pequim, e, com
isso, Mourão poderia conseguir significantes promessas de investimentos
em troca.
Em segundo lugar, Bolsonaro terá de decidir se seguirá a decisão de
Trump e tomará medidas concretas para limitar o papel da gigante chinesa
de tecnologia Huawei na adesão dos modelos 5G de telefonia celular no
Brasil. A indústria brasileira, o setor agrícola, as empresas de
telecomunicação e as Forças Armadas não apoiam essa ideia, mas o
ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, deixou claro
recentemente, durante uma palestra, que a decisão sobre o 5G será
estritamente política — e não técnica — e que seria tomada pelo
presidente. Em entrevista recente a um jornal, Mourão argumentou que o
Brasil “não compartilha, por ora”, da visão dos EUA de que a Huawei
poderia transmitir informações estratégicas para o governo chinês. Por
enquanto, parece pouco provável que o Brasil siga os EUA e a Austrália e
impeça a participação da Huawei no lançamento das redes 5G. O país
provavelmente agirá como a Europa, onde os governos adotaram uma postura
moderada e se recusaram a banir a empresa. Ainda assim, Mourão será
crucial para que Bolsonaro se poupe com seus apoiadores mais radicais,
que consideram uma mera viagem à China como uma capitulação à “China
maoista”, um termo que Ernesto Araújo gosta de usar.
Enquanto Mourão argumenta em Pequim para tentar salvar os laços
bilaterais dos países, os chineses ouvirão atentamente, cientes de que
as intrincadas dinâmicas da política doméstica brasileira influenciarão a
posição do país na crescente disputa de poder entre Pequim e
Washington. O vice terá de andar na corda bamba para conseguir remendar
as relações entre Brasil e China e manter essas vitórias sem alarde — do
contrário, precisará encarar a fúria da direita radical que o enxerga
como uma ameaça.
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